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The Genesis Machine – Our quest to rewrite life in the age of synthetic biology

Autores: Amy Webb e Andrew Hessel

Ideias Centrais:

– Cientistas trabalham em um novo e revolucionário campo da biologia, a biologia sintética, que está reescrevendo os códigos genéticos dos seres humanos, dos demais animais e das plantas, tornando-os menos vulneráveis a falhas e obsolescência;

– Futuramente, a vida não estará mais sujeita a disfunções e determinações genéticas imutáveis. A humanidade terá a possibilidade de retardar a própria velhice, multiplicar a capacidade de produção de alimentos e combater cataclismos naturais;

– A biologia sintética, ou genesis machine (máquina da gênese), que dá título ao livro, possibilitará não apenas ler e editar códigos de DNA, como escrevê-los. A edição já é uma operação possível desde 2010, mas tem limites por se tratar de um processo delicado e custoso. A digitalização poderá multiplicar esse trabalho, com sequências de DNA sendo descarregadas em softwares. Sistemas biológicos poderão ser programados, como computadores;

– Uma nova medicina, em “tempo real”, será possível com o uso de aparatos móveis de identificação rápida de vírus e bactérias e a produção de remédios customizados;

– O uso perverso dos recursos da biologia sintética, como a decodificação indesejada do genoma de uma pessoa para fins de extorsão, é efeito colateral previsível dessa nova era. Do mesmo modo, problemas já vividos pela humanidade, como a desigualdade social, podem se agravar, com classes privilegiadas tendo acesso à “limpeza” de genes de seus filhos;

– Conflitos geopolíticos devem passar a se dar em torno do domínio dessa disciplina.

Sobre os autores:

A norte-americana Amy Webb é talvez a mais incensada dos futuristas hoje em atividade, sendo figurinha fácil de eventos globais de tecnologia como o SXSW. Escreveu diversos livros sobre esses temas, entre eles Os nove titãs da IA: como os gigantes da tecnologia e suas máquinas pensantes podem subverter a humanidade (o link para o resumo deste livro na [EXP] está no fim da matéria).  Todo ano, seu Future Today Institute lança um relatório com tendências e previsões no campo da tecnologia. Ela ainda tem prolífica atividade acadêmica e assessora o Fórum Econômico Mundial.

Andrew Hessel é geneticista, empreendedor e divulgador científico; cofundou em Nova York a Humane Genomics, empresa especializada em desenhar vírus artificiais para ajudar no combate ao câncer.

Introdução:

Os autores abrem o livro com notas pessoais sobre seus problemas comuns de fertilidade, privações que a nova era de intervenção genética vem superar. Por meio da biologia sintética, será possível ter filhos mesmo em quadro de infertilidade e evitar doenças hoje tidas como letais. A vida não será mais moldada por combinações ao acaso do processo de reprodução celular durante nossa concepção.

A biologia sintética permite a edição do código genético e também sua escrita. E isso será feito com auxílio de softwares. Uma loja de aplicativos poderá conter apps para aprimoramento de funções celulares, seja para humanos como para outras espécies. Será possível conhecer a cura para toda e qualquer doença genética e também reduzir drasticamente a emissão de dióxido de carbono, o grande vilão do aquecimento global, com o uso de árvores modificadas geneticamente.

A promessa do livro, anunciam os autores, é que, superados alguns conflitos em torno de regulação e propriedade, a humanidade estará próxima de soluções de seus maiores desafios existenciais.

As implicações dessa tecnologia, portanto, são bestiais e envolvem questões éticas, dado que será possível reescrever formas de vida. Impactos geopolíticos já aparecem, com China e Estados Unidos escrutinando-se mutuamente a fim de não comer poeira na corrida pelo domínio da biologia sintética.

Parte 1 – Origens

Dizendo não para os genes ruins

Um estudo de caso sobre o diabetes tipo 1, doença conhecida há três milênios. No começo do século 20, cientistas descobriram um tratamento com insulina bovina. Mas apenas a fonte animal não dava conta da altíssima demanda do hormônio. Por isso, players como a farmacêutica Lilly e grupos ligados a universidades decidiram enfrentar o desafio.

Havia dois caminhos: desenvolver bactérias para produzir insulina ou reprogramar os chamados “genes ruins” de quem não conseguia produzir o hormônio. Uma empresa, a Genentech, se destacou, desenvolvendo a técnica do DNA recombinado. Em 1978, a empresa sintetizou uma sequência de DNA capaz de instruir seu “hospedeiro” a executar comandos e produzir o hormônio. Era o nascimento da biotecnologia – ou da biologia sintética.

