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Storytelling

Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, papa Francisco, Churchill e outras lendas de liderança 

Ideias centrais: 

1 – Pouco antes de falecer, Steve Jobs mostrou seu lado de grande storyteller (contador de histórias), ao apresentar o produto o iPad 2: “Nós trabalhamos neste produto por um bom tempo, e eu não quero perder isso. É o casamento da tecnologia com as humanidades que alegra nosso coração”. 

2 –Mami Sato, atleta japonesa, foi escolhida, à última hora, para apresentar a candidatura de Tóquio aos Jogos Olímpicos de 2020. Ela perdera a perna por causa de câncer e se superou em Jogos Paralímpicos. Ela contou sua trajetória pessoal. A emoção conquistou o COI. 

3 – “Se não puder ser explicado no verso de um envelope, é lixo”, diz o disléxico bilionário Richard Branson. Em frase curta de 13 palavras, Branson identificou um dos componentes fundamentais de uma história corporativa envolvente: a brevidade. 

4 – Um dos grandes storytellers atuais é o papa Francisco que usa constantemente a regra de três em alocuções, como no exemplo de sermão na Basílica de Santa Sabina, em Roma: “O Evangelho de hoje indica os elementos da jornada espiritual da Quaresma: rezar, jejuar e fazer caridade

5 – Após fracasso no discurso inicial como deputado, Churchill apurou a arte oratória e foi exitoso em 18 de junho de 1940: “Eu acredito que a batalha da Grã-Bretanha está prestes a começar. Dela depende a sobrevivência da civilização cristã e a continuidade de nossas instituições e nosso império…”. Começava a reação a Hitler. 

Sobre o autor: 

Carmine Gallo é autor, entre outros, dos livros TED – Falar, Convencer, Emocionar; Como se apresentar para Grandes Plateias e Inovação – A arte de Steve Jobs. É conselheiro de comunicação de marcas como Pfizer, Linkedin, Intel e Coca-Cola 

Introdução 

Vinte e cinco anos depois [âncora de TV em Wisconsin], eu me peguei fazendo a mesma pergunta novamente: “Por que estou aqui?”. Em maio de 2014, fui convidado para palestrar no Khosla Ventures Summit, encontro exclusivo de empreendedores e CEOs que aconteceu em um resort aos pés da ponte Golden Gate, no condado de Martin. Vinod Khosla, investidor de risco e bilionário, tinha me convidado pessoalmente, porém, a princípio, não consegui entender o motivo. Entre os outros palestrantes estavam Bill Gates, Sergey Brin e Larry Page, fundadores do Google, Marc Benioff, CEO da Salesforce, Condoleezza Rice, ex-secretária de Estado dos EUA, e Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico. 

Apesar de mais confortável, com o encorajamento de Khosla, fiquei assustado ao observar a sala e perceber que cada um dos presentes já era um storyteller. De fato, eu havia escrito sobre os mais famosos deles e seus estilos de comunicação. Contudo, os jovens empreendedores na plateia também eram storytellers, alguns melhores que os outros, mas todos tinham tido de aprender a contar uma história, porque, em algum momento, sentiram a esperança de mudar o mundo com suas ideias. Na verdade, aqueles que se destacaram sabiam intuitivamente o que os neurocientistas e pesquisadores estão começando a entender: uma história emocional e vivida é muito mais persuasiva do que montes de dados em 85 slides de PowerPoint. 

Na época do evento do Khosla, fiquei pensando sobre o tema do meu próximo livro. Eu estava no circuito de palestras de promoção de TED – Falar, Convencer, Emocionar, sobre os segredos das apresentações dos maiores pensadores e empreendedores do mundo. E não era só enquanto eu promovia meu livro: percebi o assunto do storytelling surgindo em uma série de outros contextos. Quando entrevistei o famoso investidor Ben Horowitz, ele observou que, entre os empreendedores, “storytelling é a habilidade mais desprezada”. 

