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Boa economia para tempos difíceis 

Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2019, discutem alternativas para a geração de emprego e renda e a redução da desigualdade em um mundo cada vez mais automatizado  

Ideias centrais: 

1 – Desde 2004, o crescimento da PTF (Produtividade Total dos Fatores) e do PIB, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, parece ter voltado aos desafortunados dias de 1973-94. Nos EUA, o crescimento do PIB ganhou velocidade em meados de 2018, mas o crescimento da PTF continua lento. 

2 – A relação entre renda e emissão de carbono existe. Ambas as partes correm em paralelo, muito de perto. A estimativa média sugere que quando a renda aumenta em 10%, as emissões de CO2 aumentam em 9%. 

3 – O acréscimo de um robô numa commuting zone elimina o emprego de 6,2 trabalhadores e deprime os salários. Os efeitos sobre o desemprego são pronunciados na manufatura, e especialmente fortes entre os trabalhadores sem educação superior. 

4 – Diante da RBU (Renda Básica Universal), programa social que oferece vantagens e desvantagens, estudam-se outras possibilidades. Cuidar de idosos, educar, cuidar de crianças são tarefas que o Estado poderia estabelecer aos desempregados pela automação. Os robôs não são capazes de substituir o toque humano. 

5 – O chamado à ação não se limita a economistas acadêmicos – destina-se a todos nós que ansiamos por um mundo melhor, mais sensato e humano. A economia é importante demais para ficar por conta dos economistas. 

Sobre os autores: 

Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo são professores de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e cofundadores do Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel (J-Pal). Ambos ganharam, ao lado de Michael Kremer, o Prêmio Nobel de Economia, em 2019. 

Prefácio 

Acabamos decidindo dar um mergulho [no universo econômico], em parte porque ficamos cansados de assistir de longe enquanto o diálogo público sobre questões econômicas centrais – imigração, comércio, crescimento, desigualdade ou meio ambiente – se torna cada vez mais desordenado. Mas também porque, à medida que refletíamos, fomos percebendo que os problemas enfrentados pelos países ricos eram de fato sinistramente semelhantes àqueles que costumamos estudar no mundo em desenvolvimento – pessoas preteridas pelo desenvolvimento, desigualdade galopante, descrença no governo, sociedades e Estados politicamente fragmentados e assim por diante. Aprendemos muito no processo que reforçou nossa fé no que nós, como economistas, aprendemos a fazer de melhor: ser realistas quanto aos fatos, céticos diante de respostas prontas e fórmulas mágicas, modestos e honestos com relação àquilo que sabemos e compreendemos, e, talvez o mais importante, dispostos a experimentar ideias e soluções e constatar que estamos errados, contanto que isso nos leve ao objetivo final de construir um mundo mais humano.

Capítulo 1. Tornar a economia grande novamente 

Uma das tarefas do Fundo Monetário Internacional (FMI) é prever a taxa de crescimento da economia mundial no futuro próximo. Sem muito sucesso, convém acrescentar, por mais competente que seja a sua numerosa equipe de economistas de excelente formação. A revista The Economist calculou certa vez até que ponto as previsões do FMI se afastaram da média real no período de 2000 a 2014. Dois anos depois da previsão (digamos, a taxa de crescimento em 2014 prevista em 2012), o erro médio nas previsões foi de 2,8%. Esse resultado é um pouco melhor do que a escolha ao acaso de números entre 2% e 10% todos os anos, mas tão ruim quanto assumir uma taxa de crescimento constante de 4%. Receamos que esse tipo de coisa contribua substancialmente para o ceticismo geral em relação aos economistas. 

