“Nós somos uma startup acelerando agora porque precisávamos começar de algum lugar. Mas vamos ser grandes, muito grandes.” Assim resume no início da conversa Rodrigo Abreu, CEO da Quod, a nova gestora de inteligência de crédito do mercado brasileiro, que literalmente plugou seus servidores ao sistema financeiro no último trimestre de 2018, após um período complexo de gestação iniciado há três anos.
O objetivo de longo prazo da Quod é surfar no oceano azul da expansão do crédito no Brasil, tendo como forte oportunidade a mudança na legislação do cadastro positivo, que passará a incluir milhões de novos clientes “ficha limpa” no mercado. Depois de um longo processo de tramitação, o texto-base da nova lei foi aprovado no dia 13 de março de 2019 pelo Senado.
A falta de crédito é um dos gargalos para o crescimento brasileiro. Se em países desenvolvidos o crédito privado representa até 180% do PIB, esse número não chega a 50% no Brasil. Muito abaixo de economias similares, como o México ou África do Sul, que já superam os 80%. “Se conseguirmos aumentar em 30% o volume de crédito, estamos falando de uma injeção de R$ 1 trilhão na economia brasileira”, calcula Abreu. Para se ter uma noção desse valor, o PIB nacional em 2018 foi estimado em R$ 6,7 tri pelo Banco Central.
O estrategista por trás da Quod está bem habituado a grandes números. Engenheiro elétrico formado na Unicamp, com MBA pela Universidade de Stanford, Abreu já foi presidente da Cisco no Brasil e CEO da TIM. Dois negócios que têm tudo a ver com o que a nova empresa faz: infraestrutura de tecnologia e gestão de big data.
“Se conseguirmos aumentar em 30% o volume de crédito, estamos falando de uma injeção de R$ 1 trilhão na economia brasileira”[autor]Rodrigo Abreu, CEO da Quod[/autor]
O perfil dos acionistas mostra que a empresa não entrou no mercado para brincadeira. Nascida a partir da assinatura de um protocolo de intenções de janeiro de 2016, a Quod é fruto da união dos cinco maiores bancos brasileiros, o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander. O objetivo da associação é criar uma provedora robusta de gestão de dados para alavancar o ainda incipiente mercado brasileiro de cadastro positivo.
Ficha Limpa
Embora o assunto não seja novo – o cadastro positivo existe desde agosto de 2013 – o Brasil segue sendo a pátria dos negativados, em se tratando de crédito. Por décadas as grandes empresas de inteligência de dados do mercado oferecem soluções baseadas no cadastro de inadimplentes. Em consequência, quem deve tem acesso negado ao crédito e quem está com as contas em dia não goza de nenhum tipo de prestígio ou vantagem por conta disso. Pior, sofre com a escassez crônica de linhas de financiamento a juros razoáveis em um mercado orientado pela inadimplência. Sobretudo as pequenas e médias empresas, maiores geradoras de emprego no país. “Quando o mercado não dispõe de dados, você nivela o risco para cima e penaliza o bom pagador”, sintetiza Abreu.
Como o cadastro positivo brasileiro foi criado dentro do modelo “Opt-In” (o cliente ficha limpa precisa adicionar voluntariamente seu nome na base de dados), o volume até hoje cresceu muito pouco. São aproximadamente 7 milhões de inscritos, contra uma expectativa de 40 milhões que a Febraban, a federação dos bancos, tinha somente para o primeiro ano. Na prática, o rating de crédito continua navegando intacto no oceano vermelho da inadimplência.
Mas esse cenário deve passar por uma mudança radical, basta o Senado ratificar a nova lei aprovada pela Câmara em fevereiro. Os dois ajustes mais importantes são a introdução do sistema “Opt-Out” (o cidadão solicita sua retirada da lista) e a inclusão no cadastro de todos os bons pagadores de contas de serviços públicos, como água, luz e gás, entre outros. Isso implica em trazer para o universo do cadastro positivo milhões de pessoas que são pouco bancarizadas ou estão totalmente alijadas do sistema financeiro.
