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Aceleradoras do empreendedorismo feminino impulsionam equidade de gênero nos negócios

Por Monica Miglio Pedrosa

A baixa presença feminina em cargos de liderança nas organizações também se repete no ecossistema empreendedor. O estudo Female Founders Report de 2021 mostrou que empresas de base tecnológica fundadas por mulheres avançam muito pouco. Há 10 anos, esse percentual era de 4,4%. Agora, a proporção é praticamente a mesma, de apenas 4,7% do total.

Um dos principais problemas para esse crescimento é a dificuldade de obter funding. O recém-divulgado estudo “Acesso a capital para mulheres empreendedoras brasileiras”, lançado em  17 de abril pela Rede Mulher Empreendedora, corrobora que 42% das mulheres solicitaram crédito e tiveram seu pedido negado. “Quando falamos de acesso a capital, a discussão de gênero ainda está mascarada por outros temas”, diz no estudo Claudia Valenzuela, diretora e representante do UNOPS (Escritório das Nações Unidas para Serviços de Projetos) no Brasil.

Para tentar reverter este quadro e avançar de vez na agenda da equidade de gênero no ecossistema empreendedor, diversas iniciativas específicas para mulheres surgiram nos últimos anos.

A Rede Mulher Empreendedora, fundada por Ana Fontes em 2012, já impactou 10,5 milhões de empreendedoras com seus eventos, programas de mentoria e aceleração de startups. O Aladas, criado no início da pandemia por Daniela Graicar, nasceu com o objetivo de divulgar conhecimentos em hard e soft skills para mulheres empreendedoras e também oferece uma plataforma de mentorias, que recentemente fez uma parceria com o Grupo Mulheres do Brasil.

Maitê Lourenço, CEO e fundadora da BlackRocks Startups, acelera e apoia iniciativas de empreendedores negros. Os programas de aceleração da BlackRocks tinham como meta atingir 20% de mulheres negras fundadoras de startups e o resultado final surpreendeu, representando 50% do total. Em termos de funding, o Itaú Unibanco anunciou em fevereiro a emissão de R$ 2 bilhões em Letras Financeiras (LF) Sociais para apoiar o empreendedorismo feminino no Brasil.

Conversamos com as heads dessas iniciativas para revelar o que já está sendo feito para impulsionar o empreendedorismo feminino no país e os principais desafios a serem superados.

REDE MULHER EMPREENDEDORA

Empreendedora social, Ana Fontes fundou há 12 anos a Rede Mulher Empreendedora, com o objetivo de fomentar o protagonismo feminino no empreendedorismo. O programa já impactou 10,5 milhões de mulheres, segundo estimativa da RME. São várias as frentes de atuação: eventos, mentoria, programas de aceleração e de conexão de negócios.

Um dos programas, o RME Conecta incentiva compras sensíveis a gênero nas organizações, conectando negócios liderados por mulheres a grandes empresas e multinacionais. O RME Conecta foi criado após a pesquisa “Empreendedoras e seus negócios”, do Instituto RME, revelar em 2018 que 55% das empreendedoras têm dificuldades para se relacionar e realizar vendas B2B.

“Selecionamos negócios geridos por mulheres que faturam acima de R$ 300 mil reais por ano para participar do processo. Após a seleção, fazemos uma etapa de capacitação e qualificação das empresas, para que elas estejam aptas a receber o selo de certificação RME Conecta, com validade de um ano. Esses negócios são então apresentados para grandes empresas, com o objetivo de torná-los fornecedores”, conta Célia Kano, co-CEO da RME. O RME Conecta certificou mais de 40 negócios liderados por mulheres e envolveu mais de 65 grandes empresas no processo.

Outro pilar importante da Rede Mulher Empreendedora são os eventos, que podem ser anuais, como o Festival RME e a Mansão das Empreendedoras – que reúne mulheres fundadoras de startups atuantes em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) –, ou recorrentes, como o Plantão de Mentoria, Café com Empreendedoras e Rodada de Negócios.

 

 

Acelerar negócios é outra frente de atuação: o programa RME Acelera busca negócios escaláveis, que já tenham um MVP. Os projetos selecionados são acompanhados individualmente por mentores e as fundadoras participam de diversos cursos de capacitação, além de ter acesso a rodadas exclusivas com investidores. Empresas como Google, Visa, Itaú, Amazon e Santander atuam como parceiras da RME.