Quem quer que tenha assistido à série cômica The Big Bang Theory sabe que os físicos menosprezam os engenheiros. Os físicos desenvolvem raciocínios profundos, enquanto os engenheiros mexem com os materiais e tentam dar forma às ideias complexas dos físicos, ou pelo menos é assim que a série apresenta a realidade. Se algum dia houvesse uma série de TV que zombasse dos economistas, acho que ficaríamos vários degraus abaixo dos engenheiros, ou pelo menos do tipo de engenheiros que constroem foguetes. Ao contrário dos engenheiros (ou pelo menos os de The Big Bang Theory), não contamos com um físico que defina exatamente o necessário para que um foguete escape da força da gravidade da Terra. Os economistas são mais como encanadores, resolvemos problemas com uma combinação de intuição baseada em ciência, alguma adivinhação ajudada pela experiência e uma alta dose de tentativa e erro. 

Capítulo 2. Fugindo da boca do tubarão 

Uma tentativa inteligente de lidar com algumas dessas questões [sobre imigração] é o estudo de David Card sobre o êxodo de Mariel. Entre abril e setembro de 1980, 125 mil cubanos, a maioria com pouca ou nenhuma instrução, chegaram a Miami depois que Fidel Castro, inopinadamente, fez um discurso autorizando-os a emigrar, se assim desejassem. A reação foi imediata. O discurso ocorreu em 20 de abril e, ao final do mês, muita gente já estava partindo. Muitos dos retirantes ficaram para sempre em Miami. A força de trabalho na cidade americana aumentou em 7%. 

O que aconteceu com os salários? Para descobrir isso, Card adotou o método que veio a ser denominado “diferença em diferença”. Ele comparou a evolução dos salários e da taxa de emprego dos trabalhadores preestabelecidos em Miami, antes e depois da chegada dos migrantes, ao ocorrido com as mesmas variáveis para os residentes de quatro outras cidades “semelhantes” dos Estados Unidos (Atlanta, Houston, Los Angeles e Tampa). A ideia era averiguar se o crescimento dos níveis de salário e de emprego de todos os já residentes em Miami quando da chegada dos marielitos fora inferior ao crescimento dos níveis de salário e emprego entre os residentes comparáveis nessas quatro outras cidades. 

Card não encontrou diferenças nem imediatamente após a chegada dos imigrantes, nem alguns anos depois: os salários dos nativos não foram afetados pela chegada dos marielitos. A situação se manteve mesmo quando ele analisou especificamente os salários dos imigrantes cubanos que haviam chegado antes do êxodo de Mariel, que tendiam a ser os mais parecidos com os da onda migratória e, portanto, os mais propensos a serem afetados negativamente pelo novo influxo de imigrantes. 

Esse estudo foi um passo importante para oferecer uma resposta convincente à questão do impacto das migrações. O estudo de Card foi muito influente, tanto pela abordagem quanto pela conclusão. Foi o primeiro a mostrar que o modelo de oferta e demanda convencional talvez não se aplicasse diretamente à imigração. 

Capítulo 3. O ônus do comércio internacional 

Era uma vez um sonho, de J. D. Vance, é um lamento em nome do povo americano deixado para trás, embora, ao lê-lo, perceba-se a ambivalência profunda do autor sobre até que ponto culpar as vítimas. Parte do esvaziamento econômico das áreas dos Apalaches onde o livro é ambientado ocorreu em consequência do comércio com a China. O fato de as pessoas pobres serem as mais atingidas é o que se espera a partir do teorema Stolper-Samuelson: nos países ricos, quem sofre são os trabalhadores pobres. O que surpreende é a intensidade da concentração geográfica desse sofrimento. As pessoas deixadas para trás vivem em lugares deixados para trás. 

A abordagem adotada por Petia Topalova, ao examinar o impacto da liberalização do comércio internacional em distritos da Índia, foi replicada nos Estados Unidos por David Autor, David Dorn e Gordon Hanson. As exportações da China são extremamente concentradas na manufatura, e, dentro desse setor, em classes específicas de produtos. No setor de vestuário, por exemplo, as vendas de certos produtos nos Estados Unidos, como calçados femininos não esportivos e capas impermeáveis, são completamente dominadas pela China; no caso de outros produtos, porém, como tecidos revestidos, quase nada vem desse país asiático. 