Quando você oferece seu produto ou serviço para um novo cliente, está contando uma história. Quando instrui uma equipe ou educa uma classe, está contando uma história. Quando elabora uma apresentação de PowerPoint para sua próxima reunião de vendas, está contando uma história. Quando participa de uma entrevista de emprego e o recrutador lhe pergunta sobre suas experiências anteriores, está contando uma história. No entanto, existe uma diferença entre uma história, uma boa história e uma história transformadora, que constrói confiança, alavanca as vendas e inspira as pessoas a ter sonhos maiores. 

Uma das grandes descobertas deste livro é o fato de que a maioria dos grandes storytellers teve dificuldades na vida e conseguiu transformá-las em vitória. Seus fracassos os tornam mais interessantes porque, como você verá, somos naturalmente ávidos por histórias de superação. 

PARTE I: Storytellers que acendem nossa chama interior 

Steve Jobs – O que alegra seu coração? 

O soco no estômago. O momento “uau!”. O momento “aha”. Independentemente de como você escolha chamar, transformações radicais podem acontecer num instante. No entanto, uma ideia só vai pegar se a pessoas que a teve conseguir convencer os outros a agir. Caso contrário, ideias são apenas neurônios atirando no cérebro de alguém. O maior desperdício é uma ideia não realizada que falha em se conectar com seu público, não porque ela seja ruim, mas porque não está empacotada de maneira a fazer as pessoas se mexerem. 

Em março de 2011, o visionário que fez de “só mais uma coisa” um bordão pessoal subiu ao palco uma última vez para revelar o molho secreto da Apple. Steve Jobs, magro e fraco por causa de um câncer que tiraria sua vida alguns meses depois, fez uma aparição inesperada para introduzir um novo produto, o iPad 2. Poucas pessoas na plateia esperavam que ele aparecesse, já que estava em sua terceira licença médica. “Nós trabalhamos neste produto por um bom tempo, e eu não quero perder isso”, contou para o animado público. Jobs terminou sua apresentação com a seguinte observação: 

“É o casamento da tecnologia com as humanidades que alegra nosso coração”. 

Em uma frase, Steve Jobs captou a essência do que faz um storyteller inspirador. Como Sculley também captou quando disse que Jobs era apaixonado por fazer a diferença. Paixão é tudo, e Jobs tinha muita. 

Sua história começa com sua paixão. Você não consegue inspirar se não estiver inspirado. Paixão, porém, é um quebra-cabeça. Quase todas as pessoas sabem quando a veem, mas têm dificuldade de descobri-la para si mesmas. Steve Jobs descobriu sua paixão perguntando: “O que alegra meu coração?”. A resposta a essa pergunta é um tanto diferente da resposta a “O que eu faço?”. Steve Jobs fazia computadores; construir ferramentas que ajudassem as pessoas a liberar sua criatividade era o que alegrava seu coração. 

Em 12 de junho de 2005, Steve Jobs fez um dos maiores discursos de formatura da história: 2.250 palavras em 15 minutos. Jobs, o storyteller, construiu uma narrativa em três partes em um tema central: faça o que você ama.  O discurso, super comovente, teve mais de 20 milhões de visualizações no YouTube. Os funcionários da Apple falam com convicção que a paixão de Steve Jobs continua viva no DNA da empresa. 

Howard Schultz – O rei do café coloca seu coração na empresa 

Fred Schultz e sua família não tinham renda, plano de saúde, seguro-desemprego, nem mesmo onde cair mortos. Ainda jovem, vivendo uma vida difícil em uma casa popular do Brooklyn, Howard Schultz, filho de Fred, teve a experiência que moldaria seus valores e aspirações: “Eu soube, em meu coração, que, se um dia estivesse em uma posição de fazer diferença, não deixaria as pessoas para trás”. Hoje, como CEO e presidente da Starbucks, Howard está em condições de fazer diferença para mais de 180 mil funcionários e suas famílias. 

Schulz sempre conta a história de seu pai para exemplificar a missão e os valores da Starbucks. A história de seu pai molda o “porquê” das iniciativas da organização. A visão de Schultz era construir uma empresa que tratasse as pessoas com dignidade e respeito, o tratamento que seu pai nunca teve. “Café é o produto que vendemos, porém, não é nosso negócio”, diz ele. “Não estamos no negócio do café. Bem, estamos como produto. Mas estamos no negócio de pessoas. É tudo conexão humana.” 