“Trabalhamos em três frentes, sendo a primeira relacionada a questões socioemocionais, como autoconhecimento e liderança; a segunda voltada para competências técnicas de negócio, como marketing, gestão financeira, precificação etc; e a terceira frente é o estímulo à colaboração, para que as mulheres troquem experiências e façam parcerias na rede”, conta Célia, ratificando a importância dos eventos e fóruns de aprendizado promovidos pela RME.

Incentivo a políticas públicas

A RME elabora pesquisas e estudos em sua rede de empreendedoras não só para divulgar e sensibilizar o mercado como também para guiar suas ações, com base nos levantamentos realizados. Essas pesquisas têm embasado um maior envolvimento de Ana Fontes em relação às políticas públicas.

“Sabemos que as mulheres fazem jornada dupla e culturalmente são as responsáveis pelos cuidados com a casa. Um de nossos estudos mostrou que 83% das mulheres que querem empreender acreditam que os cuidados com a casa e família atrapalham mais a elas do que aos homens”, diz Ana.

 

 

Esse dupla jornada também é responsável por inúmeros vieses enfrentados pelas mulheres na captação de recursos. Segundo o estudo “Mulheres Empreendedoras e seus negócios”, de 2022, 59% das empreendedoras creem ser mais fácil para pessoas do sexo masculino acessarem crédito para um negócio. “Um estudo divulgado por Harvard mostrou que as founders de startups recebem muito mais perguntas de mitigação de risco quando fazem o pitch do negócio que fundadores homens. Para eles, as perguntas referem-se ao progresso do negócio”, confirma Célia.

“Nós, como RME, temos um papel de sensibilizar os investidores a entender qual é o modelo de liderança feminina e como os negócios liderados por elas podem impulsionar a diversidade e a inovação. Para isso, é preciso entender que nem toda empreendedora vai ter um MBA no exterior”, completa.

 

 

Potenciais soluções para destravar o acesso a capital

O estudo “Acesso a capital para mulheres empreendedoras brasileiras” apresenta algumas propostas para reverter o quadro da dificuldade de acesso a capital dos negócios liderados por mulheres. Elas foram selecionadas não só por sua viabilidade de implementação como por terem um grau de complexidade intermediário. Abaixo seguem as soluções reveladas no estudo.

Organizações de fomente e governos:

. Uso de capital catalítico ou filantrópico: Investimento com capital catalítico ou filantrópico em organizações da sociedade civil, que tenham como foco a capacitação financeira e em negócios para mulheres, quando associadas a concessão de crédito ou financiamento para mulheres em situação de vulnerabilidade social, da base da pirâmide e em estágio inicial como empreendedoras.

Uso de capital catalítico e incentivo ao capital financeiro: Aumento de linhas de crédito e financiamento associadas ao apoio e capacitação, que atendam todos os perfis, segmentos e tamanhos de empresas.

Empresas financeiras e fintechs:

– Construção de novos critérios de score de crédito: Modelar um novo sistema de score de crédito é um processo complexo e multifacetado que envolve vários passos. A partir da compreensão da finalidade de um novo critério, que contemple o comportamento das mulheres frente ao crédito, podem ser definidas variáveis complementares às tradicionais no estabelecimento do score de crédito. As organizações que têm concedido crédito em novas modalidades podem ser uma fonte de dados relevante, com informações segmentadas por gênero vindas das instituições financeiras tradicionais. O teste e validação do modelo pode usar as mesmas fontes de dados históricos para testar sua capacidade de previsão.

Relacionamento com o cliente: Fortalecimento de políticas de igualdade de gênero no atendimento a clientes nas organizações, capacitação  para a criação de relacionamento e entendimento das necessidades e especificidades das empreendedoras. Considerar e avaliar os potenciais vieses de gênero no atendimento, tanto efetuado por pessoas quanto nos automatizados.

“Um dos grandes desafios das mulheres empreendedoras é acesso a capital e recursos financeiros, o que muitas vezes é questão de vida ou morte para os negócios”, diz Ana Fontes, fundadora da RME. “As mulheres já representam metade dos pequenos negócios no Brasil e são uma força econômica e social importante. As pesquisas mostram que quando uma mulher dá certo, ela investe em melhorar o bem-estar da família, a educação dos filhos e cria um ciclo positivo no entorno”, afirma.