Entre 1991 e 2013, os Estados Unidos foram atingidos pelo “choque” chinês. A participação da China nas exportações mundiais de manufaturados passou de 2,3%, em 1991, para 18,8% em 2013. Quem perdeu o emprego apertou o cinto, reduzindo ainda mais a atividade econômica na área. O emprego no setor não manufatureiro nas zonas afetadas não conseguiu compensar. Foi um período de estagnação geral nos níveis salariais, sobretudo para trabalhadores de baixa remuneração. 

Capítulo 4. Preferências, desejos e necessidades 

E, no entanto, a sociedade sempre contesta as escolhas das pessoas, sobretudo quando são pobres, supostamente em benefício delas, por exemplo quando lhes damos comida ou vales-alimentação em vez de dinheiro. Justificamos essa atitude com base na suposição de que sabemos melhor aquilo de que elas de fato precisam. Para combater parcialmente essa atitude – apenas parcialmente, porque não negamos que ocorram muitos erros de julgamento no mundo –, tivemos algum cuidado em argumentar, em nosso livro Poor Economics [A economia dos pobres], que as escolhas dos pobres muitas vezes fazem mais sentido do que gostaríamos de reconhecer. Contamos, por exemplo, a história de um homem no Marrocos. Depois de argumentar, de maneira convincente, que ele e a família realmente não tinham o que comer, ele nos mostrou a sua enorme televisão com parabólica. Poderíamos ter suspeitado que o televisor fora uma compra por impulso, da qual ele depois se arrependera. Mas ele disse: “A televisão é mais importante do que a comida”. Nós o questionamos. No entanto, chegamos a entender o motivo por trás da preferência. Não havia muito o que fazer na aldeia, e como ele não pensava em emigrar, uma nutrição melhor não lhe renderia muito mais do que um estômago mais cheio. O que o televisor lhe oferecia era o alívio para o problema do tédio, endêmico nessas aldeias remotas onde não havia nem sequer uma barraquinha de chá para quebrar a monotonia.  

Capítulo 5. O fim do crescimento 

Em 1973, porém, ou por volta disso, tudo cessou [tendência de crescimento]. Nos 25 anos seguintes a PTF (Produtividade Total dos Fatores) cresceu em média a apenas um terço da taxa alcançada entre 1920 e 1970.  O que havia começado como uma crise econômica, com um início bem delimitado e até com potências estrangeiras a serem responsabilizadas, converteu-se no novo normal. De início, a persistência da desaceleração não foi imediatamente aparente. Nascidos e criados durante a era de ouro do crescimento econômico, acadêmicos e formuladores de políticas acreditaram, a princípio, que aquilo não passava de um soluço temporário, a ser superado em breve. Quando ficou claro que o crescimento lento era mais que um ponto fora da curva, restava a esperança de que uma nova Revolução Industrial, deflagrada pelo poder da computação, estivesse logo ali virando a esquina. O poder da computação aumentava num ritmo cada vez maior, e os computadores se espalhavam por toda parte, como acontecera com a eletricidade e o motor de combustão interna. Isso sem dúvida precipitaria uma nova era de crescimento da produtividade que impulsionaria a economia. E, de fato, finalmente aconteceu. A partir de 1995, vimos alguns anos de alto crescimento da PTF (embora ainda muito aquém do ocorrido nos Trinta Gloriosos do pós-guerra). Mas passou rápido. Desde 2004, o crescimento da PTF e do PIB, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, parece ter voltado aos desafortunados dias de 1971-94. Nos Estados Unidos, o crescimento do PIB de fato ganhou velocidade em meados de 2018, mas o crescimento da PTF continua lento. 

