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As cartas de Warren Buffett

Uma seleção dos melhores insights sobre gestão de empresas das cartas aos acionistas da Berkshire Hathaway, comandada pelo megainvestidor americano Warren Buffett

Ideias centrais:

1 – Na Berkshire, diz Buffett, aplicamos um sistema de remuneração que premia os principais gestores por cumprirem metas em seus negócios. Acreditamos que o bom desempenho de uma subsidiária deve ser recompensado independentemente de alta, queda ou estabilidade das ações da holding.

2 – Nosso objetivo é atrair proprietários de ações, de longo prazo, que, na hora da compra, não tenham um cronograma ou preço-alvo de venda, mas planejam permanecer conosco por prazo indeterminado.

3 – Achamos significativo quando um proprietário se preocupa com a pessoa para a qual venderá sua empresa. Gostamos de fazer negócio com alguém que ama sua empresa. É sinal de que vamos encontrar nela valores importantes: contabilidade honesta, orgulho pelo produto, respeito pelos clientes, pelos colaboradores.

4 – Além de seguir regras gerais, a contabilidade de uma empresa deve responder a três perguntas: 1) qual o valor aproximado da empresa; 2) qual a probabilidade de conseguir cumprir as obrigações futuras; e 3) qual a qualidade de trabalho dos gestores.

5 – Recomendação bem típica de Buffett: compre ações da Berkshire apenas se tiver a expectativa de mantê-las por pelo menos cinco anos. Quem está em busca de lucro a curto prazo deve procurar outra companhia.

Sobre os autores:

Warren Buffett é um investidor e filantropo americano. É o principal acionista, presidente do conselho e diretor executivo da Berkshire Hathaway. Constantemente citado na lista da Forbes das pessoas com maior capital do mundo, ocupou o primeiro lugar em 2008.

Lawrence A. Cunningham é um estudioso americano, autor de livros sobre governança corporativa e investimentos e professor de Direito Henry St. George Tucker III na Universidade George Washington.

Introdução (Lawrence A. Cunningham)

Um tema central conecta as cartas lúcidas de Buffett: os princípios da análise fundamentalista de negócios, elaborados inicialmente por seus professores Ben Graham e David Dodd, devem guiar as práticas de investimento. Vinculados a isso estão os princípios de administração que definem o papel dos gestores (como administradores responsáveis e diligentes do capital investido) e dos acionistas (fornecedores e proprietários de capital). Desses pontos principais irradiam lições pragmáticas e sensatas a respeito de várias questões relevantes de negócios, de aquisições a governança e avaliação.

Buffett aplicou esses princípios tradicionais como executivo-chefe da Berkshire Hathaway, companhia que se originou de uma empresa têxtil, cujas operações datam do início do século XIX. Em 1965, quando ele assumiu o comando da Berkshire, o valor contábil por ação era de US$ 19,46. Já o valor intrínseco por ação era bem inferior. Hoje, o valor contábil por ação ultrapassa US$ 200 mil e o intrínseco é ainda maior. Nesse período, a taxa de crescimento do valor contábil por ação foi de cerca de 19% ao ano.

A Berkshire se tornou uma holding com atuação em mais de oitenta ramos de atividades. A principal frente de negócios é a de seguros, que abrange várias empresas, inclusive uma das maiores seguradoras de automóveis dos Estados Unidos, a GEICO Corporation, subsidiária da qual detém 100% da propriedade, e uma das maiores resseguradoras do mundo, a General Re Corporation. Proprietária e gestora há muitos anos de grandes empresas de energia, a Berkshire adquiriu em 2010 a Burlington Northern Fe Railway Company, uma das maiores ferrovias da América do Norte.

Além disso, a holding possui subsidiárias enormes: dez delas seriam incluídas na Fortune 500, caso fossem empresas independentes. O espectro de atuação é tão amplo que, conforme escreveu Buffett, “quando você examina a Berkshire, vislumbra as maiores corporações dos Estados Unidos”.

Este vasto conglomerado foi construído por Buffett e pelo vice-presidente da Berkshire, Charles Munger (Charlie), que investiram em empresas com características financeiras excelentes, administradas por gestores proeminentes.

