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Transformação Digital

Transformação Digital - Experience Club

Ideias centrais: 

1 – Entendemos como digital a convergência de múltiplas tecnologias inovadoras potencializadas pela conectividade, que atenderão de maneira superior a uma demanda latente da sociedade ou do consumidor. 

2 – Contemplar as demandas e a mudança de hábitos dos clientes pode apontar os caminhos da transformação digital, isto é, onde a empresa deve concentrar seus esforços para continuar relevante e quais competências não pode dispensar. 

3- Uma vez que os negócios que mais cresceram no início do século 21 adotam o modelo de plataforma, não há como falar de transformação sem passar por essa estratégia. 

4 – Gastar tempo e energia com comunicação permite resolver dúvidas e diminuir o bloqueio em relação ao novo. Quando as pessoas conhecem a estratégia que guia as decisões e a direção da empresa, tendem a se sentir mais seguras. 

5 – Um dos desafios que temos é encontrar soluções para que ninguém passe ao largo da transformação digital e todos possam ter acesso a condições de vida digna. Com a palavra, a educação de qualidade. 

Os autores 

[Assista ao depoimento exclusivo sobre a obra]:

Antonio Salvador é executivo, conselheiro e investidor de startups. Trabalhou em grandes empresas como PwC, HP, Ambev, IBM, Mercer e Grupo Pão de Açúcar, onde foi chief digital officer (CDO). 

Daniel Castello é mentor Endeavor, consultor e palestrante. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de tecnologia e estratégia. 

Introdução 

Assim, observando de perto a dificuldade de empresas tradicionais e conhecendo casos nacionais bem-sucedidos na jornada de transformação digital, retomamos a ideia de escrever um livro, dessa vez para líderes de organizações que estão sem rumo ou em busca de uma bússola mais precisa em meio a tantas informações e pressão de mercado.

Na mesma época, criamos um curso de transformação digital para executivos e o podcast Gente Digital em parceria com a escola de negócios StartSe, focada em conteúdos para a “nova economia”. Os conteúdos caminharam paralelamente, com o mesmo objetivo: inspirar profissionais e líderes de empresas tradicionais e mostrar que é possível se adaptar ao novo cenário e sair mais capacitado da turbulência. Esperamos ser um estímulo para aqueles que se sentem frustrados com o tamanho do desafio e para quem já topou ir ainda mais longe, mais rápido. 

No meio dessa jornada, o mundo foi atingido pela pandemia da Covid-19. O enfraquecimento da atividade econômica causou danos a muitas empresas, mas parece ter acelerado a transformação em várias delas. As mudanças em relação ao trabalho remoto e ao varejo foram as primeiras a se tornar evidentes.

De uma semana para outra, com a imposição da quarentena, os negócios que resistiam ao home office precisaram se adaptar, todas as reuniões passaram a ser por videoconferência e as compras pela internet no Brasil dispararam cerca de 40%, obrigando os varejistas a reforçar seu e-commerce e organizar a logística de atendimento e entrega. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Amazon afirmou, no final de março de 2020, que estava contratando 100 mil pessoas para trabalhar em seus centros de distribuição. 

Capítulo 1 – Entendendo o problema 

Sem dúvida, a tecnologia faz parte da transformação digital, mas, como a Gerdau percebeu, é só um elemento dela. Certamente não foi a primeira nem será a última empresa a chegar a essa conclusão. É comum que, na ânsia de se tornarem digitais, as companhias optem pelas soluções mais apelativas e com implementação mais rápida – como um drone sobrevoando o estoque. No entanto, o que realmente faz a diferença não é óbvio nem fácil de implementar. 

Afinal, o que significa “digital”? O que transforma digitalmente uma empresa, além de uma tecnologia? 

Comecemos por um alinhamento de conceitos. Entendemos digital como a convergência de múltiplas  tecnologias inovadoras potencializadas pela conectividade, que atenderão de maneira superior a uma demanda latente da sociedade ou do consumidor. São ferramentas como big data, computação em nuvem, internet das coisas, sensores, inteligência artificial, blockchain e realidade aumentada. Ao utilizá-las, é possível melhorar a performance, ganhar eficiência, expandir o alcance de um produto ou de um serviço, conectar pessoas e dispositivos instantaneamente, em qualquer lugar. Isso é o básico. 