Com o aumento do cadastro positivo, empresa quer aproveitar cenário baseado em bom histórico de pagamento.
Tema controverso e alvo de críticas por parte de entidades de direitos dos consumidores pela exposição das informações para o mercado, o cadastro positivo ganhou um novo aliado em agosto de 2018. Foi a sanção pelo presidente Michel Temer da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que prevê uma série de salvaguardas para o uso e preservação de cadastros de indivíduos. Em seu artigo 7º, a lei versa sobre dez temas, entre eles os dados econômico
s dos cidadãos. A boa notícia, segundo Abreu, é que a lei do cadastro positivo fica estabelecida como o marco regulatório no aspecto financeiro. Isso ajuda a legitimar a legislação baseada no “Opt-Out”. Criticado por parte do mercado por ser restritiva, a nova Lei Geral é um avanço “para quem trabalha com dados da maneira ética e correta”, opina o CEO da Quod.
Os 100 milhões
Líderes: (encima, da esq. para a dir.) Silvia Biondo Schmädel (Diretora de RH), Rodrigo Abreu (CEO), Antonio Pina (CTO); (embaixo, da esq. para a dir.) Luiz Flaviano dos Santos (COO) e Alex Veloso (CFO)
Modernizada a legislação do cadastro positivo, 2019 pode ser um ano de grande transformação na carteira de empréstimos do mercado. “Não existe uma bala de prata para a questão dos juros e do financiamento privado na economia, mas essa é uma oportunidade enorme para os bancos mudarem o cenário de crédito no país”, afirma Abreu. Não por acaso, as cinco maiores instituições do mercado estão há três anos formatando o modelo da companhia, que passou por todas as etapas de certificação e escrutínio do CADE, o órgão de defesa da concorrência no Ministério da Fazenda, para assegurar seu posicionamento no mercado.
Embora não revele investimentos, a Quod demandou um aporte pesado de recursos para oferecer uma estrutura completa de gestão de big data, não só para os bancos associados, mas para todo o mercado. “Estamos nos estruturando para movimentar algumas centenas de milhões de reais em receita, por isso precisamos de muita escala de negócios. Caso contrário, seríamos só uma central de custos para os bancos associados”, explica.
Com um time multidisciplinar de 50 pessoas e muito expertise em tecnologia, a companhia estruturou dois datacenters em 18 meses, contando como parceira estratégica a americana LexisNexis Risk Solutions, que atua em mais de 100 países em gestão de bancos de dados e cadastros positivos. Oficializada em junho do ano passado, a companhia ligou efetivamente as turbinas no final de outubro e já está trocando informações entre 60 instituições financeiras.
Inicialmente, a oferta da empresa está em produtos de compliance, análise de risco de identificação digital e cadastro de inadimplência, mas a empresa se prepara para ofertar um portfólio muito mais amplo já a partir de 2019. No radar estão soluções de daba base, data analytics, score de crédito de clientes, prevenção a fraudes e análise de comportamento do consumidor.
Os pacotes de soluções estão divididos em três grupos de clientes, o mercado financeiro (grandes bancos, seguradoras e fintechs), grandes empresas (indústria, varejo e serviços) e Pequenas e Médias Empresas. Como diz Abreu: “Estamos nos estruturando para atender a toda a população economicamente ativa do Brasil”.
Algo como 100 milhões de pessoas.
Raio-X
Foco: gestão de big data financeiro.
Lançamento: junho de 2018.
Equipe: 50 colaboradores.
Sócios: Banco do Brasil, CEF, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.
Parceiro Tecnológico: LexisNexis Risk Solutions (EUA).
Estrutura: dois datacenters.
Estratégia: oferecer um pacote abrangente de soluções de dados financeiros para bancos, fintechs, indústria, varejo de grandes a microempresas.
Produtos atuais:Compliance, Análise de risco de identificação digital e Cadastro de inadimplência.
Produtos no Pipeline (2019): Score de crédito de clientes e Relatórios estruturados para formar cenário de crédito.
Texto: Arnaldo Comin
Fotos: Mário Águas/Experience Club