Capítulo 6. Em água quente 

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), em relatório de 2018, detalha o que teria de ser feito para cortar as emissões e limitar o aquecimento a 1,5ºC. Algumas iniciativas já poderiam estar em andamento; adotar carros elétricos, construir edifícios livres de emissão de carbono, ampliar a rede ferroviária; tudo isso ajudaria. A conclusão, porém, é que mesmo com os avanços tecnológicos, e mesmo que pudéssemos nos livrar completamente do carvão, sem que haja um movimento na direção de um consumo mais sustentável, qualquer crescimento econômico futuro exercerá forte impacto direto sobre mudança climática. Isso porque, à medida que o consumo aumenta, precisamos de energia para produzir tudo o que é consumido. Geramos emissões de CO2 não só quando saímos de carro, mas também quando o deixamos na garagem, uma vez que usamos energia para produzir o carro e para construir a garagem. Essa conclusão se aplica até a carros elétricos. Muitos estudos tentam considerar a relação entre renda e emissões de carbono. A resposta varia com o clima, com o tamanho da família e assim por diante, mas as duas seguem mais ou menos em paralelo, muito de perto. A estimativa média sugere que quando a renda aumenta em 10%, as emissões de CO2 aumentam em 9%. 

Capítulo 7. Pianola 

A dificuldade é que o Juízo Final (se estiver vindo) ainda não chegou. Robert Gordon, que, como vimos, não tem as inovações atuais em alta conta, gosta de brincar de “encontre o robô” quando viaja. Apesar de tudo que se fala, ainda são funcionários humanos que o registram nos hotéis, limpam o seu quarto, servem o café e assim por diante. 

Por ora, os seres humanos ainda não se tornaram desnecessários. No momento em que escrevemos este livro, primeiro trimestre de 2019, o desemprego nos Estados Unidos está em seu mínimo histórico e continua caindo. Com cada vez mais mulheres trabalhando, a fatia da população na força de trabalho aumentou substancialmente até cerca de 2000 (quando começou a se estabilizar e a retroceder. Não faltou trabalho para os que desejam trabalhar, a despeito do rápido avanço das tecnologias poupadoras de mão de obra. 

É, sem dúvida, verdade que provavelmente ainda estamos muito no início do processo de automação da IA. A percepção de que a inteligência artificial é uma nova espécie de tecnologia dificulta a previsão de suas consequências. Os futurólogos falam sobre uma “singularidade”, uma forte aceleração da taxa de crescimento da produtividade impulsionada por máquinas infinitamente inteligentes, embora a maioria dos economistas seja muito cética de que estejamos próximos de uma realidade como essa.  

Num estudo sobre o impacto da automação, pesquisadores calcularam, para cada região, uma métrica de exposição a robôs industriais, considerando a difusão de robôs nas indústrias locais. Em seguida compararam a evolução dos empregos e salários nas áreas mais afetadas com aquelas nas áreas menos afetadas. O estudo revelou grandes impactos negativos, para surpresa dos autores, que haviam escrito um trabalho anterior enfatizando as forças que deveriam levar a uma recuperação. O acréscimo de um robô numa commuting zone elimina o emprego de 6,2 trabalhadores e deprime os salários. Os efeitos sobre o desemprego são pronunciados na manufatura e especialmente fortes no caso de trabalhadores sem educação de nível superior, sobretudo os que executam tarefas manuais rotineiras. 

Capítulo 8. Legit.gov: governo legítimo 

Outra razão que leva as pessoas a resistirem ao aumento de impostos em troca de mais serviços é o ceticismo de muita gente nos Estados Unidos (mas também no Reino Unido e em diversos países em desenvolvimento) em relação às intervenções do Estado. Pelo menos desde Reagan, temos sido alimentados com o mantra de que, “na presente crise, o governo não é a solução para nossos problemas, o governo é o problema”. 

Em 2015, somente 25% dos americanos achavam que podiam confiar no governo “sempre” ou “na maior parte do tempo”; 59% tinham opinião negativa sobre ele; 20% achavam que o governo não dispunha de ferramentas para melhorar a igualdade de oportunidades entre ricos e pobres e 32% achavam que reduzir a tributação sobre os ricos e as empresas para encorajar investimentos seria uma forma mais eficaz de ampliar a igualdade de oportunidades do que aumentar impostos para financiar programas sociais. 

Muitos economistas, talvez a maioria deles, acreditam que os incentivos do governo são sempre problemáticos, e, portanto, as intervenções governamentais, embora muitas vezes necessárias, tendem a ser desastradas ou corruptas. 

