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Conversando se entende

Aprendizados, técnicas e práticas para transformar conflitos em possibilidades dentro e fora do mundo dos negócios 

Ideias centrais: 

1 – Na caminhada compartilhada, não basta estar atento ou em silêncio. Convém fazer (boas) perguntas. Questionar o porquê de uma escolha. Dizer que não entendeu. Confirmar se o que você compreendeu está de acordo com o que o outro procurou dizer. 

2 – Como é que as vacinas contra a Covid-19 ficaram prontas tão depressa, num belo feito histórico? Como um processo que normalmente demora até uma década foi completado em menos de um ano? Graças ao fato de que cientistas e organizações do mundo inteiro compartilharam informações, pesquisas e ideias. 

3 –A metodologia da Comunicação Não Violenta tem sido implementada no ambiente corporativo nos últimos anos com o fim de desenvolver uma cultura de parceria entre colaboradores e gestores de todas as áreas. É uma ferramenta de inclusão. 

4 – A mediação é um procedimento voluntário, imparcial e independente, no qual um terceiro, provido de técnicas específicas e sem poder de decisão, busca facilitar o diálogo entre as partes em conflito, permitindo uma solução satisfatória em conjunto. 

5 – Um BATNA (Melhor Alternativa para um Acordo Negociado) bem preparado requer que você responda a todas as perguntas pela ótica do outro negociador. Conhecer os interesses e a melhor alternativa para a outra parte permite avançar com segurança na negociação. 

Sobre as autoras: 

Carina Abud Alvarenga é advogada formada pela PUC-SP e pós-graduada em direito tributário. Mediadora de conflitos pelo Instituto Mediativa. É sócia da Burithi Transformando Conflitos desde 2018. Atuou em escritórios de advocacia de grande porte. 

Cinthya Soares Okawa é economista, advogada e pós-graduada em Direito Tributário pela PUC-SP. Tornou-se mediadora de conflitos pelo Instituto Mediativa. Certificada pelo Programa de Negociação (PON) de Harvard. 

Introdução 

Ter consciência dos nossos vieses e superar essa tendência de pré-julgar por meio da razão permite viabilizar bons encontros. Entender as relações que vivenciamos e a maneira como sentimos essa experiência é o antídoto capaz de nos guiar a um estado libertador, combatendo os efeitos aprisionantes do pré-julgamento e ainda da necessidade de estarmos sempre certos. 

É pensando nessa profusão de intervenções sensoriais e interativas que podemos (e devemos!) buscar explicações, alternativas e possibilidades de melhor convivência e prosperidade relacional, sempre tendo em vista as interações no universo profissional e no mundo corporativo. 

Em 2018, criamos a Burithi Transformando Conflitos, com o propósito de promover comunicação e diálogos positivos por meio de mediação, negociação, mentoria e workshops. A Buriti é uma consultoria que ajuda organizações de todo tipo a transformar conflitos em possibilidades. Entendemos que conflitos existem em qualquer lugar e para serem resolvidos exigem boas conversas. Sempre. Acreditamos na mediação por entendermos que as pessoas têm a capacidade de resolver conflitos por si mesmas. Ou seja, acreditamos que elas podem ser protagonistas na resolução de seus problemas. O curioso é que as partes, na maioria das vezes, chegam achando que sabem o que querem e o que precisam que seja feito (ou desfeito)  para que seu problema termine. A beleza, porém, está no fato de que, durante o processo de mediação, não raro se descobre que o que parecia tão certo pode sofrer mutações. Abre-se assim uma janela para negociação. 

A pergunta que fica é: será que sabemos nos comunicar? Sabemos nos fazer entender? Conseguimos entender o outro para construir algo em conjunto? 

Apresentaremos, também, os fundamentos da Comunicação Não Violenta. Se você não está familiarizado com esse método, talvez tenha uma visão equivocada da não violência. Em nossa abordagem, opiniões devem ser apresentadas de forma clara e incisiva. E, ainda assim, deliberadamente não violenta. Passiva? Ao contrário! O desafio é saber se comunicar levando em consideração o momento presente. Sem colocar carga emocional ou juízo de valor na conduta alheia. 

