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“O saneamento pode ser a plataforma de reconexão do mercado de utilities”

Um dos pilares do desenvolvimento socioeconômico que emergiu a partir da revolução industrial, o saneamento básico, pode abrir um novo ciclo de inovação na era da economia digital. Em países como o Brasil, onde a universalização do serviço ainda é uma meta distante, o investimento em sistemas de abastecimento de água e de tratamento de esgoto pode abrir espaço para que serviços como energia, telecomunicações e (por que não?) dados aproveitem a infraestrutura de saneamento para atender à população nas cidades.
Essa é a visão de negócio projetada pela Iguá, uma das maiores empresas privadas do setor no país, que completa três anos após sua reestruturação sob o controle do grupo de investimentos IG4 Capital. A companhia, que opera no interior de cinco estados e na capital mato-grossense, Cuiabá, está se posicionando para aproveitar as oportunidades de crescimento que surgirão com o novo marco legal do saneamento.  
Na entrevista a seguir ao Experience Club, o CEO da Iguá, Gustavo Guimarães, conta como lidera a companhia com a mentalidade de “startup grande” e vê a presença do saneamento em mercados desde open banking, até uma posição de protagonismo no futuro das smart cities. Confira:
A Iguá completa três anos agora em 2020 e já é uma das maiores empresas privadas do mercado brasileiro de saneamento. Qual é a origem e a abrangência da companhia hoje? 
A Iguá foi constituída a partir do processo de reestruturação de uma empresa que passava por dificuldades. Na origem, brincávamos que éramos uma startup grande, porque desde o início aplicamos na companhia o modelo mental das organizações que estão revolucionando o mundo. Trouxemos para dentro de casa esses conceitos com olhos voltados a um horizonte próximo e respeitamos o contexto de uma empresa que está presente em mais de 30 municípios, tem 18 contratos e um portfólio dividido entre parcerias público-privadas (PPPs) e concessões. Isso é muito relevante no mercado de saneamento e nos dá uma enorme experiência. Nascemos grandes e estamos prontos para o futuro O saneamento, pelo que representa, traz um mundo de possibilidades que não são o core business, mas que têm muito potencial. Ele pode se tornar a grande plataforma de reconexão do mercado de utilities. É o que nós na Iguá estamos procurando explorar. 
O novo marco regulatório do saneamento abre um capítulo inédito para investimentos no setor e também pode dar um impulso relevante na retomada econômica. Quais são os pontos mais importantes da nova legislação? 
Esse tema está em pauta há mais de dois anos e, por isso mesmo, tem a beleza de ter sido amplamente debatido por todos os envolvidos, inclusive no Congresso, trazendo muitos benefícios para a sociedade. O novo marco legal apresenta respostas objetivas em relação ao fluxo de investimentos necessários para a universalização dos serviços, com mais segurança regulatória, já que prevê a figura de um agente regulador central – a Agência Nacional de Águas (ANA). Oferece ainda a possibilidade de competição e melhora a perspectiva da justiça social tarifária. Isso gera atores mais eficientes, impulsiona a inovação e proporciona novos arranjos dos processos de engenharia, trazendo mais potencial de alocação de capital em um setor com um gap enorme de investimento. O marco legal traz outra grande resposta: quem é o dono do serviço. Embora tenha sido convencionado que o município é o responsável pela gestão desse serviço básico, a exploração acaba sendo de interesse regional porque diz respeito a bacias hidrográficas que servem a um conjunto de municípios, estados ou até países. Com a nova legislação, precisaremos observar com mais cautela os interesses local ou regional para a exploração do saneamento. 
Qual é o fôlego de investimento do setor da forma como opera hoje?
O volume de investimento no setor atualmente é de R$ 12 bilhões por ano. Consultorias e pesquisas já apontaram que para alcançarmos a universalização esperada no prazo de 2033 são necessários R$ 700 bilhões. É um raciocínio bem simples, com esse volume marginal de recursos não conseguiremos chegar lá nunca. 
A quase onipresença do Estado, junto com uma regulamentação fragmentada, limita bastante os processos de inovação. Quais são os principais desafios que o setor enfrenta no Brasil, na comparação com países em que o mercado está mais avançado? 
Embora o Brasil seja considerado a caixa d’água do mundo, por incrível que pareça nós temos problemas sérios de oferta de água em várias partes do país. Esperamos que com esse novo desenho regulatório conseguiremos colocar mais esforço de inovação na redução de perdas, um dos principais problemas estruturais do setor, por exemplo, e ter assim mais produto para ser distribuído à população. Existe ainda uma dificuldade latente dos gestores do setor de perceber como a nossa cadeia pode ser estendida. Falta um olhar mais atento às possibilidades para além da captação, tratamento e distribuição da água e do afastamento, coleta e tratamento de esgoto para devolução desse recurso com qualidade à natureza. E quem não se desafia a pensar diferente acaba se perdendo, ou se afastando, de um caminho concreto de inovação. 
Como essa extensão pode ser feita?
Na Iguá, estamos trabalhando em projetos capazes de agregar mais valor ao nosso negócio como geração de energia limpa, utilização do lodo gerado no tratamento de água, compostagem, produção de fósforo para agricultura, entre outros. Também estamos inovando ao otimizar o capital empregado para a construção de ativos, adotando soluções mais ágeis e modulares. Nós acreditamos que todo o processo de inovação parte do indivíduo. Aqui, não incentivamos o erro, mas nós convivemos bem e aprendemos muito com ele. Ninguém transforma nada se não errar.
Onde está o maior potencial de inovação do saneamento?
Nós podemos trazer muitos aprendizados de setores que estão alguns anos à nossa frente, como energia, telecomunicações e rodovias. Acredito que a maior inovação que pode haver no nosso setor é a convergência. O saneamento, por sua capacidade de investimento, pode ser o grande agregador de serviços e novas tecnologias em um contexto de smart cities:

O saneamento pode ser, então, um investidor primário capaz de atrair outros recursos para projetos maiores de infraestrutura e tecnologia?
De uma forma bem objetiva, é isso. Ele forma a base capaz de atrair investimentos em outros setores de serviço. Enquanto não houver uma regulação central, esse desafio será individual e em cada município terei uma conversa. Explorar essa oportunidade pode trazer enorme benefício social. Nossa visão é a de pensar o saneamento como transformação.
De que forma?
Nós estamos trazendo para o setor o conceito de customer experience. Nosso ponto de venda em Cuiabá será muito mais que um local de atendimento, será uma loja conceito semelhante às que algumas marcas têm em shoppings centers. A ideia é oferecer ao cliente um ambiente que proporcione uma nova experiência, com atendimento especial, interação e tecnologia. Um lugar que vai atender, encantar e até informar sobre o setor, em alguma medida. O fundamental é enxergar o cliente como nosso maior ativo. A estação de tratamento e a infraestrutura são o básico, mas é o cliente que vai levar a essa transformação do negócio.
Como mudar o mindset da companhia para a centralidade no cliente dentro de um mercado tão tradicional?
As melhores lideranças trazem o mesmo diferencial: a capacidade de falar as mesmas coisas em diferentes situações e de diferentes maneiras. O processo para identificar a cultura – que nós internamente chamamos de DNA Iguá – precisa ser simplificado. Fizemos recentemente uma pesquisa conduzida por uma consultoria renomada e se verificou que a Iguá, do ponto de vista de liderança aspiracional, está no primeiro quartil em nível mundial. Nós também fizemos uma pesquisa para medir o NPS [Net Promoter Score] dentro de alguns parâmetros internos de eficiência e tivemos um resultado altíssimo, superior a 80 pontos. Isso é bom, porque nós vimos que após três anos, temos uma massa crítica voltada para o mesmo horizonte. Mostra que você precisa constantemente voltar a comunicar as mesmas coisas e reforçar a sua cultura. 

Você precisa provocar nas pessoas esse sentimento de que elas devem trazer ideias novas sempre. A beleza desse processo é entender como uma boa ideia amadurece até trazer resultados. 