Mas ruins em relação a quê? O problema é que não há substituto para muitas coisas que o governo faz (embora, evidentemente, muitos governantes façam mais do que deveriam, como dirigir uma companhia aérea na Índia ou uma usina de cimento na China). Quando um tornado atinge uma região, quando um indigente precisa de cuidados médicos ou quando uma indústria fecha as portas, raramente há uma “solução de mercado”. O governo existe, em parte, para resolver problemas que nenhuma outra instituição, realisticamente, pode atacar. Para demonstrar que o governo desperdiça, é preciso mostrar que há uma maneira alternativa e mais funcional de organizar a mesma atividade. 

Há, sem dúvida, desperdícios do governo na maioria dos países. Uma série de estudos realizados em países como Índia, Indonésia, México e Uganda mostraram que mudanças na maneira de agir dos governos podem acarretar melhorias substanciais. Na Indonésia, por exemplo, a simples distribuição de um cartão indicando que alguém era qualificável para um programa aumentou em 26% os subsídios recebidos pelos pobres. 

Em última análise, a representação dos burocratas e políticos como idiotas incompetentes ou parasitas corruptos, pela qual os economistas são em grande parte responsáveis, é profundamente prejudicial. 

Em primeiro lugar, ela provoca um reflexo automático contra todas as propostas de expandir o governo, mesmo quando ele é claramente indispensável, como nos Estados Unidos de hoje. Em segundo lugar, ela afeta quem deseja trabalhar para o governo. Atrair pessoal qualificado é essencial para o bom funcionamento do governo. Para um jovem talentoso nos EUA, no entanto, a carreira no governo, dada a sua reputação, não é atraente. 

Capítulo 9. Dinheiro e cuidado 

Não há mais nada na moda hoje, pelo menos entre os programas sociais, do que a renda básica universal (RBU), ou renda básica da cidadania. Elegante em sua simplicidade, ela é o programa moderno de bem-estar social de meados do século, popular entre os empreendedores do Vale do Silício, gurus da mídia, certos tipos de filósofos e economistas e políticos excêntricos. Os preconizadores da RBU como programa social imaginam o governo pagando a todas as pessoas, independentemente de necessitarem ou não, uma renda básica garantida significativa (cogitou-se nos Estados Unidos algo em torno de US$ 1 mil por mês). Isso pode ser uma ninharia para Bill Gates, mas é muito dinheiro para quem está desempregado, permitindo-lhe, se a situação chegar a esse ponto, que passe toda a vida sem um emprego remunerado. O Vale do Silício gosta da ideia da RBU porque receia que suas inovações possam provocar muitos transtornos sociais. Benoit Hamon, candidato socialista à substituição de François Hollande como presidente da França, tentou usar essa proposta para animar sua malfadada campanha; Hillary Clinton mencionou-a vez por outra (ela também perdeu); na Suíça, houve um referendo a respeito (mas apenas um quarto dos eleitores votou a favor); na Índia, a RBU apareceu recentemente em um documento oficial do Ministério das Finanças, e ambos os partidos que concorriam às eleições tinham alguma versão de um programa de transferência incondicional de renda em sua plataforma, embora em nenhum dos casos ela fosse universal.

Uma estratégia mais realista talvez seja o governo ampliar a demanda por serviços públicos intensivos em mão de obra, aumentando a verba destinada a eles sem necessariamente fornecê-los diretamente. Uma consideração importante, sobretudo no mundo em desenvolvimento, é não criar empregos nos quais as pessoas trabalham pouco e ganham muito. Como já vimos, a presença desses empregos congela o mercado de trabalho, porque todo mundo faz fila para consegui-los. A consequência é que o nível de emprego total pode efetivamente diminuir. Os empregos precisam ser úteis e o salário deve ser justo. Muitas são as possibilidades. Cuidar de idosos, educar, cuidar de crianças são setores nos quais os ganhos de produtividade resultantes da automação, pelo menos por enquanto, ainda são limitados. Na verdade, parece provável que os robôs nunca venham a ser inteiramente capazes de substituir o toque humano no cuidado de crianças muito pequenas e de idosos muito velhos, embora possam complementá-lo de maneira bastante eficaz.