 

 

ALADAS

Daniela Graicar começou seu primeiro negócio aos 19 anos e enfrentou diversos desafios tanto em hard como soft skills. Foi pensando nesse início difícil que ela criou o Aladas, em 2020, que nasceu como uma plataforma de conteúdo e curso em formato de videoaulas. No início, eram 70 aulas de hard skills (análise financeira, como fazer uma demonstração de resultados, como registrar uma marca etc). Hoje a plataforma reúne conteúdos de soft skills, como liderança e comunicação, passando de 100 títulos ofertados.

“Os cursos de empreendedorismo do mercado afastam as mulheres. Eles pregam a ‘faca no dente’, o ‘se matar de trabalhar pela empresa’. A mulher quer empreender, realizar seus sonhos profissionais, mas não quer abrir mão de outros projetos de vida. Tenho três filhos, uma vida social ativa, uma vida esportiva e consegui encontrar um formato para conciliar isso com minhas empresas. Queria mostrar a outras empreendedoras que esse sonho é possível”, acredita Daniela, que também é CEO e fundadora da Agência PROS.

Além dos conteúdos, o Aladas disponibiliza uma plataforma de mentoria chamada MentorEla, com foco no universo feminino. São mais de 100 mentores e mentoras voluntários que oferecem aconselhamento em questões de hard e soft skills das empreendedoras. Eles doam no mínimo duas horas mensais do seu tempo gratuitamente, o que permite que a mentoria seja cobrada a preços muito mais acessíveis do que o real valor que seria cobrado por esses profissionais. Todo o dinheiro arrecadado é revertido para a expansão do Aladas. “Também oferecemos mentoria para quem não pode pagar”, esclarece.

No final de 2022, a plataforma passou a ser utilizada também pelo Grupo Mulheres do Brasil para expandir o serviço às mais de 100 mil mulheres da rede, que irão pagar R$ 170 pela hora de mentoria. Chris Aché (cofundadora do selo Women on Board), Dani Junco (fundadora da B2Mamy), Marcelo Pimental (CEO do GPA), Ricardo Natale (CEO do Experience Club) e Letícia Arslanian (Head of Industry do Google) são alguns dos mentores da plataforma.

“Atendemos desde meninas que estão sonhando em abrir um negócio em comunidades como Paraisópolis ou Rocinha, até CEOs importantíssimas de bancos, que querem saber como engajar os seus times dentro da empresa”, conta Daniela.

 

 

Desafios da mulher empreendedora

Para a empresária, os desafios femininos são os mesmos de alguns anos atrás “elevados à potência”. Segundo Daniela, é preciso quebrar alguns estigmas culturais em relação à responsabilidade exclusiva das mulheres na família e em casa. “Do tempo que nós mulheres temos para empreender, 17% são investidos em afazeres domésticos, como se eles fossem só nossos. São 62 dias em um ano dedicados a isso”, revela. Segundo ela, a pandemia “jogou as mulheres 30 anos pra trás nessas conquistas”.

Outro problema enfrentado é a dificuldade de funding. “Nos pitches, as perguntas já chegam carregadas de vieses inconscientes e conscientes, que trazem respostas menos brilhantes para quem está investindo. Eu oriento minhas mentoradas a ignorar o viés da pergunta feita pelo investidor e responder com algo que o faça ver o potencial do negócio.”

Segundo Daniela, o mundo mudou e as empresas precisam entender certas flexibilidades e premissas para atrair e reter mulheres em cargos de liderança nas empresas. A contrapartida será uma performance excepcional e resultados diferenciados. “Meu sonho é não precisar existir mais Aladas. Quero que a gente pare de discutir como tornar o mundo dos negócios mais equânime e passe a falar de progresso das empresas e de liderança de uma forma geral. Quero abraçar outra causa daqui a alguns anos porque essa já vai ter sido resolvida”, diz ela.

BLACKROCKS STARTUPS

Quando iniciou no empreendedorismo, a psicóloga Maitê Lourenço olhou para os lados e não via outras empreendedoras negras como ela no ecossistema. Inconformada com esse cenário ela criou a BlackRocks Startups, para ser um catalisador de oportunidades para negócios liderados por negros.