I – GOVERNANÇA

Quando os retornos sobre o capital são normais, o feito de “ganhar mais por investir mais” não é uma grande conquista gerencial. Você pode obter esse resultado sozinho, trabalhando em casa. Basta quadruplicar o capital destinado a uma conta de poupança e, assim, quadruplicar seus ganhos. Dificilmente você esperaria ser incensado por essa realização em particular. Porém, os anúncios de aposentadoria com frequência tecem elogios a executivos-chefes que, digamos, quadruplicaram os lucros da empresa enquanto estiveram no comando – sem que ninguém avaliasse se esse ganho era devido apenas a muitos anos de lucros acumulados e aos juros compostos.

Se essa empresa obtivesse de maneira sistemática um retorno superior sobre o capital ao longo do período, ou se o capital empregado apenas dobrasse durante a gestão do executivo-chefe, ele poderia ser merecedor do elogio. Mas se o retorno sobre o capital for pífio e o capital empregado tiver aumentado no mesmo ritmo que o lucro, esses aplausos deveriam ser suprimidos. Uma conta de poupança na qual os juros fossem reinvestidos alcançaria o mesmo aumento de lucro a cada ano – e, com apenas 8% de juros, quadruplicaria seu lucro anual em 18 anos.

O poder dessa matemática simples é ignorado diversas vezes pelas empresas em detrimento de seus acionistas. Muitos planos corporativos de remuneração pagam quantias generosas aos gestores por aumento de ganhos gerados, exclusivamente ou em grande parte, por lucros acumulados – ou seja, lucros negados aos proprietários. Por exemplo, opções de compra de ações de dez anos, com preço fixo, são concedidas de modo rotineiro, muitas vezes por empresas cujos dividendos são apenas uma porcentagem pequena do lucro.

Na Berkshire, porém, aplicamos um sistema de remuneração incentivada que premia os principais gestores por cumprirem as metas em seus negócios. Se a See’s [fabricante e distribuidora de doces pertencente à Berkshire] vai bem, isso não vai gerar um bônus na área de jornais – e vice-versa. Também não verificamos o preço das ações da Berkshire quando assinamos cheques de bonificação. Acreditamos que o bom desempenho de uma subsidiária deve ser recompensado independentemente de alta, queda ou estabilidade das ações da holding.

II – INVESTIMENTOS

Em meados de 1973, quando compramos participações [substanciais da Washington Post Company, WPC], o preço não passava de um quarto do valor de negócio por ação da empresa. O cálculo do quociente preço/valor não exigiu nenhum conhecimento especial. A maioria dos analistas de valores mobiliários, das agências de intermediação de publicidade e dos executivos da mídia teria estimado o valor intrínseco do negócio da WPC na casa dos US$ 400 milhões a US$ 500 milhões, a mesma quantia que calculamos. E, todos os dias, a cotação de US$ 100 milhões em bolsa era publicada para qualquer um ver. Tínhamos a vantagem do nosso posicionamento: havíamos aprendido com Ben Graham que a chave para o investimento de sucesso é a compra de ações de boas empresas quando o preço de mercado estiver muito abaixo do valor do negócio latente.

A discussão anterior sobre arbitragem torna relevante um breve debate sobre a “hipótese do mercado eficiente” (HME). Essa doutrina esteve muito em moda – aliás, virou quase parte das Sagradas Escrituras – nos círculos acadêmicos ao longo dos anos 1970. Em essência, dizia que era inútil analisar as ações porque todas as informações públicas sobre elas já se refletiam de forma adequada no preço. Ou seja, o mercado sempre sabia de tudo. Como corolário, segundo os professores que ensinaram a HME, quem lançasse dardos em direção às tabelas de ações poderia montar uma carteira com perspectivas tão boas quanto a criada pelo analista de valores mobiliários mais inteligente e laborioso. De forma surpreendente, a HME foi adotada não somente por acadêmicos, mas também por muitos profissionais de investimento e gestores de empresas. Ao observarem, de maneira correta, que o mercado era eficiente com frequência, eles concluíram de maneira incorreta que o mercado era sempre eficiente. A diferença entre essas proposições é como da água para o vinho.