EMOÇÕES E SUAS CONSEQUÊNCIAS 

“Mesmo que nossas vidas pessoais e as emoções que as acompanham pudessem ficar guardadas com segurança em casa, isso não eliminaria os inúmeros gatilhos emocionais que enfrentamos no trabalho”, escrevem os autores de Emotions in the workplace, um e-book da consultoria americana Quantum Workplace. Eis alguns exemplos de emoções: 

  • Alegria, depois de rir da piada de um colega; 
  • Decepção, pela rejeição em uma ligação de vendas; 
  • Frustração, por lidar com um colega ou cliente difícil; 
  • Tédio, durante uma reunião de equipe semanal; 
  • Excitação, por alcançar um grande objetivo. 

Essas organizações também compreendem que trabalho e vidas pessoais são difíceis de separar e, sendo assim, encorajam seus funcionários a fazer o que for necessário para maximizar seu bem-estar físico e emocional. Já numa cultura insalubre, a expressão de emoções pode ser desencorajada. “Pode haver muita fofoca, porque os funcionários sentem que não podem ter conversas honestas e diretas entre si”, observam os pesquisadores da Quantum. 

Na iminência de um bate-boca, podemos provocar: “Ah, agora você se aborreceu? Me poupe. Se alguém aqui devia se aborrecer, esse alguém sou eu”. Ou podemos reconhecer o mal-estar de ambos: “Ok, você está zangado, e eu estou desapontado. O que houve aqui? O que está acontecendo com você? Entendi, mas deixe-me contar o que está acontecendo comigo”. Reconhecer significa que você escutou o outro lado, sem aprovar ou desaprovar nada. Se a outra parte sentir que você de fato está tentando entendê-la, isso, por si só, ajudará a colocar o conflito numa direção positiva. 

Diversidade étnica e de gêneros nos grupos que criam e usam máquinas inteligentes são fundamentais se queremos ser capazes de desenvolver uma IA justa e imparcial. As empresas também precisarão estar atentas para não perpetuar preconceitos históricos e treinar algoritmos de IA emocional – que precisarão ser capazes de compreender contextos. Pense em sorrisos, por exemplo. Um estudo mostrou que dos 19 diferentes tipos de sorriso, apenas seis acontecem quando as pessoas estão se divertindo. Também sorrimos quando estamos com dor, envergonhados e desconfortáveis – distinções que só podem ser traçadas com o contexto. 

Não é como no universo de Jornada nas Estrelas, onde alguns personagens podem fundir suas mentes, compartilhando inteiramente pensamentos e sentimentos. Como humanos, não temos alternativa a não ser enviar e receber mensagens através de nossas próprias lentes subjetivas. Felizmente, porém, existem práticas simples que podem nos ajudar a navegar por nossas interações diárias com uma melhor comunicação. Primeira: reconheça que escuta passiva e escuta ativa não são a mesma coisa. Envolva-se ativamente com o feedback verbal e não verbal dos outros e ajuste sua mensagem para facilitar um melhor entendimento. Segunda: escute com seus olhos e ouvidos, bem como com suas entranhas. Lembre-se de que comunicação é mais do que só palavras. Terceira: tire um tempo para entender enquanto você tenta ser compreendido. “Na pressa de nos expressarmos, é fácil esquecer que a comunicação é uma via de mão dupla”, nota Katherine Hampsten. 

O processo de comunicação envolve emissor, receptor, mensagem e… mal-entendidos. Há discrepâncias entre o que quero falar e o que falo. Entre o que falo, o que o outro ouve e o que entende. É importante, portanto, conhecer os obstáculos no caminho de nossas mensagens. 

Imagine uma pessoa que nunca fez aulas de tênis e vai ter sua primeira experiência. O professor, logo nos primeiros minutos, transmite um grande volume de informações. Em dado momento, orienta: “bata mais aberto na bola”. O que é “aberto”? Um movimento com a mão? Com o braço? Mais para um lado? Ou para o outro? Para o professor, é óbvio o que está dizendo. Para o aluno, pode não fazer sentido, mas, não raro, ele finge que entende para não perguntar algo que parece ser tão evidente – e continua a bater errado na bola. Não houve comunicação. 

Se o assunto for interessante, ou seja, tiver a ver com nossos valores, princípios, costumes e curiosidades, estaremos mais atentos do que se consideramos o tema tedioso. Isso vale não apenas para quando recebemos um e-mail  ou uma mensagem via WhatsApp. Nesse caso, é ainda pior. Podemos esquecer de enviar uma resposta, ainda que superficial, o que tende a gerar ainda mais problemas na comunicação. 

