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The Power Law: Venture Capital and the Making of the New Future

Uma análise da mentalidade que move os mais famosos capitalistas de risco do mundo através da reconstrução de célebres transações que triunfaram e fracassaram nas últimas décadas

Ideias centrais:

1 – “O futuro não pode ser predito, pode somente ser descoberto.”

2 – “A inovação no varejo não veio da Walmart, mas da Amazon. A inovação na mídia não veio da revista Time ou CBS, mas sim do YouTube, Twitter e Facebook. A inovação espacial não veio da Boeing e Lockheed, veio da SpaceX, de Elon Musk. A próxima geração de carros não veio da GM e Volkswagen, veio de outra empresa de Musk, a Tesla. Não consigo pensar numa única grande inovação que tenha partido de expertos nos últimos 30, 40 anos. Pense nisso. Não é espantoso?”

3 – “É da natureza do jogo de capital de risco que a maioria das tentativas de descoberta fracassa, mas muito poucas conseguem uma tal escala de sucesso que compensa todo o resto. Essa proporção extrema de sucesso e fracasso é a lei do poder que impulsiona o negócio de capital de risco, todo o Vale do Silício, o setor de tecnologia mais amplo e, por extensão, o mundo.”

4 – “Lei do Poder: a ideia de que, embora a maioria das startups acaba valendo zero, um punhado de outras decola exponencialmente”.

5 – “Eu penso que o passado não é, necessariamente, um guia para o futuro”.

Sobre o autor:

Sebastian Christopher Peter Mallaby, 58 anos, formou-se em primeiro lugar em História Moderna pela Universidade de Oxford, trabalhou (e agora voltará a escrever) no jornal The Washington Post e esteve também na revista The Economist, que o enviou à África do Sul para a cobertura da libertação de Nelson Mandela e o fim do apartheid, e ao Japão, quando do colapso do consenso político e econômico nos anos 90.

Já publicou vários livros, entre eles uma biografia de Alan Greenspan, que presidiu o banco central americano, o FED; a história da indústria de fundos de hedge, More Money Than God; um raio X do Banco Mundial, na gestão de James Wolfensohn, The World’s Banker, e After Apartheid, em 1992. Ele é membro sênior de economia internacional do Council on Foreign Relations. Casado com a jornalista britânica Zanny Minton Beddoes, os dois têm quatro filhos.

Introdução:

Certa vez fui convidado a visitar o andar debaixo da Disneyland, na Califórnia — na verdade o térreo, ao nível do chão, e o parque em cima. A entrada, só para funcionários, ficava na Fantasyland, mas não levava a nenhuma fantasia. Ao contrário: a porta, ainda hoje, abre para o dia a dia real que produz o mundo de sonhos do 1º andar. Ali acontece a magia do Magic Kingdon. É um subterrâneo com túneis, e tem nome: “Utilidors” — corredores por onde passam artistas para emergir no lugar exato em que devem aparecer, os bastidores em que funcionários operam máquinas, abastecem os bares e restaurantes, e por onde todo o lixo segue em tubos até um compressor.

O livro The Power Law: Venture Capital and the Making of the New Future, mostra o andar debaixo desconhecido do mundo que gestou, antes que nascessem, a Apple, Cisco, 3Com, Facebook, Tesla, Hewlett-Packard, Uber, WeWork, Google e Netscape, entre muitas outras ex-unicórnios de sucesso no carrossel de Silicon Valley, na Califórnia, e agora, também, na China, Israel e Índia. “Power Law”, em ciência, é a “lei da potência”; para título provisório do livro, sem tradução em português, pode ser A Lei do Poder: Capital de Risco e a Construção do Novo Mundo. 

Por cinco anos, o escritor e jornalista britânico Sebastian Mallaby circulou na órbita dos mais famosos capitalistas de risco norte-americanos e chineses, com acesso sem precedentes à história de triunfos e fracassos que protagonizaram, e agora os conta em 482 páginas que incluem momentos de suspense, de intimidade, de novela e de análise — num texto muito bom de ler.

No mundo em que Mallaby mergulhou, o futuro não pode ser profetizado, só descoberto. “O futuro é incerto, e é isso que dá poder à lei do poder”,  diz. O progresso depende de homens insensatos, que buscam o improvável, ou o impossível. Um exemplo é dado logo nas primeiras linhas da introdução de Power Law. Lá está Patrick Brown, geneticista mundialmente famoso e professor da Universidade de Stanford, ajoelhado, cavoucando a terra para colher algumas raízes com as quais pretende liquidar a poderosa indústria internacional de carne. Estamos em 2010. Brown já tem a receita para um plantburguer que sangra como carne, assa como carne e pode ficar mais gostoso que um hambúrguer de carne.