Esse campo científico hoje serve de guarda-chuva para operadores da química, da biologia, das ciências da computação, da engenharia e do design. Todos a tentar escrever novos – e melhores – códigos genéticos.

A inteligência artificial tem o condão de impulsionar a biologia sintética. Hoje há grande base de dados de proteínas e poder computacional para a realização de bilhões de simulações. Na próxima década será possível programar – ou reprogramar – o que os autores chamam do “mais avançado supercomputador” existente: a célula.

Numa nota de conclusão de capítulo, os autores dizem que “é possível criar vida, emendar as já existentes, fazer quase tudo com a biologia sintética – para o bem ou para o mal.”

Uma corrida para a linha de partida

Após a síntese da insulina, grupos antagônicos passaram a disputar recursos para o mapeamento do genoma humano. Grosso modo, tratava-se de uma contenda entre uma jovem guarda de pesquisadores, entusiastas do financiamento privado, e tradicionalistas, ligados a instituições públicas. O segundo grupo se impôs, e o congresso norte-americano decidiu que o projeto deveria ficar sob a supervisão do estado.

O estudo, que teria duração prevista de 15 anos, recebeu a contribuição decisiva de John Craig Venter, um “maverick” da jovem guarda, que aplicou ao mapeamento do genoma humano um método heterodoxo, tributário da intuição e do improviso de seus tempos na Guerra do Vietnã. Sua decisão de isolar fragmentos de DNA acabou por acelerar dramaticamente o trabalho. Em dado momento, Venter anunciou que iria formar uma empresa para mapear o genoma com menos de 10% do budget governamental para a consecução do mesmo objetivo. E pretendia entregar o trabalho quatro anos antes.

Com a Celera, Venter inaugurava um novo modelo de negócio, em que companhias pequenas alimentadas por capital de risco passavam a fazer ciência de ponta. Depois de decifrar o código genético de duas dezenas de espécies, a Celera decodificou o genoma humano. No anúncio, em cerimônia chefiada por Bill Clinton, o então presidente dos Estados Unidos assinalou que a ciência “sozinha” não poderia ser o árbitro da “ética, moral e poder espiritual” que a humanidade agora passava a deter. Então primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, completou: “Todos nós dividimos a responsabilidade de garantir que a propriedade comum do genoma humano será usada livremente para o bem comum da raça humana.”

Tijolos da vida

Células são máquinas elegantes que transmitem informações. Numa analogia crítica para a biologia sintética, elas atuam como computadores. É possível ver as entradas (inputs) e saídas (outputs), mas o sistema interno é opaco. Pode-se, assim, imaginar o DNA como linguagem de programação, ainda que não binária.

A linguagem do DNA utiliza-se de combinações dos nucleotídeos, e seu “byte” é a sequência ATG (código para o aminoácido metionina). Quando a célula “vê” essa sequência, entende que deve dar início à produção de proteína – que é uma cadeia de aminoácidos. ATG é o “hello, world!” da biologia.

O que a ciência conseguiu no começo do século 21 foi o entendimento básico da localização dos genes e a distância entre os cromossomos, além de hipóteses muito gerais de como usar terapias genéticas para melhorar as formas de vida. Faltavam ferramentas e uma linguagem unificada, necessárias para programar ou reprogramar as células.

Os paralelos entre a biologia celular e a linguagem computacional são recentes – como é, com efeito, o campo da biotecnologia. Nos anos 1990, que marcam o nascimento da disciplina, observação e desconstrução eram métodos utilizados à farta, emulando a biologia clássica (como nas experiências de dissecção em sapos reproduzidas em salas de aula). O norte-americano Tom Knight estudava o tema e já fazia as perguntas pertinentes: células podem ser programadas como computadores? Computadores podem ser redesenhados como elementos da biologia?

Um seu contemporâneo, o bioquímico Jay Keasling, procurava entender os processos metabólicos celulares, e, a partir de estudos que mostravam a eficácia da artemísia no combate à malária, conseguiu chegar, em laboratório, a uma substância semelhante a ela. Keasling e Knight mostraram que a reprogramação genética em presença de um substrato que permita as células recombinadas se reproduzirem poderia levar, no limite, à superação da seleção natural.