A jornada da transformação digital tem três estágios, que às vezes coexistem. O primeiro – e menos complexo – é embarcar na empresa novas ferramentas, colocar a tecnologia para facilitar o trabalho já existente, trocando processos físicos por digitais e automatizando tarefas. Isso permite construir uma infraestrutura que facilitará o ganho de escala no futuro. Por exemplo, criar uma camada de atendimento ao cliente com chatbot (robô que pode coversar com os usuários) para resolver as dúvidas mais comuns; usar um algoritmo para incluir novos funcionários e dependentes no plano de saúde da organização, sem que isso precise ser feito manualmente 

O segundo estágio é a transformação digital de funções. A adoção de novas tecnologias altera os papéis das pessoas na empresa. Em alguns casos, as funções têm de ser completamente redesenhadas, impactando a rotina de áreas inteiras, como recursos humanos (RH), finanças e supply chain. No caso do chatbot, as solicitações transferidas para a equipe de atendimento mudam, mas, provavelmente, o contato humano será necessário para solucionar problemas mais complexos. No varejo,, quando uma rede se torna omnichannel, integrando seus canais de atendimento, um gerente de loja precisará  atender tanto os clientes  do espaço físico como os que vierem retirar produtos online, ou seja, nesse caso, a função de atendimento ao cliente é totalmente transformada. 

O terceiro estágio – e o mais complexo – é a transformação digital do negócio, que acontece quando a empresa se reinventa usando as tecnologias digitais disponíveis e os novos modelos de negócio que melhoram sua performance como um todo. Tem a ver com a capacidade de entrar em novos mercados e a maturidade para oferecer uma nova proposta de valor aos clientes. Diz respeito ao comportamento, cultura e estratégia e está intimamente relacionado à adoção de uma nova mentalidade. Portanto, muito mais que tecnologia, a transformação digital de negócio  trata do modo de operar e de raciocinar na organização. Exige que se redefina o papel das pessoas no ecossistema e que se reconsidere a missão da empresa no mundo. Como descreve Marcus Hadade, cofundador e CEO da Arizona, a maior empresa de cross media e plataforma de gerenciamento de campanhas no Brasil, o digital é apenas o meio. “A transformação depende das pessoas. A máquina não faz nada sozinha.” 

Considerado uma referência para empreendedores, o livro A startup enxuta, do norte-americano Eric Fries, sintetiza boa parte da mentalidade que ainda caracteriza as empresas inovadoras. Seu conceito mais relevante é a obsessão pelo cliente, a grande mudança trazida pelas startups. Elas absorvem o máximo de insights possível sobre a dor e o comportamento dos consumidores que querem atingir e procuram adaptar o produto às necessidades descobertas. Testam rápido, implementam rápido e corrigem a rota rápido, sempre que necessário. 

A pandemia relembrou a todos, de maneira radical, que fazer nada é a receita para assistir de camarote a seu mercado encolher todos os dias. Executivos e empreendedores tiveram de rapidamente buscar soluções para consumidores com novas demandas e funcionários que precisavam de um novo modelo de trabalho. Quanto mais cedo as ações são colocadas em prática, melhor é, porque a mudança nos negócios envolve muito mais detalhes do que só comprar uma nova tecnologia. 

Lembrete 

Conceituando. Transformação digital é muito mais do que tecnologia. É o redesenho da operação, da forma de gerar valor ao consumidor, do modo de pensar e da maneira de competir. 

Capítulo 2 – Encontre seu foco 

Portanto, foco não é fazer as escolhas fáceis, adiar para a semana que vem aquela tarefa chata e nem tão urgente assim ou aquele projeto com baixo potencial. É fazer sacrifícios, deixar de lado, no caso de empresas, aquilo que tanto seu racional como seu emocional dizem que é algo interessante, mas que não é o mais certo para aquele momento. 

Foco por linhas tortas. Os paulistas e outros turistas que se aventuram a conhecer o Bar Lagoa geralmente relatam experiências terríveis Os garçons dizem que não há lugar disponível, mesmo quando uma mesa está vazia. Quem ousa sentar sem autorização descobre logo que não adianta brigar – os funcionários retiram a mesa escolhida e a levam no muque para outro canto, para acomodar um cliente fiel que acaba de chegar. 