Nossa estratégia de investimento em capital próprio permanece pouco alterada em relação ao que dissemos no Relatório Anual de 1977: “Selecionamos os nossos valores mobiliários em ações ordinárias e preferenciais negociáveis quase da mesma forma que avaliaríamos uma empresa para a aquisição da sua totalidade. Queremos que a empresa (a) seja compreensível para nós; (b) tenha perspectivas de longo prazo favoráveis; (c) seja operada por pessoas honestas e competentes; e (d) esteja disponível por um preço muito atraente.” Só tivemos motivo para fazer uma única mudança, substituímos “um preço atraente” por “um preço muito atraente”.

III – ALTERNATIVAS

A Berkshire só conseguirá resultados satisfatórios com as suas quatro emissões de preferenciais por meio de um bom desempenho das ações ordinárias das empresas nas quais investimos.

Para que isso ocorra, serão necessárias uma boa gestão e uma indústria com condições ao menos toleráveis. Mas acreditamos que o investimento da Berkshire também vai contribuir e os acionistas de todas as investidas hão de lucrar nos próximos anos com as ações preferenciais que compramos. A ajuda virá do fato de agora essas empresas terem um grande acionista, estável e interessado, cujos presidente e vice-presidente, por meio de investimentos da Berkshire, comprometeram indiretamente nesses empreendimentos uma quantia muito alta de dinheiro deles próprios. Ao lidarmos com as nossas investidas, Charlie e eu lhes daremos apoio e seremos analíticos e objetivos. Reconhecemos que estamos trabalhando com executivos-chefes experientes no comando das próprias empresas que, mesmo assim, em certos momentos valorizam a oportunidade de testar ideias vindas de alguém sem vínculos com aquele setor ou com as decisões do passado.

Em grupo, essas ações preferenciais conversíveis não vão gerar os retornos que podemos obter quando encontramos uma empresa com perspectivas econômicas maravilhosas, não valorizadas pelo mercado. Tampouco os retornos serão tão atraentes quanto os obtidos quando aplicamos capital da forma que preferimos: a aquisição de pelo menos 80% de uma boa empresa, com uma boa gestão. Mas essas duas oportunidades são raras, em particular com um porte adequado aos nossos recursos atuais e previstos.

Derivativos são perigosos. Eles elevaram de maneira drástica a alavancagem e os riscos do sistema financeiro. Praticamente, tornaram impossível aos investidores compreender e analisar os principais bancos comerciais de investimento. E ainda permitiram que a Fannie Mae e a Freddie Mac emitissem diversas declarações falsas sobre os lucros durante anos. Essas instituições eram tão indecifráveis que a autoridade reguladora federal, o OFHEO, não conseguiu identificar as distorções contábeis de ambas, apesar de ter cem funcionários que não faziam outra coisa a não ser supervisioná-las. (Fannie Mae e Freddie Mac são as duas das principais empresas de crédito imobiliário dos EUA – ver crise de 2008).

IV – AÇÕES ORDINÁRIAS

Charlie e eu estamos satisfeitos com a perspectiva de listagem em bolsa de valores, pois acreditamos que essa mudança beneficiará nossos acionistas. Temos dois critérios para avaliar qual é o mercado para as ações da Berkshire. Primeiro, esperamos que as ações sejam negociadas de modo regular por um preço racional em relação ao valor intrínseco do negócio. Se isso acontece, cada acionista obtém um resultado de investimento próximo ao dos negócios da Berkshire durante o período de propriedade.

Esse desfecho está longe de ser automático. Muitas ações oscilam entre níveis extremos de falta e de excesso de valorização. Quando isso acontece, os proprietários são recompensados ou penalizados de uma maneira totalmente diferente do desempenho da empresa durante aquele período de propriedade. Queremos evitar resultados inconstantes como esses. Nosso objetivo é fazer com que nossos sócios-acionistas lucrem com as conquistas da empresa, não graças ao comportamento tolo dos coproprietários.

Preços racionais consistentes são resultado da existência de proprietários racionais, tanto os atuais como os futuros. Todas as nossas políticas e comunicações são pensadas para atrair o proprietário de longo prazo orientado para os negócios e para filtrar possíveis compradores, cujo foco seja de curto prazo e voltado para o mercado. Até o momento, fomos bem-sucedidos nessa tentativa. As ações da Berkshire têm sido vendidas, de maneira frequente e incomum, em uma faixa estreita, próxima ao valor intrínseco do negócio. Não acreditamos que a listagem na NYSE [Bolsa de Valores de Nova York] melhore nem diminua as perspectivas da Berkshire de vender de maneira sistemática por um preço apropriado: a qualidade dos nossos acionistas produzirá um bom resultado em qualquer mercado.