Schultz conta a história da Itália com frequência, sempre com detalhes consistentes, e ela se tornou parte das tradições da Starbucks. Aqui, ele está em uma entrevista para o programa The Disruptors, no canal Bloomberg; observe como é parecida com a história que ele contou a Oprah: “Um ano depois de entrar para a empresa, fui à Itália pela primeira vez. Você não pode andar por nenhuma grande cidade ou vila sem entrar em uma cafeteria e ver o senso de comunidade, romance e teatro ao redor do expresso. Isso me faz entender que a Starbucks não estava na parte certa do negócio de café. O verdadeiro negócio e a real oportunidade eram integrar a bebida com um senso de destino e comunidade na loja”.  

Schultz leva 30 segundos para contar a história de origem, a história da marca Starbucks. Ela foi decisiva para o sucesso da marca porque, em 1987, poucas pessoas nos Estados Unidos tinham ouvido falar do café latte. Não sabiam o que fazer com o conceito de “terceiro lugar” [entre a casa e o trabalho]. Mesmo os fundadores da Starbucks rejeitaram, de início, a ideia de Schultz. Ele deixou a empresa por dois anos e abriu a própria cafeteria italiana. Os fundadores, em dificuldade financeira, o chamaram de volta, e, em 1987, venderam-lhe a companhia por US$ 3,8 milhões. 

Só então, Schultz realmente teve a oportunidade de realizar sua vida completa, criando uma experiência, na qual as pessoas iriam à loja para curtir seu café e conversar, e não só comprar grãos. No ano seguinte, quando, de acordo com Schultz, “a generosidade com funcionários estava completamente fora de moda, a Starbucks se tornou uma das poucas empresas a dar cobertura de plano de saúde para todos os funcionários, inclusive os de meio período”. O que guiou e ainda guia Schultz é o objetivo declarado, de tratar os funcionários bem e, em troca, ser recompensado com bom serviço e lealdade. Além disso, é a coisa certa a fazer. 

PARTE II: Storytellers que educam  

Tóquio 2020 – Japão libera seus melhores storytellers para ganhar o ouro olímpico 

Mami Sato gostava de seu estilo de vida ativo. Seus dias na Waseda University, no centro de Tóquio, eram preenchidos com aulas, corrida, natação e animação de torcida. Um dia, a jovem de 19 anos começou a sentir dor no tornozelo direito. A dor se revelou um câncer; apenas algumas semanas depois do primeiro sintoma, ela perdeu a perna para a doença. 

Sato não desanimou, treinou duro e conquistou uma vaga como atleta de salto em distância nos Jogos Paraolímpicos de Atenas, em 2004. Competiu em outras rodadas olímpicas: em Pequim, 2008; em Londres, 2012. 

O destino, porém, exigiu dela mais uma provação. Em março de 2011, um terremoto provocou um tsunami gigantesco, envolvendo a usina nuclear de Fukushima. A destruição abrangeu a cidade natal de Sato, Kesennuma, a sete minutos de Fukushima. Sato e um grupo de 200 atletas levaram alento e suprimentos às famílias atingidas pela tragédia. 

Sato compartilhou sua história em setembro de 2013, enquanto estava na tribuna liderando a apresentação de Tóquio para a 125ª sessão do Comitê Olímpico Internacional (COI) em Buenos Aires, Argentina. Membros do COI estavam assistindo às apresentações para agraciar uma cidade com o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2020. As duas outras finalistas, Istambul e Madri, eram tidas como favoritas. 

Era esperado que o primeiro-ministro do Japão fosse o apresentador principal. No entanto, na última hora, dois dias antes do evento, a equipe responsável pela apresentação concluiu que a melhor estratégia era iniciar a apresentação com uma história emocional e não havia ninguém melhor que Mami Sato como story-atleta. Sato não sabia muito o inglês, mas o pessoal a convenceu de que o mais importante era sua história pessoal. 