Os garçons do Bar Lagoa podem não ser os mais amados pelos forasteiros, mas o propósito é claro. Para os consumidores fiéis, que pagam a conta do mês, eles oferecem a melhor experiência e carinho. Isso faz com que frequentadores assíduos sabem que nunca disputarão a atenção com os turistas, o que torna o local um refúgio para os moradores. 

Em meio às transformações, é grande o risco de perder o norte e esquecer os fundamentos. O primeiro passo para manter o foco é a organização saber quem é. Crenças não devem ser jogadas fora ao menor sinal de mudança. Ao contrário, o importante nessa hora é se lembrar delas. O que a companhia mais preza? Do que abre mão? Quais são suas fortalezas. 

Como afirma Sunil Gupta, professor de Harvard e especialista em estratégias digitais, as empresas tendem, com frequência, a ser seduzidas pela última tecnologia ou pelo modelo de uma startup da moda. “Mas, enquanto as incumbentes devem sempre aprender com os outros negócios, elas devem permanecer fiéis a seu DNA e usar os ativos que possuem.” 

No início da transformação digital no Grupo Pão de Açúcar, por exemplo,  havia dois aspectos que não seriam colocados em xeque. O primeiro era a manutenção da loja – o ponto físico se transformaria, mas permaneceria como aspecto fundamental do negócio -, e o segundo, bastante pragmatismo, típico do varejo, e a necessidade de retorno de curto prazo – não adiantaria sonhar com projetos que precisassem de alto investimento para entregar resultado em cinco anos. Esses seriam os balizadores. 

Ouvir o cliente é fundamental para que as organizações definam seu foco e tomem decisões. Elas precisam reavaliar o valor que entregam e questionar: “Por que esse negócio existe? A qual necessidade ele atende?” 

Entender as demandas e a mudança de hábitos dos clientes pode apontar os caminhos da transformação digital, isto é, onde a empresa deve concentrar seus esforços para continuar relevante e quais competências não pode dispensar. 

Claro que a crise gerada pelo novo coronavírus em 2020 adicionou energia ao rodamoinho. Muitas empresas tiveram sua rotina alterada e o setor de educação precisaram se adaptar à nova realidade em poucas semanas. Por exemplo, o setor de educação, que aparecia apenas em oitavo lugar na edição 2019 do Digital Vortex – o ranking é atualizado a cada dois anos -, foi imediatamente impactado com o fechamento de escolas. Como estruturar a aulas online? Como garantir a continuidade do ano letivo com os alunos em casa? Os colégios precisaram dar uma resposta em poucos dias. 

Lembrete 

Valores. Ache as “pepitas de ouro” da companhia, sejam elamarca, conhecimento do cliente ou logística. Suas vantagens competitivas serão o diferencial em relação às concorrentes. 

Capítulo 3 – As estratégias 

No momento em que seu mercado ou seu negócio sofrem um chacoalhão, quais são os caminhos possíveis para se defender? Além de saber o que é inegociável para a empresa e quem são seus clientes, épreciso construir (ou revisar) a estratégia. Ou seja, considerando o novo cenário, quais iniciativas devem ser interrompidas? Quais oportunidades surgem? Quais planos manter à espera da retomada quando a poeira baixar? 

Nos últimos anos, com a aplicação de novas tecnologias, as estratégias de competir por preço e por experiência continuam válidas, mas surgiu um terceiro território de vantagem competitiva a explorar: as plataformas. É como a Uber atua, por exemplo. Seu objetivo é juntar cada vez mais fornecedores e consumidores para que eles se encontrem nesse único ambiente virtual. Quanto mais usuários conectados, mais barata ficará a solução e melhor será a experiência, pois haverá cada vez mais motoristas próximos e disponíveis para atender os passageiros. 

Uma vez que os negócios que mais cresceram no início do século 21 adotam o modelo de plataforma, não há como falar de transformação sem passar por essa esta estratégia. É a nova forma de estar no mundo digital. Segundo Geoffrey Parker, Marshall van Alstyne eSabgeet Paul  Chouday, autores da livro Plataforma: a revolução da estratégia, a estratégia evoluiu do controle de recursos internos exclusivos para a orquestração de recursos externos; passou do estabelecimento de barreiras competitivas para a conquista de comunidade vibrante. 