Nosso objetivo é atrair proprietários de longo prazo que, na hora da compra, não tenham um cronograma ou um preço-alvo de venda, mas planejam permanecer conosco por prazo indeterminado.

V – AQUISIÇÕES

Achamos significativo quando um proprietário se preocupa com a pessoa para a qual venderá. Gostamos de fazer negócios com alguém que ama sua empresa, não apenas o dinheiro que a venda proporciona (embora, sem dúvida, entendamos a pessoa que também gosta disso). A existência desse apego emocional sinaliza que provavelmente vamos encontrar qualidades importantes na empresa: contabilidade honesta, orgulho pelo produto, respeito pelos clientes e um grupo leal de parceiros com um forte senso de direção. O inverso também pode ser verdadeiro. Quando um proprietário faz um leilão da empresa dele e demonstra total falta de interesse quanto ao que vai acontecer dali em diante, muitas vezes descobrimos que ela foi ajeitada para a venda, em especial quando o vendedor é um “proprietário financeiro”. E se os proprietários agirem com pouca consideração pela empresa e pelo pessoal, essa conduta costuma contaminar atitudes e práticas por toda a companhia.

Quando uma obra-prima dos negócios foi criada ao longo de uma vida – ou de várias vidas – de cuidados incansáveis e talento excepcional, deve ser importante para o proprietário que a empresa seja confiada a quem venha a dar continuidade a essa história. Charlie e eu acreditamos que a Berkshire oferece um lar quase único. Levamos muito a sério nossas obrigações com as pessoas que criaram um negócio, e a estrutura de propriedade da Berkshire garante que possamos cumprir nossas promessas. Quando dizemos a John Justin que a sede da empresa dele (a Justin Industries) vai permanecer em Fort Worth ou quando garantimos à família Bridge que a operação dela (a Ben Bridge Jeweler) não será incorporada a outra joalheria, esses vendedores podem levar essas promessas ao banco.

VI – AVALIAÇÃO DE EMPRESAS

Parâmetros comuns, como retorno na forma de dividendos, o quociente preço/lucro ou o de preço/valor contábil, até mesmo taxas de crescimento, não têm nada a ver com a avaliação, exceto na medida em que fornecem pistas sobre a quantia e o calendário dos fluxos de entrada e saída de caixa da empresa. Na verdade, o crescimento pode destruir valor se, nos primeiros anos de um projeto ou empreendimento, exigir entradas que excedam o valor descontado do caixa que esses ativos vão gerar nos anos posteriores. Analistas de mercado e gestores de investimento que se referem de maneira leviana aos estilos de “crescimento” e “valor” como estratégias contrastantes estão exibindo a própria ignorância, não até que ponto são sofisticados. O crescimento é apenas um componente – em geral, para somar; às vezes, para diminuir – na equação do valor.

Você pode ter ideia das diferenças entre o valor contábil e o valor intrínseco ao observar uma categoria de investimento: a formação universitária. Considere que o custo dessa educação é seu “valor contábil”. Para que esse custo seja exato, ele deve incluir os lucros dos quais o aluno abriu mão ao escolher a faculdade em vez de um emprego.

Para este exercício, vamos ignorar os importantes benefícios não econômicos da formação universitária e nos concentrar estritamente no seu valor econômico. Primeiro, precisamos estimar os ganhos que o graduado obterá ao longo da vida e subtrair deste valor uma estimativa de quanto ele ganharia caso não tivesse se formado. Isso nos dá um número relativo ao ganho excedente, que deve ser descontado, a uma taxa de juros adequada, até o dia da formatura. O resultado em dólares é igual ao valor econômico intrínseco da formação universitária.

Alguns graduados descobrirão que o valor contábil de sua formação excede o valor intrínseco, ou seja, quem pagou por essa educação não obteve um retorno equivalente ao valor do seu dinheiro. Em outros casos, o valor intrínseco do diploma vai exceder em muito seu valor contábil e, com esse resultado, comprova-se que o capital foi aplicado com sabedoria. De um jeito ou de outro, fica claro que o valor contábil não tem sentido como indicador do valor intrínseco. 