“Eu fui corredora. Fui nadadora. Fui até animadora de torcida”, contou ao Comitê Olímpico sobre sua vida antes do câncer. Assim que retornou à universidade e começou a competir nos esportes, sua atitude mudou. “Descobri que adorava estabelecer metas e batê-las. Desenvolvi nova confiança. Mais do que tudo, aprendi que o importante era o que eu tinha, não o que havia perdido. E me senti privilegiada por ter sido tocada pelo poder do esporte.” Quando o COI anunciou que Tóquio tinha vencido, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas das cidades japonesas para celebrar o feito obtido pelo storytelling de Sato. 

De acordo com o The Guardian, “as candidaturas anteriores de Tóquio foram elogiadas pela competência, mas criticadas pela falta de paixão”. Os juízes do COI reconheceram a equipe japonesa pela inclusão de emoção e paixão em sua proposta. A história de Mami Sato ditou o ritmo do resto da apresentação. Ter uma storyteller como ela é um trunfo, mas apenas se lhe for permitido contar sua história. 

Sir Ken Robinson – Um olhar engraçado sobre a palestra mais popular do TED de todos os tempos 

Nascido em Liverpool em 1950, Ken Robinson foi um entre sete filhos. Seu pai jogou futebol semiprofissional e sonhou com o garoto seguindo seus passos, talvez levando o legado da família no futebol para outro nível. Suas esperanças foram frustradas quando o filho teve pólio aos 4 anos, o que causou paralisia em uma perna. 

Destemido, Robinson procuraria o sucesso no campo acadêmico. Ele se debruçou sobre os estudos e, em 1968, frequentou o Bretton Hall College como aluno de inglês e teatro. Em 1981, completou o doutorado na University of London, com especialização em teatro na educação. Uma lista de credenciais não faz um storytelling, mas, no caso de Robinson, seu foco no teatro ajuda a explicar por que sua palestra no TED viralizaria e seria uma sensação – na verdade a palestra mais popular do TED de todos os tempos. 

“ O cérebro não presta atenção a coisas chatas”, escreve John Medina, biólogo molecular da University of Washington. Robinson é qualquer coisa, menos chato. Nos primeiros 50 segundos de sua palestra no TED, as risadas já se faziam ouvir. Aqui está um trecho dos primeiros cinco minutos de sua apresentação. 

“Ouvi uma grande história recentemente – adoro contá-la –, de uma garotinha que estava em uma aula de desenho. Ela tinha 6 anos e ficava no fundo da sala, desenhando. A professora disse que ela dificilmente prestava atenção à aula, a não ser a essa, de desenho. A professora estava fascinada. Foi até a menina e perguntou: “O que você está desenhando?”. E a menina respondeu: “Estou desenhando uma foto de Deus”. E a professora disse: “Mas ninguém sabe como Deus é”. E a menina disse: “Eles vão saber em um minuto”. (Risadas) 

Robinson escreveu um livro chamado O elemento, sobre seguir a verdadeira missão de sua vida, em que “aptidão natural encontra paixão pessoal”. Ele afirma que existe uma séria razão para encontrar o elemento de alguém: “Muitas pessoas não têm propósito na vida. A evidência disso está em todo lugar; na grande quantidade de pessoas que não estão interessadas no trabalho que fazem; no crescente número de estudantes que se sentem alienados pelo sistema educacional; e no aumento do uso de antidepressivos, álcool e analgésicos em todos os lugares”. 

Ninguém vai ouvir uma história se não estiver prestando atenção e, se não estiver prestando atenção, não vai aprender. Os assuntos sérios de Robinson teriam dificuldades para encontrar um grande público não fosse essa visão bem-humorada das situações do dia a dia. 

PARTE III – Storytellers que simplificam 

Richard Branson – Se algo não puder ser explicado no verso de um envelope, é lixo 

“Eu era um garoto-problema – e sempre metido em problemas”, lembra Richard Branson. “Aos 8 anos, ainda não conseguia ler… A dislexia não era considerada um problema naquela época, ou, para ser mais exato, era um problema só se você fosse disléxico. Como ninguém tinha ouvido falar de dislexia, ser incapaz de ler, escrever ou pronunciar significava, para os professores e o resto da classe, que você era estúpido ou preguiçoso. E, no ensino fundamental, você apanhava pelas duas coisas.” 