Em 2002, Keasling e sua equipe conseguiram produzir uma pequena quantidade de artemísia em laboratório e, com uma injeção de US$ 42 milhões da fundação Bill e Melinda Gates, o cientista fundou, no ano seguinte, a primeira empresa de biologia sintética disposta a abraçar o mercado consumidor. Mas erradicar a malária era uma meta auspiciosa, e a Amyris Biotechnologies mostrou-se incapaz de cumpri-la. A coisa poderia mudar de figura depois de uma joint-venture com a transnacional Sanofi. Contudo, as forças do mercado jogaram contra, insumos tiveram seus custos abruptamente aumentados e a erradicação da malária por meio de um remédio de baixo valor naufragou. De todo modo, a tecnologia desenvolvida pela Amyris chamou a atenção de outros players. Agora era a Monsanto que queria os préstimos da empresa para produzir bioenergia – boa parte dela no Brasil.

Deus, Church e um (quase) mamute woolly

O norte-americano George Church plasmou seu nome no campo da biologia sintética ao provar ser possível sequenciar múltiplos códigos genéticos ao mesmo tempo. As implicações econômicas disso foram dramáticas.

Em 2012, Church ajudou a formatar o que tornar-se-ia conhecido por CRISPR, acrônimo em inglês para padrões de leitura de segmentos de DNA como palíndromo (que não se altera se a leitura for do começo para o final ou vice-versa). CRISPR anunciou uma nova era da biologia sintética, e, ao longo dos anos, Church tornou-se proprietário de 60 patentes e forjou uma geração inteira de engenheiros genéticos.

Church é ainda o tipo de sujeito que pensa em ressuscitar, em laboratório, animais há muito extintos, como o mamute woolly, desaparecido no Pleistoceno. Uma escolha nada aleatória: de uma determinada ação do woolly, a compactação do gelo, dependia a vida de toda uma cadeia de animais. Não por coincidência, largos estratos da população mundial, que habitam cidades litorâneas, necessitam hoje de uma certa estabilidade do permafrost, a camada de solo aprisionada pelo gelo nos polos, pois, do contrário, os oceanos podem subir e, com isso, alagar regiões costeiras.

Recriar o mamute woolly e fazê-lo habitar estepes geladas, portanto, ajudaria a combater o aquecimento global. Há um problema: um animal extinto há milhares de anos não tem código genético adaptado para sobreviver às mudanças pelas quais passou a Terra desde então. Diante disso, Church pensou em novo approach: usar como base genética o código de um parente distante do woolly ainda existente – no caso, o elefante asiático.

A ideia da “desextinção” ganhou audiência num TED Talks em 2013 – e os problemas de Church começaram. Todos aqueles que viam na biologia sintética algo parecido com brincar de Deus fizeram questão de manifestar seu descontentamento. Ressuscitar, digamos, o homem de Neandertal, que não sofria de doença celíaca e cuja densidade óssea é o sonho de consumo de 10 entre 10 mulheres na pré-menopausa? Melhor nem pensar.

Parte 2 – Agora

A bioeconomia

No final de 2019, Zhang Youngzhen, virologista de Xangai, na China, percebeu que um vírus novo e poderoso ameaçava a população da cidade de Wuhan. O genoma do infame Sars-CoV-2 seria então codificado em 40 horas e sua sequência publicada numa espécie de Wikipedia biológica, o GenBank.

Poucos dias depois, a farmacêutica Moderna já desenvolvia uma vacina baseada no código de RNA do vírus, emulando a proteína “spike”, seu traço de distinção. A vacina, desenvolvida em tempo recorde e certamente responsável por deter parte das milhões de mortes causadas pela Covid-19, mostrou-se uma das maravilhas da biologia sintética.

Hoje, uma empresa californiana desenvolve uma tecnologia de sequenciamento molecular capaz de adicionar enzimas a chips. Com isso, espera-se para logo o lançamento de uma máquina portátil de sequenciamento de genoma capaz de realizar esse trabalho em apenas uma hora – e por US$ 100. Se isso de fato acontecer, em três décadas o custo dessa operação terá caído de US$ 3,2 bilhões para US$ 100; o tempo, de 13 anos para 60 minutos. Não há registro de tão rápida evolução em qualquer outro setor econômico.

A biotecnologia é uma indústria complexa e tem enormes desafios regulatórios, como exigir extensas fases de testes e experimentos em distintos grupos populacionais. De qualquer forma, a tecnologia avança e em breve será possível desenvolver moléculas de DNA remotamente, por transmissão por satélite. Organismos e remédios poderão ser “enviados por fax” para qualquer ponto do planeta – e mesmo, quem sabe, para fora dele.

A era biológica

Imagine um mundo em que cada camarão é produzido em laboratório. Que a ressaca é uma relíquia do passado, já que probióticos bloquearão essa reação aos excessos etílicos. E que doenças como a distrofia muscular poderão ser eliminadas antes do nascimento. Os fundamentos desses cenários idílicos já existem.