Comida impossível

Foi quando um amigo lhe falou de um capitalista de risco interessado em projetos ambientais, Vinod Khosla, que acredita em soluções tecnológicas para a maioria dos problemas sociais. E quanto mais audaciosas, radicais e improváveis, melhor. Lá foi Brown, em sua bicicleta, ao escritório de Khosla Ventures. Enquanto o ouvia, Khosla pensava, como revelou depois a Mallaby: “Se houver uma chance em 100 dessa ideia dar certo, valerá a pena o investimento”. O capitalista de risco aposta no impossível. Basta um desses projetos vingar para cobrir o prejuízo com o fracasso de vários outros. O lucro no plantburguer pareceu tão suculento que Brown saiu do encontro com US$ 3 milhões para fundar a sua startup Impossible Foods.

Brown não liquidou a indústria de carne, nem salvou o planeta da poluição da boiada, mas seu lucro anual bateu os US$ 100 milhões, e rapidamente. Até a rede Burger King criou o Impossible Whopper. Para Khosla foi a confirmação de uma regra: “Melhor tentar e falhar, do que falhar em tentar”. Essa mesma lógica está por trás de apostas em carros voadores, turismo espacial e sistemas de inteligência artificial. “Alto risco, grande prêmio”. As ideias comuns, óbvias, que são facilmente plagiáveis, não rendem quase nada.

Quando trabalhou para o fundo Kleiner Perkins por 20 anos, Khosla investiu em várias startups na cola da banda larga da internet, então novidade. Numa delas, Juniper Networks, ele apostou US$ 5 milhões e obteve US$ 7 bilhões de retorno, ou 1.400 vezes mais, recorde na época. Em outro caso, um projeto de voice data, de uma startup chamada Cerent, ele convidou a gigante Cisco para participar como co-investidora. Mas ela recusou. Khosla resolveu ir adiante sozinho, apostando US$ 8 milhões. Bingo! Deu certo. Aí veio a doce vingança: a Cisco ofereceu US$ 300 milhões pela Cerent, em dezembro de 1998, e US$ 700 milhões, em abril de 1999. Ele não topou, em nome da Power Law. Aí veio uma nova oferta, quatro meses depois: US$ 7 bilhões. Khosla estava de  férias em Machu Picchu, no Peru, quando recebeu a informação. Pegou um helicóptero, depois um avião e, no dia seguinte, estava em San Jose, fechando o negócio durante um café da manhã.

Sebastian Mallaby reproduz a lição de Khosla: “A inovação no varejo não veio da Walmart, mas da Amazon. A inovação na mídia não veio da revista Time ou CBS, mas sim do YouTube, Twitter e Facebook. A inovação espacial não veio da Boeing e Lockheed, veio da SpaceX, de Elon Musk. A próxima geração de carros não veio da GM e Volkswagen, veio de outra empresa de Musk, a Tesla. Não consigo pensar numa única grande inovação que tenha partido de expertos nos últimos 30, 40 anos. Pense nisso. Não é espantoso?”

Mentalidade e impacto social

O livro The Power Law tem dois objetivos amplos — conta Mallaby. “O primeiro é explicar a mentalidade por trás do capital de risco. Há dezenas de histórias de Silicon Valley focadas nos inovadores e empreendedores; (mas) tem havido poucos esforços de se colocar sob a pele de quem financia e muitas vezes estrutura as empresas. Através de uma reconstrução de célebres transações, como nos casos da Apple, Cisco, Uber e WhatsApp, a história nestas páginas revela o que acontece quando o capitalista de risco e uma startup se conectam, e por que o risco é tão diferente de outros tipos de financiamento. A maioria dos financistas distribui escasso capital com base em análises quantitativas. Os capitalistas de risco encontram gente, encantam gente, e quase nunca se preocupam com planilhas.”

O segundo objetivo do livro, continua Mallaby, é o de “avaliar qual o impacto social do capital de risco”, pois aqueles que fazem as apostas dizem, frequentemente, que estão tornando o mundo um lugar melhor. Um exemplo seria o Impossible Foods. Mas, e os videogames e a mídia social que provocam dependência e promovem fake news?

“O sucesso tem muitos pais, e Silicon Valley não é uma exceção”, conclui Mallaby ao emergir do mergulho às origens de onde brotou, “milagrosamente”, tanta inovação concentrada em uma única região. As primeiras sementes talvez tenham sido plantadas em 1951, pelo engenheiro e reitor da Universidade de Stanford, Fred Terman, ao criar o Research Park (Parque de Pesquisa).