“A razão pela qual acho que os disléxicos parecem se sair tão bem na vida, mesmo tendo um período escolar infernal, é que têm de simplificar as coisas”, contou Richard a Anderson Cooper, da CNN

“Se algo não puder ser explicado no verso de um envelope, é lixo.” Em uma frase curta, de 13 palavras, Branson identificou um dos componentes fundamentais de uma história corporativa envolvente: a brevidade. Seu conselho me lembra uma dica que ouvi de um dos primeiros investidores do Google, na Sequoia Capital. “Se um empreendedor não consegue explicar sua ideia em dez palavras ou menos, não estou interessado e não investirei. Ponto”. Branson claramente concorda com isso. 

“Agora, tudo que escrevo passa pelo esforço consciente de condensar a mensagem principal em um padrão típico do Twitter”, diz Branson. “Mesmo que eu só consiga reduzi-la a cerca de 200 caracteres, a transmissão da mensagem ainda será muito mais eficiente do que se ela tivesse um tamanho dez vezes maior.”  

Grandes histórias começam com grandes frases que captam a mensagem principal da ideia. De acordo com Richard Branson, “o poder das histórias é a habilidade não só de informar e desafiar, mas também de inspirar e transformar o mundo”. 

Papa Francisco – O evangelizador-chefe 

Um comprovante de venda salvou a vida do jovem Mario Bergoglio. Seus pais tinham reservado uma passagem em um navio que os levaria da Itália para a Argentina, onde a família esperava construir uma nova vida. O navio Principessa Mafalda deixou o porto de Gênova em outubro de 1927, mas nunca chegou ao seu destino final. Uma hélice fez um buraco no casco da embarcação e esta afundou na costa do Brasil. 

Um detalhe impediu que Mario entrasse naquele navio. Seu pai havia vendido o negócio da família. Como ainda não tivessem o comprovante de venda, isso impediu que embarcassem. Tiveram que remarcar a viagem em outro navio, um pouco mais tarde. Assim toda a família se salvou. 

Jorge, o filho de Mario, frequentemente conta a história das raízes de sua família, quase sempre fazendo uma conexão com as situações dos imigrantes. Hoje, ele é um dos maiores storytellers mais influentes do planeta. Mais de 3 milhões de pessoas se aglomeravam em uma praia do Rio de Janeiro para ver Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, falar no Dia Mundial da Juventude, em 2013. No entanto, esse evento foi só o precursor de plateias ainda maiores: 6 milhões de pessoas, um recorde, reuniram-se no Parque Rizal, em Manila, durante sua visita às Filipinas, em janeiro de 2015. 

Em sua primeira homilia como pontífice eleito, Francisco resumiu sua fé em três pontos: viajar, construir e professar. Essa não seria a primeira vez, nem a última, que ele contaria com uma estrutura narrativa em três partes. Ele havia aprendido a técnica anos antes e a usava praticamente em toda conversa, discurso ou sermão. “Primeiro de tudo, vou falar sobre três coisas: um, dois, três, como os antigos jesuítas costumam fazer, certo? Um, dois, três!”, disse certa vez à plateia que ficou animada. 

Em Manila, o papa misturou metáforas vívidas com a regra dos três: “Deus criou o mundo como um lindo jardim… o homem desfigurou a beleza natural com estruturas sociais que perpetuaram a pobreza, a ignorância e a corrupção.” 

Na noite de natal de 2014, ele disse: “Nós passamos pela escuridão que envolve a Terra guiados pela chama que ilumina nossos passos e animados pela esperança de encontrar a luz maior”. 

Na Quarta-Feira de Cinzas de 2015, na Basílica de Santa Sabina, o papa Francisco abriu o período da Quaresma destacando componentes da jornada: “O Evangelho de hoje indica os elementos desta jornada espiritual: rezar, jejuar e fazer caridade”. 

Embora todos os storytellers amem a regra dos três, para o storytelling corporativo, a estrutura em três atos é particularmente importante para criar histórias simples e persuasivas. O consumidor não quer saber de todas as 200 funções de seu produto; explique as três com as quais se importará mais. O cliente não quer ouvir 52 ideias de marketing; ofereça-lhe as três melhores. O investidor não quer saber 23 motivos para investir na sua empresa. Liste as três principais pelas quais ele será compensado. 