VII – CONTABILIDADE

Apesar das deficiências dos Princípios Contábeis Geralmente Aceitos (GAAP), eu odiaria ter a tarefa de conceber um conjunto melhor de regras. As limitações das normas já existentes não precisam, no entanto, ser inibidoras; os executivos-chefes são livres para tratar as demonstrações do GAAP como o começo, não o fim da obrigação de informar proprietários e credores – o que eles deveriam efetivamente fazer. Afinal, qualquer gestor da subsidiária se veria em apuros se informasse apenas números básicos do GAAP, omitindo informações essenciais e necessárias para o chefe dele, o executivo-chefe da matriz. Então, por que o próprio CEO deveria reter informações de utilidade vital para seus chefes, os proprietários-acionistas da empresa?

O que precisa ser relatado são dados – estejam ou não de acordo com o padrão GAAP, podendo inclusive ser mais detalhados – para ajudar os leitores especializados em finanças a responder a três perguntas principais: (1) Qual é o valor aproximado da empresa? (2) Qual a probabilidade de a empresa conseguir cumprir as obrigações futuras? E (3) qual é a qualidade do trabalho dos gestores no contexto em que se encontram?

Toda vez que os investidores – inclusive as instituições supostamente sofisticadas – fizerem avaliações exuberantes sobre os “lucros” relatados que estão em alta constante, pode ter certeza de que alguns gestores e vendedores vão explorar o GAAP para gerar esses números, não importa qual seja a verdade. Ao longo dos anos, Charlie e eu observamos muitas fraudes de dimensões impressionantes baseadas em contabilidade. Poucos fraudadores foram punidos; vários nem sequer foram repreendidos.

É bem mais seguro roubar grandes quantias com uma caneta na mão do que pequenas quantias com uma arma.

VIII – TRIBUTAÇÃO

A Berkshire e seus acionistas, em conjunto, pagariam um imposto bem menor se a empresa operasse em parceria ou em sociedade cuja tributação recaísse diretamente sobre a renda dos acionistas – duas estruturas usadas com frequência para atividades de negócios, o que, por diversos motivos, não é viável para a Berkshire. No entanto, a penalidade que nossa configuração impõe é mitigada – apesar de estar longe de ser eliminada – pela estratégia de investimentos de longo prazo. Charlie e eu seguiríamos a política de comprar e manter, mesmo se administrássemos uma instituição isenta de impostos. Consideramos esta a maneira mais sólida de investir, e isso também diz muito do nosso perfil. Um terceiro motivo para favorecer essa política, contudo, é o fato de os impostos serem cobrados apenas quando os ganhos são efetivados.

Quando jovem, minha história em quadrinhos favorita, Ferdinando, me deu a oportunidade de conhecer os impostos atrasados, embora eu tenha faltado à aula na época. Com seu jeito alegre, porém idiota, Ferdinando Buscapé fazia tudo errado no dia a dia de Brejo Seco, o que deixava nos leitores uma sensação de superioridade. A certa altura, ele se apaixonou por uma nova-iorquina sedutora, mas perdeu a esperança de se casar com ela porque tinha apenas uma moeda de US$ 1, e a beldade só queria saber de milionários. Desanimado, Ferdinando foi se consultar com o Velho Mose, a única fonte de sabedoria em Brejo Seco. O sábio falou: duplique o seu dinheiro vinte vezes e a moça será sua (1,2, 4, 8… 1.048.576).

Minha última lembrança da tirinha é a cena em que Ferdinando entra em uma pousada para usar a moeda na máquina caça-níqueis. Ele consegue um jackpot, e o dinheiro se espalha pelo chão. Ferdinando então segue o conselho de Mose de forma meticulosa: pega US$ 2 e sai em busca da próxima oportunidade de dobrar o dinheiro. Depois disso, larguei Ferdinando e comecei a ler Ben Graham.

Sem dúvida, Mose foi superestimado como guru: além de não ter conseguido prever a obediência servil de Ferdinando às instruções, ele também se esqueceu dos impostos. Se Ferdinando estivesse sujeito, digamos, à alíquota de imposto federal de 35% que a Berkshire paga, e se tivesse administrado um montante que dobrasse todo ano, ele viria a acumular apenas US$ 22.370 após vinte anos. Na verdade, se tivesse continuado a receber as dobradinhas anuais e a pagar 35% de imposto sobre cada uma, precisaria de sete anos e meio para atingir o milhão de dólares necessário para conquistar a moça.

