Categories

Most Viewed

Plano Real, ano 25

Por Arnaldo Comin, Editor-chefe do Experience Club

Corria o ano de 1994 e eu exercia a minha primeira função como jornalista “de carteira assinada” em uma rádio na Avenida Paulista: atravessar as noites enchendo páginas e mais páginas (à máquina de escrever) de matérias que ganhariam voz pelos locutores no noticiário da manhã. Na madrugada gelada de 1º de julho, parei em um caixa eletrônico antes do trabalho e saquei fresquíssimas notas de real que acabavam de abastecer os caixas eletrônicos no maior corredor de bancos da América Latina.

Ser um dos primeiros a passar nos dedos na nova moeda do país é uma memória que guardo com muito carinho de uma época em que a inflação, não raro, batia 30% ao mês. Passados 25 anos, quase um entre dois brasileiros nasceu depois do lançamento do real e não faz ideia do custo de gerações envolvido até que conseguíssemos conquistar a estabilização econômica.

Como todo acontecimento histórico dessa magnitude, o Plano Real passou por muitos percalços, enfrentou duras críticas e muitas das decisões tomadas naquela época ainda são vistas com restrições por economistas respeitados na academia e no mercado. Se, de um lado, foi criticado por aumentar a concentração do sistema financeiro com o Proer, o plano de socorro aos bancos, teve o reconhecimento tardio, mesmo dos adversários, de distribuir renda e melhorar o padrão de vida de milhões de brasileiros.

Repassando alguns dos fatos que marcaram os 25 anos do mais importante plano econômico da história do Brasil, apresento aqui uma lista de 5 aprendizados do Plano Real para ajudar o Brasil a sair da crise.

1-O poder da negociação. Implementado durante o mandato de Itamar Franco, sem o endosso do voto popular, o Plano Real foi encabeçado por Fernando Henrique Cardoso, o quarto ministro da Fazenda pós-impeachment de Fernando Collor de Mello (dezembro de 1992). Um dos pontos críticos para o sucesso da estratégia foi a negociação exaustiva dos ideólogos do plano, entre eles o economista Edmar Bacha, para explicar em detalhes no Congresso como funcionaria o processo de estabilização da moeda.

Medidas com tamanho impacto político e social, como um plano econômico ou reforma constitucional, inevitavelmente vão encontrar muitos focos de resistência. No caso do real, tanto o PT quando o então deputado Jair Bolsonaro votaram contra.

O pêndulo político oscila alternadamente entre direita e esquerda em qualquer democracia forte e, mesmo em tempos de polarização como agora, o diálogo costuma trazer mais resultados concretos do que o confronto. O acordo da União Europeia com o Mercosul diz mais a longo prazo sobre o fortalecimento das negociações multilaterais do que a guerra entre Donald Trump e a China. E diz mais sobre os benefícios da globalização do que a onda nacionalista-protecionista que seduz eleitores em diversos países europeus, assim como no Brasil. Os blocos podem estar em baixa agora, mas não para sempre. O Brasil, como liderança regional, ganha mais em grupo do que brigando sozinho.

2-Transparência faz diferença. Um fator importante para a implementação do Plano Real foi apresentar da maneira mais clara possível cada etapa do processo. Para a população que havia testemunhado o show de desinformação que foi o anúncio do Plano Collor e o sequestro das contas bancárias pela ministra Zélia Cardoso de Mello (março de 1990), qualquer tentativa de intervenção na economia era motivo de pânico. A exaustiva explicação de como funcionaria a URV – Unidade Real de Valor – mecanismo de estabilização inflacionária que antecedeu a entrada da nova moeda, era chave para conquistar a confiança do público.

A história recente mostra que falta de transparência tem perna curta. A forma como a Reforma Trabalhista foi vendida como a solução para o desemprego pelo presidente Michel Temer aumentou a desconfiança de parte da população e de grupos de interesse com voz no Congresso em relação à Reforma da Previdência.

O Ministério da Fazenda tem mais a ganhar abrindo os números da reforma, como foi solicitado pelo senador José Serra, e investir no maior didatismo possível para negociar os pontos mais sensíveis do projeto.