Começando com Aristóteles e continuando hoje em dia com o papa Francisco, os maiores storytellers do mundo usam a regra de três porque ela abrange, bem, três coisas: 

  1. Oferece um formato simples de estruturar sua história. 
  1. Simplifica sua história para que o público se lembre das mensagens-chave. 
  1. Leva as pessoas para o objetivo final de toda persuasão: a ação. 

PARTE IV: Storytellers que motivam 

Amy Purdy – Quando ela perdeu as pernas, encontrou sua voz 

O corpo de Amy Purdy estava entrando em colapso. Seus rins estavam parando de funcionar. “Falência total dos rins”, ela ouviu o médico dizer. Amy entrou em estado de choque séptico severo e tinha expectativa de vida de duas horas. Houve um momento em que ela teve certeza de ter sentido seu coração bater pela última vez. Pouco antes de ser colocada em coma induzido, Amy se lembra de ter visto seus pés. Eles estavam com a pele manchada, ficando roxos. Um corpo em choque séptico recorre ao sangue das extremidades, para irrigar os órgãos que estão falindo. Amy estava morrendo. 

Milagrosamente, os médicos conseguiram fazer uma cirurgia de emergência e salvaram a vida de Amy. Suas pernas, porém, precisaram ser amputadas abaixo dos joelhos. 

Depois de um longo processo de recuperação, Amy Purdy seguiu em frente. Continuou a competir e ganhou a medalha de bronze no snowboard nos Jogos Paraolímpicos de 2014. Conquistou milhares de corações ao chegar às finais do popular programa da ABC Dancing with the Stars. 

Como muitos dos grandes storytellers da atualidade, Amy Purdy estava uma pilha de nervos em suas primeiras aparições diante de uma plateia. Em seu livro Por um Sentido na Vida, ela descreve o que aconteceu quando foi convidada para ser palestrante num evento. Ela entrou em pânico e desistiu da palestra. 

Purdy decidiu aliviar a pressão reunindo-se com um amigo que também tinha uma história inspiradora para contar. Juntos, eles começaram a falar em escolas para aperfeiçoar suas habilidades de palestrantes. Purdy contou que se embasou em seu treinamento como atleta para se transformar em uma storyteller segura. 

Apesar de sua crescente confiança para se apresentar em locais menores, Purdy reconhece que estava “completamente surtada”, ao dar uma palestra no TEDx, em 2011. Assim que começou, suas mãos tremiam e sua voz embargou. Ainda assim, a história fluiu – com muita emoção. Quando terminou, não havia um olho seco sequer na plateia. “Eu tinha feito uma palestra que se tornou perfeita por causa de suas imperfeições.” 

Por trás de todo herói há uma história de luta e sacrifício, uma história de sonhos interrompidos e de sonhos encontrados. Se sua vida fosse um livro e você fosse o autor, como gostaria que a história continuasse? Todos temos uma história que vale a pena ser compartilhada, mas não raro temos medo ou ficamos relutantes em fazê-lo. Amy Purdy, a mulher que desistiu de seu primeiro convite para palestrar e quase desistiu de falar no TEDx, hoje é uma das mais requisitadas e populares palestrantes motivacionais, porque aprendeu a abraçar sua história. 

Winston Churchill – Seu melhor momento: 180 palavras que salvaram o mundo 

O discurso havia começado bem o suficiente. Tão logo o recém-eleito, Winston Churchill, de 29 anos de idade, pensou ter entrado no ritmo, passou por um momento temido por qualquer pessoa que tenha de se dirigir a um grande grupo: esqueceu o resto de sua fala. Enquanto ficava ali, paralisado, em frente a seus pares, mas que deve ter-lhe parecido uma eternidade, ele sentiu o começo de sua carreira se desmantelar. O orador finalmente desistiu, voltou, desesperado para seu lugar e cobriu a cabeça com as mãos. Achava que sua carreira tinha terminado ali. 

Daquele momento em diante, trabalhou incansavelmente para melhorar cada palavra de cada discurso e certificou-se de que as únicas palavras que falaria seriam aquelas que ele mesmo escrevesse e em que acreditava com todo o seu coração. Ele tinha se tornado tão mestre em sua arte que, sozinho, convenceu os britânicos a se levantar contra Adolf Hitler e a lutar até a morte. Churchill ficou conhecido como um dos maiores oradores do século XX e mudou o curso da história. 