Foi buscando novas formas de gerar valor para o cliente que a multinacional brasileira Votorantim Cimentos começou seu programa de fidelidade B2B (business to business, ou de empresa para empresa), logo convertido numa plataforma. O executivo Antonio Serrano havia chegado recentemente à empresa como gerente-geral, após uma carreira na consultoria de estratégia Bain&Co. Analisando o mercado percebeu que a rotatividade de lojas de material de construção que compravam os produtos da Votorantim Cimentos com regularidade era alta. Para aumentar a fidelidade, a equipe criou, em 2014, o programa de pontos Juntos Somos Mais. Quanto mais as lojas comprassem tanto em volume como em mix de produtos, mais pontos ganhariam. No resgate, poderiam trocar por prêmios que ajudariam a desenvolver o negócio, como cursos, consultorias, uniformização da equipe e material de informática. O diferencial de Juntos Somos Mais foi perceber a possibilidade de construir uma plataforma a partir disso e desenvolver novos negócios criando o efeito de rede. Foi assim que outras duas gigantes do setor, a fabricante de materiais hidráulicos e a produtora de aços Gerdau se juntaram à plataforma Juntos Somos Mais, com números soberbos: 80 mil lojas cadastradas. 

Lembrete 

Plataforma. Os componenteschave de uma plataforma são: dissociação entre ativos e valor; reintermediação; a agregação de mercado. Plataformas são animais grandes, com margem bruta alta e efeito drede. 

Capítulo 4 – Cultura e mindset 

Um dos aspectos fundamentais da transformação digital é a mudança cultural. Organizações são construídas por gente, não por máquinas ou planilhas. Inovações e estratégias são imaginadas por pessoas. E, se elas continuarem operando com a mesma cabeça do passado, não serão agentes de transformação. 

Hiperatenção é a capacidade de observar o ambiente de negócios e constantemente coletar informações para detectar mudanças ou oportunidades. A hiperatenção está relacionada à habilidade de capturar o Zeitgeist (o espírito do tempo, de época), ou seja, entender os pensamentos e sentimentos  vigentes na população e farejar as tendências, compreender o caldeirão cultural que define os anseios e as motivações de determinado grupo de pessoas. 

Já um exemplo positivo de campanha alinhada com o espírito do tempo é o da ação da Nike lançada durante o movimento Black Lives Matter (Vidas negras Importam), em 2020, que ganhou repercussão mundial após morte do afroamericano George Floyd, 46 anos, sufocado por um policial que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem. Partindo de sés slogan “Just do it” (Apenas faça), a empresa pediu; “For once, don’t do it” (Dessa vez, não faça). 

Para colocar essa habilidade em prática, a Natura estruturou uma área chamada inteligência de marketing, cuja equipe analisa o público com quem a marca se relaciona. O objetivo é acompanhar o mercado e as necessidades das pessoas para entender quais produtos atendem melhor às novas demandas e quais as principais categorias que potencialmente perderão espaço. 

Respeitar a diversidade e criar um ambiente diverso também são competências fundamentais para uma organização se reinventar. Se a hiperatenção é ter os radares  ligados, a diversidade é garantir a maior quantidade possível de radares, apontado para várias direções. 

Certa vez, em uma reunião de conselho, a liderança de uma empresa que conhecemos estava discutindo como poderia oferecer um serviçp para o público de classe D. O debate durou alguns minutos até que surgiu o questionamento: “Mas o que nós sabemos sobre o cotidiano das pessoas com essa renda? Qual e o problema que eles têm? Onde moram?” Ninguém sabia responder. Todos os participantes da reunião eram de classe A e estavam distantes do contexto dos clientes. Decisão: fazer uma consulta ao público-alvo do produto pretendido. 