Em outra versão, o verdadeiro semeador teria sido o cientista britânico William Bradford Shockley, o inventor do semicondutor e Prêmio Nobel de Física de 1956, ano em que ele decidiu abandonar a Costa Leste dos EUA pelo campus de Stanford. Ainda há uma terceira hipótese, a que ganha mais força no livro: no início, foram os Traitorous Eight, ou os Oito Traidores. E por que? Porque na trajetória deles está a força e o espírito que marcam o Silicon Valley de forma tão distinta.

Os oito jovens pesquisadores, reunidos por Shockley, no verão de 1957, o “traíram”, abandonando-o, porque não suportavam mais a maneira imperial e a mão pesada com que ele os tratava. Revoltaram-se. Romperam as regras tradicionais de chefia, hierarquia e autoridade. Os hippies que fumavam maconha e calçavam sandálias já povoavam a Califórnia. Já existia também o que hoje chamamos de capital de risco, mas do tipo financiar sem financiamento as invenções tecnológicas tidas por arriscadas para a concessão de empréstimos bancários. Para alguns, um capital libertador.

Os Oito Traidores fecharam o primeiro negócio de capital de risco oficial. Estranharam, porque pensavam que teriam um chefe — e cada um deles se tornou chefe na empresa que fundaram, a Fairchild Semicondutor. Funcionaram como um chamariz. Quem tivesse alguma boa e ousada ideia, e fosse ambicioso, poderia se beneficiar do mesmo esquema. Havia muitos gênios vagando pelas ruas. Precisavam apenas de um banho e roupas limpas para um capitalista de risco os receber e apresentá-los a eventuais investidores.

A importância do movimento hippie

A Time Magazine publicou um ensaio, em 1995, em que atribui o sucesso de Silicon Valley aos antepassados dos atuais  hackers e nerds, e aos hippies. “Devemos Tudo aos Hippies” — titulou. Foram eles que transformaram os computadores em “ferramentas de libertação”. Que abriram “a estrada real para o futuro”. Que propagaram os princípios da contracultura: “Acesso aos computadores deve ser total, sem limites; Toda informação é livre; Desconfie da autoridade — promova a descentralização; Você pode criar arte e beleza no computador; e Computadores mudam nossa vida para melhor”.

Esse era o espírito californiano, mas não exclusivo dos Estados Unidos. O inventor da World Wide Web, o britânico Tim Berners-Lee, que vivia em Genebra, na Suíça, desprezava negócios. “Se você está interessado em usar código, escreva-me”, ele anunciou. Era grátis. Na Finlândia, Linus Torvalds criou o sistema operacional Linux e o distribuiu gratuitamente. Resumindo: “Não faltava criatividade fora de Silicon Valley, e nem, também, faltava contracultura anti-negócios”.

Mallaby escreve que, em sua atual encarnação, o capital de risco envolve uma série de transações. Quando uma startup é formada, recebe um adiantamento de US$ 1 milhão, em troca de ações, para desenvolver um primeiro protótipo. Se progredir, fará jus a US$10 milhões para contratar vendedores e atender aos primeiros clientes. Cada estágio tem a sua cota equivalente, até o sucesso ou o fracasso, a constatação de que não valerá mais a pena insistir na aposta. A maioria fracassa. Mas uma que dê certo basta para recuperar todas as perdas, e bem mais. O modelo se internacionalizou, alcançando a China, Israel, Índia e Europa.

A Apple atingiu o valor de mercado de US$ 3 trilhões. E nasceu graças ao capital de risco, depois de uma atribulada gestação. Hoje, Facebook, Google e Tesla dominam as carteiras de investimentos. A Kleiner Perkins apostou na Genentech, que desenvolveu a primeira insulina artificial, e teve um retorno 42 vezes maior do que bancou inicialmente.  A rebelião dos Oito Traidores, e os que a seguiram, explica como o Silicon Valley passou a ser o reino da inovação. “Políticos mundo afora tentaram entender o segredo do molho do Valley para engarrafá-lo”, diz Mallaby. “Eles têm que começar a entender o capital de risco”.

Conta-se que o Silicon Valley cresceu à sombra da Universidade de Stanford, beneficiada por contratos da Secretaria da Defesa. Não é verdade, segundo The Power Law. Se assim fosse, por que o Massachusetts Institute of Technology, ao lado da Universidade de Harvard, não produziu um poderoso grupo inovador? E quanto aos investimentos militares, por que Cambridge “não se tornou o centro do universo?” O primeiro transistor foi criado em 1947, no Bell Labs, em New Jersey. O primeiro software de servidor nasceu em Minnesota. O primeiro navegador (browser) gráfico teve o bilionário Marc Andreessen como co-desenvolvedor, na Universidade de Illinois.