Outra razão pela qual os humanos dificilmente serão preteridos nas escolas e pré-escolas é que, se os robôs assumirem todas as funções que demandam habilidades técnicas limitadas (de tarefas mecânicas à contabilidade), as pessoas serão cada vez mais valorizadas pela flexibilidade e empatia. A bem da verdade, as pesquisas mostram que as habilidades sociais se tornaram mais valorizadas no mercado de trabalho na última década, em comparação com as habilidades cognitivas. 

Conclusão: A boa e a má economia 

Muitas dessas políticas se erguem sobre os ombros da boa e da má economia (e das ciências sociais, de modo geral). Os cientistas sociais já escreviam sobre as ambições insanas do dirigismo soviético, sobre a necessidade de liberar o gênio empreendedor em países como a Índia e a China, sobre o potencial das catástrofes ambientais e sobre o poder extraordinário das conexões de rede muito antes de esses temas se tornarem óbvios para o mundo. Filantropos inteligentes estavam praticando boa ciência social ao insistirem em distribuir medicamentos antirretrovirais a pacientes de HIV no mundo em desenvolvimento, garantir testes muito mais amplos e salvar milhões de vidas. A boa economia prevaleceu sobre a ignorância e a ideologia ao promover a distribuição gratuita, na África, de mosquiteiros para cama tratados com inseticida, em vez de sua venda a preços subsidiados, o que reduziu a morte de crianças por malária a menos da metade. 

Já a má economia impulsionou a redução da carga tributária dos mais ricos e o arrocho dos programas sociais, vendeu a ideia de que o estado é impotente e corrupto e os pobres são preguiçosos e pavimentou o caminho para o atual impasse de desigualdade explosiva e inércia raivosa. Uma economia míope nos disse que o comércio é bom para todos e que o crescimento acelerado está em toda parte. Trata-se apenas de se esforçar mais e aguentar todas as dores. Uma economia cega não percebeu a explosão da desigualdade mundo afora, o consequente agravamento da fragmentação social e o desastre ambiental iminente, procrastinando a ação. 

Como John Maynard Keynes, que transformou a política macroeconômica com as suas ideias, escreveu: “Os homens práticos, que se consideram isentos de quaisquer influências intelectuais, são geralmente escravos de algum economista já falecido. Os insanos em posição de autoridade, que ouvem vozes no ar, têm suas loucuras inspiradas por algum escrevinhador acadêmico de poucos anos atrás”. As ideias são poderosas. As ideias impulsionam mudanças. A boa economia sozinha não pode nos salvar. Mas, sem ela, estamos condenados a repetir os erros do passado. Ignorância, achismo, ideologia e inércia se conjugam para nos dar respostas que parecem plausíveis e promissoras, mas previsivelmente nos traem. Como a história não se cansa de demonstrar, as ideias mais promissoras, no fim das contas, podem ser boas ou más. O único recurso que temos contra as ideias ruins é manter a vigilância, resistir à sedução do “óbvio”, duvidar das promessas de milagres, questionar as evidências, ter paciência com a complexidade e admitir com honestidade o que sabemos e o que não sabemos. 

O chamado à ação não se limita a economistas acadêmicos – destina-se a todos nós que ansiamos por um mundo melhor, mais sensato e humano. A economia é importante demais para ficar por conta dos economistas. 

Ficha técnica

Título: Boa economia para tempos difíceis 

Título original: Good Economics for Hard Times 

Autores: Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo 

Primeira edição: Zahar 

Fotos: Scott Blake, Lorenzo Herrera, Joshua Rawson-Harris, Lenny Kuhne, Ronald Reagan Library, Dominik Lange / Unsplash ; Ucamari Photography, James Chen, Jakub Michankow / Flickr ;

Resenha:

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