Marcos Hadade, cofundadora da Arizona, dá o exemplo da mídia. Antes da internet, as empresas criavam um anúncio para revistas, outro para jornais, outro para televisão e era difícil medir o impacto da campanha nos consumidores. Agora, os anunciante fazem centenas de peças publicitárias para uma única campanha, criando testes A/B para saber qual layout atrai mais cliques, qual é o mais popular entre os diferentes públicos-alvo, em qual momento do dia as pessoas acessam o anúncio e qual a taxa de conversão da campanha. Os dados em abundância permitem conclusões rápidas sobre o que está funcionando ou não. O que apresenta o melhor desempenho fica no ar. É mais ou menos assim, por tentativa, erro e análise, que funciona a cultura da experimentação – outra competência  fundamental para as organizações realizarem a transformação digital. 

Lembrete 

Dados e decisões. Tenha muitos dados e tome por base os fatos, mas nunca deixe de usar a sensibilidade que os faz humanos. Lembre-se de que estatísticas não tomam decisões. 

Capítulo 5 – Na prática 

Acreditamos que os líderes precisam se comportar como maestros de uma orquestra, coordenando todas essas frentes de trabalho. Pesquisadores da escola de negócios suíça Institute for Management Development (IMD) afirmam em seus modelos de transformação digital “que estabelecer  uma direção estratégica é como compor uma sinfonia”. Depois, para que essa sinfonia seja executada sem se tornar cacofonia, cada parte da orquestra deve entrar em ação no tempo certo, de maneira harmônica e coordenada. Pessoas de uma empresa em plena transformação digital são como músicos que se conheceram há pouco tempo, descobrindo qual é seu papel e como colocar suas habilidades a serviço do todo. Os executivos responsáveis pelo grupo precisam cuidar para que essa interação não vire bagunça. 

Ter um processo formal de governança é fundamental. Com muitas frentes abertas ao mesmo tempo corre-se o risco de bater cabeça. O desafio é encontrar o delicado equilíbrio entre não perder de vista as prioridades e a urgência de mexer em muitos processos simultaneamente. Esse desafio foi enfrentado por Antonio Salvador no Grupo Pão de Açúcar. Ele conta a façanha a seguir. Transcrevemos aqui apenas o início do relato. O restante o leitor pode apreciar neste livro à pág. 131 e seguintes. 

“Como contribuí para a transformação digital no Grupo Pão de Açúcar 

O ano de 2018 estava começando. Eu era vice-presidente do Grupo Pão de Açúcar (GPA), a maior varejista do país, e cuidava das áreas de recursos humanos, sustentabilidade e tecnologia. Naquele momento, no time de gestão, conversávamos com frequência sobre a necessidade de acelerar o processo de transformação. Era claro para nós que o varejo estava mudando rápido, e um grupo que sempre foi inovador tinha, mais uma vez, que se reinventar.” 

Gastar tempo e energia com comunicação permite resolver duvidas e diminuir o bloqueio em relação ao novo. Quando as pessoas conhecem a estratégia que guia as decisões e a direção que a empresa está seguindo, tendem a se sentir mais seguras. Elaborar uma narrativa que esclareça a visão de futuro e detalhe os caminhos que serão explorados  nos meses seguintes contribui para criar engajamento. 

Uma das maneiras de cuidar da comunicação é estabelecer rotinas e criar momentos que funcionem como pontos de encontro para falar sobre a transformação em curso. No caso do GPA, a necessidade mais evidente foi a de um diálogo profundo com os líderes responsáveis pelas iniciativas digitais. Como a experiência mostrou, um canal aberto para os executivos compartilharem sem hesitações e dificuldades aumentou a cooperação entre os times. Por sua vez, a pessoa encarregada de definir as prioridades da transformação digital precisa estabelecer contato frequente com todas as áreas que colaboram com as tarefas, para que as equipes entendam o ritmo e a estratégia por trás das metas e missões. 

Além de embarcar softwares, a utilização de tecnologia também inclui novos equipamentos. Em uma fábrica, drones podem facilitar as manutenções de rotina. A Ford anunciou em 2018 que estava usando os equipamentos em uma de suas unidades na Inglaterra para verificar máquinas e instalações nas áreas mais altas. O novo método não só reduziu o tempo de inspeção de 12 horas para 12 minutos, como , principalmente, evitou a necessidade de fechar a fábrica para montar andaimes que serviam de suporte aos funcionários e os riscos de colocá-los em grandes alturas. 