A biologia sintética deve mudar três áreas vitais para a manutenção da vida na Terra: medicina, estoque global de alimentos e ambiente. Na medicina, a promessa é o desenvolvimento de terapias e remédios genéticos individualizados, além da erradicação de doenças advindas do mal funcionamento das células. Doenças que têm vetores externos, como a malária ou a zika, transmitidas por mosquitos, podem vir a ser aplacadas com mutações genéticas induzidas nesses vetores. Já é usada tecnologia para que os mosquitos tenham sua reprodução dificultada e para que as fêmeas deixem de picar.

Ainda na medicina, é notável o avanço da imunoterapia como combate aos mais diversos cânceres. A mesma farmacêutica Moderna que criou a vacina contra a Covid-19 já testa vacinas para câncer de ovário, mama e melanoma.

Outra fortuna genética é o microbioma que todas as pessoas trazem em seu sistema digestório. O número de genes das bactérias, vírus e protozoários aí é 200 vezes maior do que o do genoma humano. Como se sabe, ele difere de pessoa para pessoa, até mesmo entre irmãos gêmeos. A avaliação desse “reino” genético já é possível e algumas empresas prescrevem probióticos customizados.

Isso anuncia uma nova fronteira da medicina, em que exames minuciosos podem vir a prescindir de avaliação médica. Pesquisadores da Universidade de Stanford já desenvolverem um kit de diagnóstico com câmeras, sensores de pressão e detectores de movimento, tudo carburado por machine learning. Por meio de edição genética, a possibilidade de “escolher” certas características dos filhos, como textura do cabelo e proteção contra o Mal de Alzheimer, será ampla.

No campo da alimentação, a biotecnologia tem alguns marcos históricos. Em 1973 a primeira bactéria feita com engenharia genética foi desenvolvida; em 1983, uma planta de tabaco veio a lume a partir de genes de outro vegetal. Hoje, cerca de 14% do algodão cultivado pelo mundo é geneticamente modificado, assim como 50% da soja. Está claro que será preciso incrementar a produção alimentar diante do aumento da população mundial, que deve ganhar mais 2 bilhões de pessoas até 2050. E isso não poderá ser feito pelos modelos tradicionais em razão da emissão de dióxido de carbono e seus efeitos no aquecimento global.

A solução, outra vez, está na engenharia genética. Na China, desenvolve-se uma espécie de porco mais resistente a vírus e de amadurecimento mais rápido; projetos agrícolas permitem o crescimento de árvores que demandam fração da água daquela normalmente necessária; fazendas verticais ou urbanas começam a aparecer aqui e ali, notadamente no Japão. Carnes vegetais já são bastante difundidas, e até mesmo uma marca identificada com o frango (animal), a KFC, testa a viabilidade de um nugget com 80% de células de plantas.

Além de avanços na bioenergia e em materiais usados por diversas indústrias, como a do vestuário, a biotecnologia também tem soluções para algumas das grandes questões ambientais. As ilhas de lixo plástico a flutuar nos oceanos, que podem vir a triplicar de tamanho até 2050, podem quem sabe desaparecer com o uso de enzimas que dissolvem o plástico, sem resultar em substâncias nocivas para os mares.

Nove riscos 

Há diversos envolvidos no desenvolvimento da biologia sintética. O primeiro é o uso duplo de seu conhecimento. Isso já foi visto, quando, por exemplo, o advento da indústria de fertilizantes também deu luz às armas químicas; da mesma forma, doenças já erradicadas têm o condão de reaparecer em caso de vazamentos acidentais (ou não). Outra ameaça decorre da própria imprevisibilidade da biologia. Um acidente em laboratório ou uma contaminação intencional poderia acarretar uma catástrofe ecológica.

A possibilidade de vender ilegalmente informações sobre o código genético de pessoas, sejam elas politicamente expostas ou não, é outro cenário que se avizinha. Um guardanapo ou lenço de papel utilizado por alguém pode gerar uma amostra de DNA e isso ser utilizado contra seu “portador”.

Questões atinentes à regulação é outro tema de preocupação, pois o endurecimento regulatório tende a desestimular a inovação – e incentivar a pirataria. Há ainda uma ameaça que de alguma forma já pairou no ar durante a pandemia de Covid-19, o incremento da desigualdade econômica, desta vez motivada pelo acesso a terapias genéticas.