É difícil escutar com atenção, sem julgar e, ainda mais complicado, buscar entender a história do ponto de vista do nosso interlocutor. A neurociência nos ensina que apenas 50% de todas as mensagens que passam por nosso campo auditivo são ouvidas. Só 25% são entendidas. Somente 12,5% são aceitas. Míseras 6,25% são ouvidas, entendidas, aceitas e lembradas. Ou seja, fisiologicamente, você não consegue escutar tudo, muito menos prestar atenção em tudo. 

Isso é um fato. Isso é relevante. Mas há outros fatores, de cunho emocional. Há uma diferença primordial entre aquilo que se quer escutar e aquilo que não fazemos questão de ouvir. 

Por tudo isso, a nossa proposta aqui vai além de desenvolver a escuta ativa. Ela, sem dúvida, é fundamental, mas não como um fim em si mesmo, e sim como um meio para, de fato, estar presente. O que nos leva à pergunta-chave: o que, afinal, significa estar presente? 

Estar presente não é apenas estar fisicamente ao lado de alguém, escutando o que está dizendo. Também não é só fazer silêncio para escutar o outro. É escutar com atenção e interagir. É como se estivéssemos fazendo uma caminhada. Atentos para não ficar para trás daquele que caminha conosco. 

Nessa caminhada compartilhada, não basta estar atento e em silêncio. Convém fazer (boas) perguntas. Questionar o porquê de uma escolha. Dizer que não entendeu. Confirmar se o que você compreendeu está de acordo com o que o outro procurou dizer. 

Vivemos em um mundo globalizado. Nos comunicamos e trabalhamos em equipe com pessoas de diversos locais do mundo, que falam diferentes línguas, têm culturas distintas das nossas e rotinas diferentes. Na maior parte das vezes, nos comunicamos com essas pessoas de forma virtual. Assim, é fácil, dentro da nossa realidade, deixar escapar elementos que são essenciais na comunicação. É compreensível que isso aconteça e até mesmo previsível. E por ser previsível é que temos de exercitar a nossa forma de transmitir e receber mensagens.  Precisamos estar atentos à compreensão que o outro teve de nossa mensagem e nos certificar de que entendemos o que ele está nos passando, sem misturar com nossas crenças e nossas opiniões. 

Se não conhecemos o perfil do nosso cliente, corremos o risco de não entregar o resultado que ele espera de nós. Se o líder não compartilha todas as informações de um projeto com o time, corre o risco de receber um trabalho que ficará longe do que imaginava. Se a empresa não escuta os colaboradores, corre o risco de instituir políticas que lhes desagradarão. Se a companhia toma decisões sem analisar demonstrações financeiras, corre o risco de falir. 

Quem tem informação, de fato, tem poder. Questionar, pedir esclarecimentos, ser curioso, buscar conhecimento, tudo isso nos dará segurança para tomarmos nossas decisões. 

Existem na comunicação alguns passos a serem dados para que a mensagem seja bem compreendida. Do contrário, posso, eventualmente, transmitir uma informação (conjunto de dados) para o receptor sem lhe passar as instruções necessárias para interpretá-las. Se digo, por exemplo, “você precisa resolver esse problema, é um assunto muito importante para a empresa”, estou dando uma ordem, mas não estou oferecendo instruções precisas sobre como cumpri-la. 

Um dos conflitos empresariais mais marcantes da última década no Brasil foi o que opôs Abílio Diniz, na época à frente do Pão de Açúcar, e Jean-Charles Naouri, do grupo francês Casino. Depois de intermináveis meses de impasse e destruição de valor pela tensão que envolvia ambos os empresários, as negociações só deslancharam após a contratação do antropólogo William Ury, coautor do clássico Como chegar ao sim, que auxiliou Abílio a enxergar o que era realmente importante e assim conseguir seguir na negociação, lidando com a complexidade do momento. 

Sabemos que um dia de trabalho é composto por dezenas de negociações, sejam as mais simples, como definir um horário de almoço que atenda os envolvidos na operação, ou aquelas um pouco mais complexas, como a compra de insumos, da qual depende o negócio. 

Pense na pandemia. Como é que as vacinas contra a Covid-19 ficaram prontas tão depressa, num feito histórico, sem precedentes? Como um processo que normalmente demora até uma década foi completado em menos de um ano? Graças ao fato de que cientistas e diferentes organizações espalhadas pelo mundo compartilharam informações, pesquisas e ideias. 