A magia do Silicon Valley

“Nenhuma geografia domina inovação”, assegura Mallaby. Mas “no momento de transformar ideias em produtos de grande sucesso, o Silicon Valley é o lugar em que a mágica acontece”, ele acrescenta. “E a mágica brota graças ao capital de risco. Ao liberar o talento para converter ideias em produtos e ao casar experimentos não convencionais com difíceis metas comerciais, essa forma distinta de financiamento fomentou a cultura empresarial que tornou o Valley tão fértil”.

Uma outra questão que paira sobre The Power Law: o capital de risco criou o sucesso do Valley ou apenas se apresentou, oportunisticamente, para alavancá-lo? Quem foi o responsável pelo sucesso? Jeff Bezos, Elon Musk, Mark Zuckerberg? Ou os sujeitos sempre ocultos em Palo Alto ou Menlo Park, como Andreessen Horowitz, da Benchmark e Sequoia, Mike Moritz, Peter Thiel e Tom Perkins, da Kleiner Perkins, entre outros?          

Muito interessante no livro é que Mallaby acompanha o que acontece como se estivesse presente. Assim ficamos sabendo, por exemplo, o que disse Donald Valentine, da empresa de capital de risco Sequoia, depois de receber os dois Steves — o Jobs e o Wozniak.

— Ele parece Ho Chi Minh! (comparando Jobs ao revolucionário vietnamita)

E qual foi o comentário do dono da primeira loja de venda de computadores em New York, Stan Veit, ante a oferta de comprar 10% da Apple por meros US$ 10 mil?

— Vendo o longo cabelo desse hippie (Jobs) e seus amigos, eu pensei: serei a última pessoa no mundo a confiar a eles meus dez mil dólares…

O presidente da Intel, Arthur Rock, o investidor de risco dos Oito Traidores, também recebeu Steve Jobs. “Ele tinha acabado de voltar da Índia, onde esteve com seu guru. Não tenho certeza, mas deve ter passado um tempão desde que ele tenha tomado um banho.”

Mallaby entrevistou os principais líderes em tecnologia e capital de risco, principalmente aqueles que apoiaram as empresas que se tornariam gigantescos sucessos mundiais. A sua intenção declarada foi a de explicar “a mentalidade por trás do capital de risco” e “avaliar seu impacto social”. A mentalidade a que ele se refere está contida no título, A Lei do Poder, a ideia de que, enquanto a maioria das startups valerá zero, um fracasso, algumas poucas vão decolar exponencialmente. Em vez de uma curva como a de um sino, uma longa cauda onde os vencedores avançam em grande velocidade. É uma verdadeira aventura com tecnologias que estão ainda distantes de um empréstimo bancário tradicional. (Hoje, a0s 90 anos, um filantropo, Arthur Rock repete uma boa frase: “Não quero ser o mais rico corpo no cemitério”.

Fracassar faz parte

O grande fracasso da leva de startups criadas no Silicon Valley foi a Theranos, que prometia revolucionar o mercado de saúde realizando diagnósticos precisos para centenas de doenças, a partir de uma gota de sangue. A universitária Elizabeth Holmes abandonou a faculdade de Engenharia Química da Universidade de Stanford, em 2003, para fundá-la. Tinha 19 anos e foi recebida no Silicon Valley como uma “queridinha”. Levantou US$ 1 bilhão em pouco tempo. A revista Forbes a chamou de “a mais jovem bilionária self made do mundo”. Em 2015, porém, o The Wall Street Journal denunciou que a tecnologia em que a Theranos se baseava não era precisa. O Departamento de Justiça e a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos iniciaram uma investigação.

O julgamento de Holmes foi concluído em janeiro de 2022. Acusada de 11 crimes, acabou culpada de quatro — três acusações de fraude eletrônica e uma de conspiração para fraudar investidores. A sentença não saiu ainda. Poderá chegar a 20 anos de prisão, mais multa de US$ 250 mil para cada crime cometido. Isto não está no livro, mas Mallaby se sentiu no dever de defender os capitalistas de risco desacreditados, em artigo para jornal. Ele lembrou que os maiores investidores da Theranos foram “turistas”. A lista inclui os ex-secretários de Estado Henry Kissinger e George Schultz, a família Walton (US$ 150 milhões), o barão da mídia Rupert Murdoch (US$ 121 milhões), a família de Betsy DeVos (Amway) e os Cox, donos de estações de rádio e TV. Para os que são do ramo, o fim de uma startup está na conta do risco de fracasso, que será coberto por outra que dê certo.