Não é preciso ser economista para saber que os efeitos da reforma são de longo prazo e a falta de uma resposta rápida na geração de empregos e crescimento do PIB podem custar caro para a popularidade do governo se os termos em discussão não forem exaustivamente bem explicados para a população.

3-Ortodoxia demais é religião, não economia. A estratégia de supervalorização do câmbio durante todo o mandato de Fernando Henrique Cardoso, que corroeu a reserva em moeda forte brasileira e colocou o país em posição de extrema vulnerabilidade diante da crise da dívida russa em 1998, é até hoje vista como um dos pontos mais controversos da história do real. Gustavo Franco, presidente do Banco Central à época, por duramente criticado por muitos anos por seus pares da elite de economistas do país por não promover um processo lento e gradual de flutuação do câmbio.

O real forte garantiu a reeleição de FHC, mas Gustavo Franco caiu logo em seguida à posse, em 13 de janeiro de 1999, gerando um ciclo de turbulência que provocou a desvalorização em mais de 50% da moeda nos meses seguintes. Relembrando o item 2, a falta de transparência nesse episódio manchou a popularidade de Fernando Henrique, que em eleições subsequentes não foi lembrado pelos colegas tucanos.

A política a “pão de água” da Fazenda nos primeiros seis meses do atual governo, condicionando qualquer ação anticíclica à Reforma da Previdência, mostrou seu preço: a revisão de crescimento do PIB para menos de um dígito em 2019 e o risco não desprezível de recessão à vista. Em uma economia tão dependente do Estado, corte radical de investimento público, enxugamento monetário elevado e escassez de crédito são um remédio muito amargo para quem se propõe a retomar o crescimento. A pressão por flexibilidade parece começar a ter efeito e o ministro Paulo Guedes dá sinais de que pode afrouxar – um pouco – o cinto.

4-Decretos não funcionam sem continuidade. Tão importante quanto a estratégia bem-sucedida do Plano Real foi a aprovação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu os limites e critérios de gasto públicos por todos os entes da União. Sem uma política fiscal continuada, o Brasil certamente voltaria a ser refém da inflação mais uma vez. Tentado a driblar as dificuldades que teve de encarar no início do primeiro mandato, em 2003, Lula cedeu a contragosto às políticas de contenção impostas pelo então ministro Antônio Palocci. O mesmo não pode ser dito da sucessora Dilma: tamanho descontrole administrativo levou ao desastre político e econômico que todos sabemos de cor de salteado.

A realidade não se muda por decreto. A Medida Provisória da “Liberdade Econômica”, anunciada no 1º de maio, traz um pacote de sugestões para simplificar a vida de startups e pequenas empresas. Na prática, o que vai fazer diferença mesmo às MPEs não é um alvará mais fácil, mas acesso a crédito em condições minimamente razoáveis. O fim da inflação é uma conquista do país, mas seu benefício exige esforço e processos permanentes de melhoria. 

5-Chegar aos 25 anos é pouco. Tem muito pela frente. Se acertou em cheio o olho da inflação, o Plano Real não foi sucedido por reformas fundamentais ao longo do caminho. Avançar nas privatizações e na abertura da economia são fatores importantes para atrair investimentos de longo prazo ao país. Nesse 25 anos, o crescimento médio anual do PIB brasileiro foi de 2,45% e somente em três ocasiões (1994, 2004 e 2007) superamos a marca de 5%. É muito pouco para um economia emergente como a nossa. Quem acredita no Brasil acha que podemos ir muito além disso.

O desafio é garantir a transição para um modelo que torne as empresas brasileiras mais competitivas, inovadoras e aptas a se reinserir de maneira mais vantajosa nas cadeias globais de valor.

Para isso, é preciso rever em profundidade – e com responsabilidade – o caos tributário brasileiro e nossa estrutura regulatória, por vezes arcaica, burocrática e desconectada com a realidade do mundo.

Diálogo, bom senso e persistência são algumas das lições que o Plano Real tem a ensinar neste momento de mudança.

    Leave Your Comment

    Your email address will not be published.*

    Header Ad