Um estudo de 2015 com 2,5 milhões de equipes lideradas por gerentes em 195 países descobriu que o desenvolvimento da força de trabalho melhorou quando os supervisores tinham uma forma de comunicação diária com subordinados diretos. Era o Projeto Aristóteles, uma homenagem à citação do filósofo grego “o todo é maior do que a soma de suas partes” (já que os pesquisadores do Google acreditavam que os funcionários trabalham melhor juntos do que sozinhos),  cujo objetivo era responder à pergunta: “O que torna uma equipe no Google?” 

Para trabalhar com mediação, que é uma metodologia utilizada para a resolução de conflitos, este é um ponto crucial. Quando as partes decidem experimentar um caminho alternativo e se abrir para o diálogo, por mais que aquilo que um dos lados esteja dizendo seja verdade, é possível flexibilizar o entendimento da história, viabilizando que negociações aconteçam mesmo no campo de direitos e deveres. Ou seja, pode-se ir além dos termos de um contrato, como entre locador e locatário. 

Nossa resposta é que, se o indivíduo está disposto a transigir sobre aquele tema – uma vez que está lá para buscar alternativas e chegar a um acordo –, às vezes o que está no papel, uma prova, não necessariamente garante um direito naquela conversa específica. Se estiver aberta a se dedicar ao processo, é provável que depois de algum tempo essa pessoa enxergue outras verdades. Não só aquela escrita no documento. 

Uma das técnicas ou ferramentas mais poderosas para melhorar a qualidade dos diálogos é a Comunicação Não Violenta (CNV). O conceito surgiu em meados dos anos 1960, no auge do movimento a favor dos direitos civis e contra a segregação racial nos Estados Unidos – um momento comparável ao que vivemos globalmente desde o assassinato de George Floyd, cidadão negro americano asfixiado por um policial branco em Minneapolis em maio de 2020. 

A comunicação não violenta é uma comunicação pacífica, mas não é uma comunicação passiva. Muito pelo contrário. Eu estou me comunicando, numa posição ativa, para me posicionar. Mas não estou sendo agressiva. Muitas vezes, comunicação não violenta é saber falar um “não” com classe. Sem magoar, sem desrespeitar. Outras vezes, é resistir sem revidar. 

O que é um pedido claro? É formular um desejo envolvendo todos os passos pelos quais passamos. O relato da sua observação, do seu sentimento e da sua necessidade não atendida. 

Um pedido fora de contexto e sem a necessidade expressa, sem um sentimento envolvido, é uma exigência, uma cobrança ou uma imposição. E quando cobramos ou impomos a escuta do outro fica prejudicada. E qual o objetivo desse fundamentado nesses quatro passos? É criar uma oportunidade para o diálogo e a construção de uma ação conjunta futura. 

A metodologia da Comunicação Não Violenta tem sido implementada no ambiente corporativo ao longo dos últimos anos com o intuito de desenvolver e sedimentar uma cultura de parceria entre colaboradores e gestores de todas as áreas. É uma ferramenta de inclusão. 

Devemos lembrar sempre que o fato de tentar entender a lógica do outro não nos coloca em posição de concordância incondicional, mas representa uma atitude de conceder valor ao que está sendo exposto, honrando a subjetividade envolvida nas narrativas de outrem. Como escreveram Dora Fried Schnitman e Stephen Littlejohn, autores de Novos paradigmas em mediação, “se você elogiar as minhas intenções, mas achar meus argumentos errados, nossa conversa prosseguirá de maneira muito mais produtiva do que se você simplesmente condenar toda minha expressão”. 

Quando um funcionário ou colega de trabalho chega atrasado a uma reunião agendada há dois dias, não pensamos “ele teve de parar para ajudar alguém”. Provavelmente dizemos mentalmente “ele não tem consideração pelas regras e não valoriza o meu tempo”. Quando não estamos confortáveis com o comportamento de alguém, tendemos a deduzir sempre o pior. As intenções importam, e é perigoso para os relacionamentos e para os negócios deduzi-las erroneamente. 

MEDIAÇÃO: A SERVIÇO DA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 

Conforme verificamos até o momento, e por mais que nos esforcemos em estabelecer uma boa comunicação, conflitos sempre existirão e podem ser bastante produtivos, funcionando por vezes como motores de inovação. Dentre as inúmeras formas de resolvê-los, existe uma – a nossa preferida – chamada Mediação de Conflitos, que tem suas origens em diferentes culturas, ideias e valores, em um passado que antecede o surgimento da escrita. 