IX – HISTÓRIA

Hoje, o PIB per capita americano é de cerca de US$ 56 mil. Em termos reais, corresponde a seis vezes a quantia de 1930, ano em que nasci, o que é impressionante – e um salto muito além dos sonhos mais loucos dos meus pais ou de seus contemporâneos. Os cidadãos não são intrinsecamente mais inteligentes agora nem trabalham mais do que os de 1930. Na verdade, eles trabalham com uma eficiência bem maior e, portanto, produzem muito mais. Estou certo de que essa tendência onipotente permanecerá: a magia econômica dos Estados Unidos continua viva e em ótimo estado.

Alguns analistas se queixam do crescimento do nosso PIB real, de 2% ao ano. Mas façamos algumas contas. A população dos EUA cresce cerca de 0,8% ao ano (0,5% relativos a nascimentos menos mortes, e 0,3%, à migração líquida). Talvez isso não impressione. Mas em uma única geração de, digamos, 25 anos, essa faixa de crescimento leva o PIB real per capita a ter um ganho de 34,4%. (Os efeitos da capitalização geram excedente sobre a porcentagem resultante da simples multiplicação 25 x 1,2%.) Por sua vez, esse ganho de 34,4% vai gerar um aumento assombroso de US$ 19 mil no PIB real per capita para a próxima geração. Se houvesse uma distribuição igualitária dessa quantia, o ganho seria de US$ 76 mil anuais para uma família de quatro pessoas. Os políticos de hoje não precisam derramar lágrimas pelas crianças de amanhã.

X – CONCLUSÕES

Hoje, a Berkshire possui (1) um conjunto de empresas, a maioria delas com perspectivas econômicas favoráveis no momento; (2) um quadro de excelentes gestores que, com raras exceções, são excepcionalmente dedicados tanto à subsidiária que operam quanto à Berkshire; (3) uma diversidade extraordinária de lucro, solidez financeira de primeira e rios de liquidez que manteremos em todas as circunstâncias; (4) o status de primeira opção para muitos proprietários e gestores que pensam em vender sua empresa; e (5) um item relacionado ao anterior: uma cultura – em muitos aspectos distinta da que possui a maioria das grandes empresas – que levamos cinquenta anos para desenvolver e que hoje é sólida como uma rocha. Esses pontos fortes nos fornecem um alicerce maravilhoso.

Agora, pensemos no que vem pela frente. Leve em conta o seguinte fato: se, cinquenta anos atrás, eu tivesse tentado aferir o que estava por vir, certas previsões minhas estariam muito erradas. Com esse alerta, vou lhe contar o que eu responderia, caso minha família me fizesse perguntas sobre o futuro da Berkshire.

Em primeiro lugar – e acima de tudo, sem qualquer dúvida–, acredito que a chance de perda de capital permanente para os acionistas pacientes da Berkshire é tão baixa quanto no caso dos investimentos em uma única empresa. Isso porque é quase certo que nosso valor intrínseco de negócio por ação vai crescer com o tempo.

Para os investidores que planejam vender um ou dois anos após a compra, não tenho como oferecer nenhuma garantia, seja qual for o preço de entrada. É provável que, durante períodos curtos, a movimentação do mercado de ações em geral seja bem mais crucial para determinar seus resultados do que a alteração concomitante no valor intrínseco de suas ações na Berkshire. Como não conheço uma maneira de prever as flutuações do mercado de maneira confiável, recomendo que você compre ações da Berkshire apenas se tiver a expectativa de mantê-las por pelo menos cinco anos. Quem está em busca de lucro a curto prazo deve procurar outra companhia.

Ficha técnica:

Título: As cartas de Warren Buffett – Lições de investimento e gestão selecionadas das cartas aos acionistas da Berkshire Hathaway

Título original: The Essays of Warren Buffett: Lessons for Corporate America

Autores: Warren Buffett e Lawrence A. Cunningham

Primeira edição: Sextante

Fotos: reprodução; jo.pix / Adobe Stock; Kelly Sikkema, Benjamin Child, Aditya Vyas / Unsplash

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