Em 18 de junho de 1940, a França se rendeu à Alemanha. Era um dos momentos mais obscuros da Segunda Guerra Mundial. Churchill fez um discurso pelo rádio naquele dia, e uma cópia dele ainda existe. O manuscrito mostra palavras longas riscadas e substituídas por curtas. Por exemplo, ele substitui “libertado” por “livre” O último parágrafo do discurso tornou-se um grito de guerra para os britânicos. Em 180 palavras, Churchill apresentou seus argumentos para a guerra. Cerca de três quartos das palavras [no original inglês] contêm apenas uma sílaba. Eis parte do parágrafo: 

“O que o general Weygand chamava de “Batalha da França” acabou. Eu acredito que a Batalha da Grã-Bretanha está prestes a começar. Dela depende a sobrevivência da civilização cristã, e a continuidade de nossas instituições e nosso império… Toda a força e a fúria do inimigo serão em breve direcionadas a nós. Hitler sabe que tem de quebrar o povo desta ilha ou perderá a guerra…” 

“Para milhões de pessoas – sofisticadas e não sofisticadas–, ele aperfeiçoou suas habilidades retóricas para injetar coragem em seu coração e fazê-las acreditar que poderiam lutar contra uma ameaça mais mortal do que qualquer outra com que tivessem deparado”, escreve Boris Johnson, atual primeiro-ministro do Reino Unido. “Churchill mostrou como isso [a arte da retórica] poderia ajudar a salvar a humanidade.” 

Churchill mostrou que uma pessoa pode fazer diferença, que uma pessoa pode salvar uma civilização. No entanto, ninguém tem a chance de persuadir um grande número de pessoas se não puder explicar suas ideias com palavras curtas e bem escolhidas. 

PARTE V: Storytellers que criaram movimentos 

Martin Luther King jr. – Grandes storytellers se fazem, não nascem assim 

Clarence Jones veria uma cópia do discurso somente no púlpito em que seu chefe, o dr. Martin Luther King Jr., falaria logo mais. 

Quando a multidão no Washington Mall alcançou 250 mil pessoas, king assumiu seu lugar, atrás do microfone, nos degraus do Lincoln Memorial, deu uma olhada no texto à sua frente e começou a falar: “Há cem anos, um grande norte-americano, sob cuja sombra simbólica estamos hoje, assinou a Proclamação de Emancipação…”. 

Um sorriso surgiu no rosto de Clarence quando ele percebeu que King tinha mantido os parágrafos de abertura que ele havia escrito. Talvez Clarence tivesse finalmente encontrado o tom de King, já que essa era a primeira vez que King lia um discurso de Clarence palavra por palavra. 

Enquanto King continuava a discursar e Clarence ficava cada vez mais feliz porque o líder do movimento dos direitos civis estava lendo as palavras que ele havia escrito, aconteceu algo que transformaria o discurso e, com ele, o futuro da nação. 

A cantora gospel Mahalia Jackson, que estava de pé próximo de King, gritou: “Conte para eles seu sonho, Martin!”. Poucas pessoas ouviram o grito, mas King ouviu. E sabia exatamente sobre o que estava falando. 

“Eu tenho um sonho…”, exclamou King. E, com essas palavras King personificou três gerações de pregadores batistas que vieram antes dele. Clarence já tinha visto isso acontecer antes. “Habilidade incrível de improvisar, reimaginar seu texto lapidado e até mesmo recordar e, se parecer bom, inserir outras maneiras de apresentar o material previamente mostrado.” 

 A sequência que fez do “Discurso do Sonho”, de Martin Luther King, o maior discurso do século 20, foi toda improvisada. As palavras “eu tenho um sonho” não estão na versão original do discurso. 

Os storytellers como King fazem um esforço consciente para incorporar metáforas em seus discursos e apresentações. A “nota promissória” foi uma das muitas que ele usou naquele discurso. As metáforas deram a King a ferramenta de “soprar vida” em conceitos abstratos: 

  • “Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio”. 
  • “Agora é tempo de subir do vale das trevas da segregação para o caminho iluminado pelo sol da justiça racial”. 