Na seara acadêmica internacional, nota-se uma forte propagação do tema quando um grupo de professores e estudiosos de diferentes escolas da Universidade de Harvard se une para fundar o Programa de Negociação de Harvard, também conhecido como PON. Dentre esses acadêmicos, estavam os prestigiados mestres Frank Sander, Roger Fisher, William Ury e Lawrence Susskind, que estudavam a teoria da mediação com enfoque na negociação criativa, idealizando o conceito de “ganha-ganha”, em contrapartida ao “ganha-perde”. 

Mas, afinal, o que é mediação de conflitos? 

A mediação é um procedimento voluntário, confidencial, imparcial e independente, no qual um terceiro, provido de técnicas específicas e sem poder de decisão, busca facilitar o diálogo entre as partes em conflito, a fim de que compreendam a perspectiva uma da outra, permitindo a construção de uma solução satisfatória em conjunto. A mediação tem como objetivo resolver ou prevenir conflitos ou controvérsias por meio do diálogo entre as partes com a colaboração de um mediador. 

Além do treinamento, o mediador conta como distanciamento. Não é a história dele ou dela que está sendo contada. Não é seu interesse que está em jogo. Logo, ele ou ela consegue exercer o papel de organizar melhor a discussão, uma vez que não é parte daquelas narrativas. 

Quem nunca participou de uma mediação tende a imaginar que, para as partes chegarem a um acordo – já que têm uma desavença qualquer –, cada lado terá de ceder um pouco, para que possam se entender e construir juntos uma solução adequada para ambos. “Se não cedi, não evoluí”, pensamos. “Se eu não soube fazer uma troca, não saí do lugar”. Mas não é exatamente assim que os processos se desenrolam. Não se trata de ceder. Trata-se de construir. 

História de um professor de MBA que foi mediar o conflito na Colômbia entre o Chiquita Brands International e produtores de bananas. Na conversa iniciada, o professor se deu conta de que aqueles camponeses precisavam cobrar muito caro pelas bananas porque os remédios e os alimentos que chegavam de fora também custavam muito caro. Por quê? Porque eles estavam no meio do nada, e o transporte era muito custoso. Os compradores de banana, por sua vez, chegavam com os caminhões vazios. Ao fim da negociação, ficou combinado que a empresa pagaria menos pelo produto porque passaria a levar remédios e alimentos nos veículos usados para o frete. Ninguém cedeu, na verdade. O que se encontrou foi um interesse oculto de uma das partes. 

A expressão “ferramentas da mediação” – originalmente formulada por Tânia Almeida, diretora do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – tornou-se a metáfora preferida por nós mediadores para designar as técnicas que utilizamos no processo de facilitação de diálogos entre partes em conflito e na construção de soluções em conjunto. É inevitável pensar numa caixa com alicates, chaves de fenda, martelos, e, a rigor, tal imagem ilustra bem a forma de trabalho do mediador. 

Algumas das técnicas mais utilizadas na mediação são: 

  • Escuta ativa/inclusiva; 
  • Realização de perguntas; 
  • Elaboração de resumos; 
  • Utilização de paráfrases. 

Há um desafio adicional para ser inclusivo; escutar também o que não está sendo dito. Como ensina William Ury, um dos grandes mestres da negociação, escutar o que não está sendo dito é escutar o que está por trás de cada palavra. Ou seja, emoções, sentimentos, necessidades. 

A próxima ferramenta é a arte de fazer perguntas, uma forma de exercitar a curiosidade. Para que a conversa fique mais completa e contemple todos os pontos de vista. É uma habilidade que ajuda o mediador (e pode nos ajudar no dia a dia) a explorar melhor o campo da narrativa. 

Uma terceira ferramenta muito usada na mediação é a elaboração de resumos. Quando o mediador interrompe a conversa para fazer uma síntese, a ideia é checar se estamos entendendo o objetivo do relato em curso. Ao resumir uma história, o mediador compartilha a sua compreensão daquela narrativa. 