Outra tecnologia que pode ser aplicada em processos de transformação digital são sensores e sistemas de gestão de bancos de dados, que ajudam a coletar informações e encontrar padrões tanto do comportamento do clientes como dos colaboradores nos processos internos da empresa. 

Os sensores permitem medir a realidade de maneira objetiva, coletando evidências do comportamento do consumidor, e podem ter as mais diversas formas. No caso da Nike, era um dispositivo colocado no tênis. Hoje, porém, um único smartphone possui dezenas de sensores – os aparelhos sabem onde o usuário está, a que velocidade está se movendo e por quanto tempo usa cada aplicativo, por exemplo. Da mesma maneira, as redes sociais coletam centenas de dados de navegação para entender os interesses dos usuários, sabendo quais suas páginas preferidas e que tipo de imagem ou tema chama sua atenção. 

Lembrete 

Preparo. Para operar de modo digital, é necessário adquirir infraestrutura e componentes, avaliando o que desenvolver dentro de casa ou obter por meio de fornecedores ou aquisições. 

Capítulo 6  – Transforme sua empresa, mas não se esqueça do mundo 

A transformação digital está introduzindo novas exigências de qualificação em todos os níveis da cadeia de valor e grande parte da população não consegue acompanhá-las. Por falta de oportunidade para se preparar para a mudança, por falta de recursos parai investir em formação, por falta de uma educação de base que permita construir conhecimento ou até mesmo por falta de consciência sobre a necessidade de adquirir novas competências rapidamente, há muita gente sendo excluída em uma sociedade cda vez mais digital. 

A série espanhola As telefonistas, exibida pela Netflix, é um bom exemplo desse dilema. Retrata a rotina de algumas mulheres na década de 1920 para as quais a companhia telefônica foi uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Em uma das temporadas, o surgimento de uma central que automatiza as chamadas e que acabará com o trabalho das telefonistas revolta as funcionárias. Há uma briga na liderança da empresa, que se vê diante de um dilema: implementar a inovação e destruir empregos ou tentar sabotar a nova tecnologia 

Um dos caminhos para as empresas contribuírem para a sociedade é planejando e antecipando cenários. Ricardo Patah, da UGT, nos contou que, quando conheceu o arquivo da AT&T, nos Estados Unidos, havia 500 funcionários trabalhando nele. A companhia estava desenvolvendo um novo, mais moderno, que operaria com apenas 50 pessoas, mas, um ano antes, já tinha definido quem permaneceria no arquivo, treinado os 200 colaboradores que desempenhariam outras atividades na organização e qualificado os 250 que seriam direcionados a outras empresas. Patah lamentou não ver esse tipo de planejamento no Brasil, e concordamos com ele. 

Ganhando visibilidade na crise da pandemia, os entregadores aproveitaram o momento para chamar a atenção para suas causas. No início de julho de 2020, organizaram protestos em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro por melhorias das condições de trabalho. Entre as reivindicações para plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats estavam o aumento do valor por quilômetro e do mínimo para entrega e um seguro contra roubos e acidentes. 

Um dos desafios que temos de considerar é encontrar soluções para que ninguém passe ao largo da transformação digital e todos possam ter acesso a condições de vida digna, porque é preciso estar minimamente inserido na cadeia de valor para conseguir subir – nesse sentido, apostamos na educação de qualidade para todos como resposta para a inclusão e a redução da desigualdade. 

Na crise da pandemia, até o governo brasileiro teve que se virar, inovar. Desde o início da pandemia até o início de agosto de 2020, o governo transformou 251 serviços em digitais para facilitar o acesso da população. O número de acessos ao portal Gov.BR, que concentra todos os serviços digitais do governo federal, quase triplicou – de 4,6 milhões em janeiro para 12,1 milhões em junho. Essa mudança pode ser considerada o primeiro estágio da transformação digital: por meio de novas tecnologias, altera-se a camada de atendimento. Contudo, a tendência é que, com o tempo, isso ajude também a mudar a maneira como esses serviços são pensados e prestados, tornando-os mais eficientes. 

Ficha técnica: 

Título: Transformação digital – uma jornada que vai muito além da tecnologia 

Autores: Antonio Salvador e Daniel Castello 

Primeira edição: Atelier de conteúdo 

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