A crítica que Mallaby aceita é a de que  no mundo do capital de risco há muitos homens, muitos brancos, muitos Harvard ou Stanford, uma monocultura a ser rompida. Mulheres são 16% nas empresas de investimento de risco. Negros, 3%.

O capítulo sobre a China, no The Power Law, é revelador. Quem diria que a fase inicial da tecnologia chinesa foi financiada pelo capital de risco de Silicon Valley? Pois foi. E hoje, a empresa que ocupa o topo das maiores nos dois países, é a Sequoia Capital, fundada em Menlo Park, em 1972, por Donald Valentine, aquele que achou Steve Jobs parecido com o vietnamita Ho Chi Min. Ainda há também uma Sequoia Capital na Índia. O resultado desse casamento sino-americano rendeu a Baidu, um dos maiores motores de busca do mundo, mais até que o Google e o Yahoo, e o Baidu Baike, que imita a Wikipedia.

O falso mito do crescimento chinês

Na China, porém, a ideia de ter uma região como um cacho em que crescem e amadurecem vários frutos, como no Valley, não frutificou — as sementes foram espalhadas entre Hong Kong e Xangai, e também, mais tarde, entre Hangzhou e Beijing. Mas o DNA foi o mesmo, com o uso das Ilhas Cayman para incorporação de empresas e advogados americanos ensinando o que eram stock options aos empregados das nascentes unicórnios.

Mallaby destaca dois investidores de risco que produziram a mágica sino-californiana: Neil Shein, fundador da Sequoia chinesa, e Syaru Shirley Lin, formada em Harvard, professora em várias faculdades americanas e chinesas, e enviada pelo grupo financeiro multinacional Goldman Sachs para levar o capital de risco para a Ásia.

Para Mallaby, o mito de que o crescimento chinês deriva do agressivo subsídio do Partido Comunista da China às empresas de tecnologia não passa disso, um mito. Ele diz: “O boom tecnológico da China foi forjado de maneira notável por investidores americanos”. E mais: “O governo chinês não teve nenhuma participação direta no lançamento do grupo Alibaba”, hoje um conglomerado gigante de e-commerce, buscas e serviços de computação na nuvem, fundado em 1999 por Jack Ma, dono de uma das maiores fortunas do mundo.

Quando Xi Jinping visitou os Estados Unidos pela primeira vez, em 2015, sua agenda de encontros priorizou os principais executivos de Silicon Valley e Seattle, e não os políticos em Washington e na Casa Branca, ou os banqueiros em New York. Mallaby não compra a narrativa popular, entre conservadores, de que a China rouba as ideias e a riqueza americanos. “Isto não é sério”, diz ele. “O potencial da China é vasto, e estamos financiando esse crescimento.”

The Power Law foi escrito com base em cerca de 300 entrevistas. Mallaby disseca os casos de sucesso selecionados até os mínimos detalhes, explorando ainda as causas de fracasso de muitos outros. Ele conclui que os “capitalistas de risco, como um grupo, têm um efeito positivo nas economias e sociedades”. Menos de 1% das empresas que são formadas a cada ano recebem apoio de capital de risco, “mas se você olhar para os anos desde 1995, metade de todas as empresas que abrem capital receberam apoio de risco, e três quartos do valor de mercado dessas empresas derivaram de capital de risco. Pequenas parcelas recebem o dinheiro – menos de 1% – mas três quartos do valor de mercado é o resultado.”

Com todo o conhecimento que acumulou para escrever The Power Law, por que ele próprio não se aventura a ser um investidor de risco? — perguntou a Mallaby um jornalista. E ele respondeu: “Não, eu gosto do que estou fazendo. É verdade que sempre que passo cinco anos em um projeto, que é o tempo que esses livros me custam, meu objetivo é entrar no cockpit com as pessoas sobre as quais estou escrevendo e voar pela paisagem e realmente entender como o mundo se parece a seus olhos, para explicar seu processo de pensamento para as pessoas. Acabo tentando pensar como eles. Meus críticos diriam que escrevo como se fosse um deles (…) Fico feliz em me declarar culpado por entrar na pele das pessoas sobre as quais estou escrevendo, mas isso não significa que eu queira ser elas. Resumindo: estou feliz sendo um escritor.”

Ficha técnica:

Título: The Power Law: Venture Capital and the Making of the New Future

Autor: Sebastian Mallaby

Primeira edição: Penguin Press (1.o de fevereiro de 2022)

Resenha: Moises Rabinovici

Fotos:  wolterke – stock adobe/divulgação Impossible Foods/Drobot Dean – stock adobe/unsplash

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