A última ferramenta de que vamos tratar é a técnica de parafrasear. Ou seja, repetir o que foi falado, com as nossas palavras, mas sem alterar o sentido original. Quando parafraseamos, não mudamos (nem poderíamos mudar) o conteúdo original do que foi dito. É exatamente a mesma coisa que foi dita, mas de outro jeito. 

O ser humano é um animal social incapaz de viver sozinho, tendo como característica a necessidade de relacionar-se. Esta é uma das premissas de Aristóteles, um dos mais importantes pilares da filosofia e da cultura ocidentais. O pensador grego define o homem como um animal que necessita de coisas e de outras pessoas, um ser carente e imperfeito que precisa de ajuda para atingir sua plenitude. 

O psicólogo Abraham Maslow, nos anos 1950, desenvolveu a chamada Pirâmide de Maslow para que um indivíduo alcance a satisfação, pessoal e/ou profissional. O propósito da pirâmide de Maslow é demonstrar a hierarquia dessas necessidades, das mais simples às mais elaboradas. 

A pirâmide representa cinco estágios de necessidades, de baixo para cima: 

  • Fisiológicas: descanso físico, salário suficiente para subsistência, alimentação, pausas. 
  • De segurança; estabilidade, conforto, autopreservação. 
  • Sociais: relações amorosas, familiares, entre amigos e colegas de trabalho. 
  • Estima: autoestima, confiança, reconhecimento, respeito dos outros. 
  • De autorrealização: conquistas pessoais, superação, autonomia. 

A pirâmide nos serve aqui para ilustrar as diversas motivações de um indivíduo – passo importante no gerenciamento positivo de conflitos. 

Agindo como mediador, o gestor estará : 1) promovendo a responsabilização das pessoas, para que encontrem por si mesmas uma forma de resolver os problemas entre elas; 2) criando uma cultura de soluções de longo prazo e fomentando um clima de confiança, uma vez que a chance de os compromissos serem honrados torna-se muito maior quando eles são assumidos de comum acordo e não pela imposição de terceiros. 

Na condição de psicoterapeuta belga, Esther Perel, vem trabalhando com pessoas do mundo inteiro nas últimas três décadas e meia. Um de seus aprendizados é de que a qualidade dos nossos relacionamentos é que determina a qualidade de nossas vidas. E é igualmente verdade que a qualidade dos nossos relacionamentos do nosso trabalho é que determina a qualidade do nosso trabalho e a nossa capacidade de ter sucesso. 

DESAVENÇAS EM FAMÍLIAS EMPRESÁRIAS 

Pouca gente sabe, mas, segundo o Sebrae, empresas familiares representam aproximadamente 80% da economia brasileira, a qual está classificada como uma das 12 maiores do planeta. É um volume gigantesco de negócios, que absorvem 75% da força de trabalho do nosso país e respondem por até 65% do nosso PIB. Desse universo de empresas, 70% ainda têm sua administração nas mãos do fundador. Só 5% delas já estão na terceira geração. 

Se um pai percebe que tem filhos que não se entendem, é importante cuidar desse relacionamento – independentemente do que cada um deles um dia poderá vir a fazer dentro da empresa. Basta o fato de que são herdeiros e, no futuro, terão de tomar decisões em conjunto. Se o relacionamento deles não for tratado desde cedo, eles vão chegar à hora da verdade sem condições de sentar-se para conversar, e a empresa ficará à mercê dessa desavença. Como enfrentar um concorrente que não enfrenta esse tipo de questão no dia a dia e, por isso, toma decisões mais rapidamente? 

Uma dificuldade comum nas empresas familiares é a falta de um planejamento sucessório adequado. A escolha do próximo líder da família, seja o CEO, seja o presidente do conselho, traz desafios emocionais, de negócios e de governança. “Atrasar ou planejar mal uma transição para a próxima geração pode causar estragos na família e na empresa. Você precisa de um plano de continuidade”, esclarecem Josh Baron e Rob Lachenauer em artigo para a Harvard Business Review. Segundo os especialistas, a transição é um processo, não um evento – e quanto mais o plano de continuidade se assemelha a uma conversa em vez de ultimato, maiores as chances de sucesso. 

Existem várias técnicas de negociação, mas neste livro vamos nos concentrar no Método de Harvard. Para mergulhar nessa metodologia, precisamos antes de mais nada, deixar de lado justamente a ideia de que uma negociação terá sempre um vencedor e um perdedor. Harvard nos ensina a negociar com base em princípios. O método consiste em analisar os assuntos que são objeto de negociação, levando-se em conta os méritos, buscando suavizar as posições das partes envolvidas e propondo opções de ganhos mútuos (win-win – ganha-ganha). 