Acredito que não deve deixar que as pessoas tenham conforto. Não no ambiente físico de trabalho, mas no pensamento.
Como essas ideias podem agregar ao negócio da companhia?
Vou dar um exemplo: o Brasil tem uma enorme parcela de população não bancarizada. São centenas de bilhões de reais do PIB que não estão dentro do sistema financeiro. Mas a maioria dessa população tem acesso ao saneamento básico, então isso nos permite oferecer soluções financeiras para esse cliente. Existe muita gente já explorando esse novo mercado de serviços financeiros e open banking. A Iguá está enxergando essa possibilidade, porque acreditamos que podemos agregar muito na cadeia de valor. O serviço de saneamento é resiliente e de tíquete baixo, o que nos traz vantagens na competição, e tem ainda frequência e amplitude. O nosso potencial é grande. Mas para isso, precisamos de uma liderança forte e empatia com o cliente. É fundamental compreender a real necessidade dele.
Como a transformação digital pode fazer a diferença em uma empresa com o perfil da Iguá?
Por característica, nós atuamos no B2C, B2B, B2B2C… toda a cadeia de distribuição de uma maneira geral. O digital é a força motriz para que o cliente seja percebido. Parte fundamental do nosso customer experience passa pelo digital. O telefone celular tem muito poder. Há um potencial imenso no uso das redes sociais que ainda não vem sendo trabalhado adequadamente pelo setor de saneamento. E explorar o seu máximo só será possível quando eu conseguir entrar na casa do cliente e, da mesma forma que empresas de telecom fizeram, por exemplo, conseguir entender o comportamento dele em relação aos serviços que eu presto. No que diz respeito à eficiência, temos muito ainda para fazer na relação com os nossos fornecedores, assim como a transformação digital avançou pouco nos processos de engenharia. Tudo que foi possível trazer de referência do exterior, nós trouxemos para cá, mas ainda falta escala para que muitas dessas inovações possam avançar.
Diante da perspectiva de que a abertura do mercado de saneamento pode trazer investimentos superiores a R$ 30 bilhões na economia por ano, qual é a estratégia de crescimento da companhia?
Em primeiro lugar, nossos acionistas liderados pela IG4 Capital, entendem o setor e nos apoiam para que tenhamos papel de protagonistas na transformação do segmento. Isso é fundamental. Em segundo, a força do nosso capital humano. Na Iguá nós temos lideranças fortes que entendem seus papéis na condução do negócio e no engajamento das equipes. Dentro desse contexto de customer experience, smart cities, utilização de dados e ainda melhorias estruturais nós enxergamos três vertentes de crescimento importantes para o negócio, que começa pela nossa agenda interna de inovação e transformação. Além dela, temos os investimentos que surgirão a partir do novo marco legal do saneamento. Por último – e talvez mais relevante – a atuação em estados e municípios que se anteciparam à nova legislação e se apresentam como a primeira onda do capital privado que vai ser executado no saneamento no Brasil:  

Que desafios a indústria do saneamento enfrenta agora, nesse momento de renovação, para ser mais valorizada pela sociedade?
O saneamento precisa ser percebido em toda a sua abrangência, do ponto de vista ambiental, econômico e social, com efeitos diretos na saúde, na educação, na segurança pública, na valorização imobiliária e até no turismo. Regiões com mais oferta de água e esgoto sofrem menos com o problema da favelização e estão menos suscetíveis à ocorrência de doenças que podem levar a internações, afastamento da escola ou do trabalho e até mortes. Pesquisas recentes mostram que a qualidade na condição de vida na saúde tem efeito direto no aprendizado das crianças. É difícil fazer com que a sociedade entenda a extensão da cadeia de valor do saneamento. Eu me arrisco a dizer que ele talvez seja a única atividade econômica em que o processo de geração de valor começa e termina na natureza. O potencial de desenvolvimento a partir do saneamento nas regiões e municípios é imenso. E nós vamos atingir esse objetivo se governos e iniciativa privada trabalharem de mãos dadas.
 
Texto: Arnaldo Comin
Imagens: Reprodução

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