No “Discurso do Sonho”, King usa com maestria o recurso da anáfora. Anáfora é uma ferramenta de storytelling em que uma palavra ou um grupo de palavras se repete no começo de sucessivas frases. Na política, democratas e republicanos compartilham o mesmo grande amor: a anáfora. Coisa que King faz com o sonho. 

“Eu tenho um sonho de que um dia…”. 

“Eu tenho um sonho de que um dia…”. 

“Eu tenho um sonho hoje…”. 

Quando você deparar com o momento de seus sonhos, pratique incansavelmente para acertar o tom e, se possível, inclua ferramentas estilísticas, como a metáfora e a anáfora, para transformar uma simples apresentação em um evento que agita a alma. 

Malala – “De coração. E não de uma folha de papel” 

Malala é uma adolescente que fala com uma sabedoria inestimável. Comunicadora excepcional, cresceu em uma família de storytellers. As pessoas iam para sua casa, no vale do Swat, noroeste do Paquistão, ouvir seu pai contar histórias. Elas amavam ouvi-lo falar, tanto quanto Malala. Ela lembra que seu avô também era famoso por seus discursos. 

Ouvir as histórias de sua família fez com que Malala quisesse se tornar uma grande storyteller também. Ela participou de uma competição de falar em público e, de acordo com suas tradições culturais, fez um discurso escrito pelo pai. Malala terminou em segundo lugar e aprendeu uma lição valiosa: “Comecei a escrever meus discursos e mudei a forma como os apresentava, de coração, e não de uma folha de papel”. 

Um ano depois do atentado que quase tirou sua vida, Malala discursou nas Nações Unidas para chamar a atenção para milhões de garotas, no mundo todo, a quem era negada educação. Foi ovacionada e deu início a um movimento global de liberação do potencial de meninas. 

O discurso que ela proferiu na ONU pode ser enquadrado no esquema criado por Austin Madison. Ele é animador e criador de storyboards de filmes da Pixar, como Ratatouille, WALL-E, Toy Story 3, Valente e outros. Em uma apresentação reveladora, Madison destacou o processo de 7 passos que todos os filmes da Pixar seguem: 

  1. Era uma vez……. 
  1. Todo dia ele…….. 
  1. Até que um dia…… 
  1. Por causa disso……  
  1. Por causa disso…… 
  1. Até que finalmente…… 
  1. Desde então…….     

A seguir, o processo de storytelling da Pixar sobreposto ao discurso de aceitação do Prêmio Nobel de Malala: 

Era uma vez uma garotinha que vivia em uma “casa paradisíaca” no vale do Swat, Paquistão, “um lugar belo e turístico”. 

Todo dia ela demonstrava “sede de educação” e ia para a aula “sentar e aprender a ler”. 

Até que um dia o vale do Swat “se tornou um lugar repleto de terroristas”. 

Por causa disso, a educação das meninas passou a ser crime e “as garotas foram proibidas de frequentar a escola”. 

Por causa disso, as prioridades de Malala mudaram. “Eu decidi me fazer ouvir!”. 

Até que finalmente, os terroristas atacaram Malala. Ela sobreviveu. “Nem suas ideias nem suas balas poderiam vencer”. 

Desde então, a voz de Malala “se faz ouvir cada vez mais alto”, porque Malala está falando por 66 milhões de garotas privadas de educação. 

Lembrete 

Talvez nunca saibamos ao certo, mas sabemos que as histórias ficam em nossa alma e moldam a pessoa que somos hoje. As histórias constroem confiança. As histórias inspiram as pessoas a sonhar mais alto – a plateia e o storyteller. Nosso futuro está na mão de storytellers, como Malala, a quem admiramos pela coragem e que nos inspira com suas palavras. 

Resenha: Rogério H. Jönck

Imagens: reprodução e unsplash

Ficha técnica: 

Título: Storytelling – Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, Papa Francisco, Churchill e outras lendas de liderança 

Título original: The Storyteller’s Secret 

Autor: Carmine Gallo 

Primeira edição: Alta Books 

 

 

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