Qualquer que seja o cenário, um dos segredos da mediação/negociação é separar as pessoas do problema: olhar juntos para uma mesma situação, não a partir de pontos de vista pessoais, mas buscando a melhor solução possível para o que está em jogo. Quando adota esta perspectiva, você sai de uma situação de oposição e entra em modo de colaboração. 

Os conflitos surgem quando as estratégias escolhidas para satisfazer as nossas necessidades e os nossos interesses se opõem às estratégias alheias. Por isso, soluções bem-sucedidas, potencialmente duradouras, não são as que satisfazem todas as necessidades de uma parte, mas aquelas capazes de satisfazer, em certo grau, as necessidades de todos os envolvidos. 

Soluções eficazes surgem quando examinamos as necessidades de todos os lados. Para encontrá-las, é preciso ouvir o que ainda não ouvimos, e não somente aquilo que já sabemos. 

Cuidado, portanto, ao tentar adivinhar e nomear necessidades alheias. A melhor opção é a curiosidade, e as melhores ferramentas são perguntas, como as sugeridas por Caspersen: 

  • Como você compreende esta situação? 
  • O que é mais importante para você nesta situação? 
  • Por que isso é importante? 
  • Qual seria um bom desfecho? 
  • Quais são os obstáculos para chegar a esse desfecho? 
  • O que você gostaria de ver acontecer agora? 
  • Por que isso importa para você? 

Gostamos de explicar a importância da preparação na negociação fazendo uma analogia com o mise en place praticado na gastronomia, que nada mais é do que um ritual praticado pelos cozinheiros antes de iniciar a execução de um prato. Ele inclui: ler a receita, separar todos os utensílios que serão necessários, organizar e posicionar os ingredientes. Já imaginou se, ao preparar um bolo, enquanto bate a massa, você se dá conta de que não tem ovos? Ou que a batedeira não funciona direito? A falta de um ingrediente pode alterar o resultado da receita. 

Mas, afinal, como me preparo para uma negociação? 

– O que busco alcançar com essa negociação? 

– Qual seria o melhor resultado possível? 

– Que resultado não seria aceitável e por quê? 

– Quais são os meus argumentos para defender o meu interesse? 

– Eu sei como e o que posso flexibilizar na negociação? 

– Qual o meu BATNA? 

BATNA, a sigla em inglês para Melhor Alternativa para um Acordo Negociado, é a resposta ao seguinte questionamento: caso o acordo ideal não seja possível, de que outra forma posso me satisfazer, inteira ou parcialmente, ao fim da negociação? 

Simplificando ainda mais? Qual seria o meu “Plano B”? 

Um BATNA bem preparado requer que você responda a todas as perguntas também pela ótica do outro negociador. Conhecer os interesses, as necessidades e a melhor alternativa para um acordo na visão da outra parte permite avançar com mais segurança na negociação. 

Muitas são as atitudes que contribuem para a construção da confiança, mesmo em uma mesa de negociação aparentemente adversarial. Uma delas, fundamental, é estarmos abertos à possibilidade de errar, reconhecer os erros, identificar aprendizados e possibilidades que se abrem no decorrer da negociação. Se você admite que nunca está errado, não reconhece os enganos, nem pede desculpas, seus interlocutores não se sentem confortáveis em discordar ou compartilhar os seus próprios pensamentos. 

O objetivo de uma negociação é construir acordos e, tão ou mais importante, confiança entre as partes. Na Burithi, entendemos a confiança como uma força elementar, capaz de sedimentar relações e transmissora de segurança e pertencimento. No início de toda negociação, entretanto, é preciso oferecer um voto de confiança. “Suba o primeiro degrau com fé”, ensinou Martin Luther King. “Não é preciso que você veja toda a escada. Apenas dê o primeiro passo.” 

Resenha: Rogério H. Jönck 

Fotos: Afif Kusuma, LinkedIn Sales Solutions, Tim Gouw, Icons8 Team / Unsplash

Ficha técnica: 

Título: Conversando se entende – Aprendizados, técnicas e práticas para transformar conflitos em possibilidades 

Autoras: Carina Abud Alvarenga e Cinthya Soares Okawa 

Primeira edição: Arquipélago – Negócios 

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