Com tudo isso, fica claro que o campo da biotecnologia é crítico para o avanço econômico dos países, e novos conflitos geopolíticos tendem a surgir, agora em torno do domínio de patentes e know-how. Mudanças na espécie humana, com a possibilidade, por exemplo, de enxergarmos o espectro ultravioleta da luz – algo hoje impensável – levarão a questões éticas duríssimas: qual será o limite de criação de novos “Frankensteins”? Por fim, ondas de desinformação, voluntárias ou não, tendem a se alimentar com as descobertas feitas em laboratório.

A história do arroz dourado

O arroz, uma das fontes alimentares mais populares do mundo, não é simples de plantar e colher. Há muita exigência de solo e água, e as safras podem ser decepcionantes. Não surpreende, portanto, que cientistas venham tentando, desde os anos 1960, melhorar a “performance” do produto.

Em 2000, um tipo de arroz geneticamente modificado e de aparência ligeiramente amorenada ficou conhecido como arroz dourado. Ele foi criado com a utilização de 70 a 105 patentes e licenças. Êxito da ciência, o produto tornou-se ao mesmo tempo um desastre do ponto de vista do direito de propriedade. Criado com supostos fins humanitários, a propriedade do alimento acabou, por conta de fusões de empresas e instituições, nas mãos de uma grande transnacional, a Syngenta.

A lição deixada é que a introdução na sociedade dos resultados e produtos de projetos científicos diligentemente pensados e executados mostra-se verdadeiro pega-pra-capar, com as dinâmicas do capitalismo falando mais alto.

Parte 3 – Futuros

Explorando o mais recente plausível

Com o ecossistema da biotecnologia se multiplicando, é difícil prever qual será o “next big thing”. A divisão de IA do Google incrementa seus algoritmos dedicados à biologia sintética, enquanto diversas startups buscam uma vacina contra todos os males.

Mas há questões a serem respondidas antes que esses produtos cheguem ao mercado. Como lidar, por exemplo, com a desigualdade social crescente provocada pelo uso da biotecnologia para “melhorar” bebês? Como escolher as pessoas e instâncias responsáveis por determinar quais produtos da biologia sintética serão dignos de chegar às “prateleiras”?

Más escolhas para adequar os frutos da biotecnologia à vida comum podem gerar conflitos entre governos e setor privado e também entre diferentes países. A biologia sintética é conectada com áreas adjacentes de tecnologia, como comunicações, IA, blockchain, mídia social, vigilância digital. Trata-se, assim, de um cenário que gera muitos desdobramentos – e dúvidas. Ainda neste século, nonagenários talvez estejam longe da aposentadoria – e, assim, o que será dos sistemas previdenciários do futuro, hoje já disfuncionais? Ir a restaurantes, por sua vez, talvez já não seja um hit, dada a provável emergência de biorreatores “trendy“.

Parte 4 – O caminho à frente

Um novo começo

Em 1913, um encontro de mulheres nos arredores de San Francisco, o Asilomar Conference, reuniu filantropos, jornalistas, sufragistas e intelectuais como Phoebe Hearst, mãe do magnata da mídia William Hearst, que seria retratado pelo cineasta Orson Wells no muito famoso filme Cidadão Kane. A ideia era discutir o progresso da sociedade tendo como pilares a evolução da ciência e da tecnologia. Sessenta e dois anos depois, não muito longe do local que sediou Asilomar, cientistas discutiram a aplicação da nascente técnica do DNA recombinado. Para o encontro, foram convidados jornalistas de publicações populares, como The New York Times e a revista Rolling Stone, num esforço para fazer a discussão chegar, sem distorções, às grandes audiências. Parece ter funcionado, pois, ao longo dos 40 anos seguintes, a ciência conquistou certo crédito da sociedade – epidemias de desinformação irromperiam apenas muito mais tarde. Hoje parece impossível reeditar Asilomar. Este livro, dizem seus autores, é uma tentativa disso.

Epílogo

Uma grande transformação está a caminho. A biologia sintética logo irá determinar novas maneiras de se conceber filhos, criar famílias, tratar doenças, construir casas. Ela será fundamental para o combate ao aquecimento global e dará luz a uma era gloriosa para a biodiversidade. Ela pode descortinar, afirmam os autores, o melhor futuro possível.

Ficha técnica:

Título:  The Genesis Machine – Our quest to rewrite life in the age of synthetic biology

Autores: Amy Webb e Andrew Hessel

Primeira edição: Public Affairs/Hachette Books – fev 2022

Resumo: Paulo Vieira

Edição: Monica Miglio Pedrosa

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