Em 2021, a BlackRocks fez um mapeamento em parceria com a Associação Brasileira de Startups do ecossistema empreendedor, que levantou dados de 2.700 startups, 25% delas lideradas por pessoas negras. “Tínhamos uma premissa inicial de que a gente ia encontrar segmentos mais específicos, mas os percentuais das áreas de maior dor, como saúde, educação, bem-estar, comércio e serviço, são semelhantes, independente se o negócio é liderado por negros ou não negros”, conta Maitê.

 

 

As 646 startups de empreendedores negros estão agora disponíveis gratuitamente em uma plataforma online, a BlackOut. Nela é possível buscar por negócios de acordo com o segmento de atuação e região. “Esses empreendedores estão fazendo seus negócios com os próprios investimentos, de uma forma muito incipiente em relação a outras startups lideradas por não-negros”, diz Maitê. “Se mesmo sem acesso a recursos e apoio temos uma representatividade de 25%, imagina se os processos de funding fossem mais transparentes e não liderados por indicações ou privilégios. Queremos dar visibilidade a excelentes negócios que podem ser investidos por CVCs, fundos de venture capital e fundos de investimento”, afirma.

Mulheres negras representam 50% dos negócios acelerados

O BlackRocks Startups desenvolveu um programa chamado GrowStartups que acelera startups de tecnologia que estão em fase de pré-operação e operação. O programa, que teve três edições e contou com o apoio de empresas como AWS, BTG Pactual e TikTok, apresenta resultados positivos. A meta inicial, de ter pelo menos 20% dos negócios liderados por mulheres negras, foi ultrapassada e o programa chegou a 50% de negócios femininos. Depois de passarem pelo GrowStartups, os 24 negócios tiveram aumento no faturamento (79%), aumento de conexões e abertura de contatos (70%) e captaram mais de R$ 10 milhões em investimentos indiretos (quadro abaixo).

 

 

A BlackRocks também oferece mentoria gratuita por meio de uma plataforma que usa inteligência artificial para realizar o match entre mentores e mentorados. Aliás, nenhuma das ações do BlackRocks é cobrada, todos os custos são viabilizados por patrocinadores. O Arena BlackRocks é um festival de tecnologia, inovação e empreendedorismo que já reuniu mais de 4 mil participantes e cuja 4ª edição acontecerá em setembro, em São Paulo, com formato híbrido. Mais de 110 palestrantes já estiveram no evento, que terá como tema este ano o Afroturismo.

Pelo trabalho desenvolvido à frente do BlackRocks, Maitê foi selecionada pelo BID para gerenciar o fundo YAVentures, com R$ 100 milhões captados inicialmente. Esse é o primeiro fundo com foco em diversidade racial e de gênero da América Latina. A tese prevê investimentos iniciais em 20 startups latino-americanas (80% brasileiras) que estejam no estágio Pré-Seed, Seed e Série A e que receberão entre R$ 500 mil a R$ 3 milhões.

 

 

ITAÚ MULHER EMPREENDEDORA

O programa Itaú Mulher Empreendedora, idealizado em parceria com a IFC (International Finance Corporation), já existe há 10 anos e tem como objetivo valorizar e empoderar as mulheres em seus negócios por meio de eventos, conteúdos e programas de capacitação e aceleração. O programa conta com mais de 28 mil mulheres participantes e nos últimos dois anos, em 2021 e 2022, apoiou e desenvolveu projetos voltados ao empreendedorismo feminino negro, com foco nas regiões Norte e Nordeste do país.

Em fevereiro de 2023 o Itaú Unibanco emitiu R$ 2 bilhões em Letras Financeiras (LF) Sociais no mercado local para impulsionar ainda mais negócios liderados por mulheres. Desse total, R$ 1 bilhão foi captado com a IFC, membro do Grupo Banco Mundial, e o restante foi captado junto ao mercado. Parte deste valor (não revelado) será destinado a financiar negócios localizados nas regiões Norte e Nordeste.

“A emissão de Letras Financeiras atreladas a questões sociais reflete não apenas o nosso compromisso para geração de impacto positivo, mas também o apetite crescente dos investidores por esse tipo de título de dívida. Esta foi maior operação no mercado de capitais brasileiro com foco no tema de gênero”, afirma Daniel Goretti, diretor de Tesouraria do Itaú Unibanco, no comunicado enviado ao mercado.

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