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Na raça

Ideias centrais:

  1. Em Porto Alegre, Guilherme Benchimol fez dupla de trabalho com Marcelo Maisonnave, seu colega na corretora Diferencial. Nascia daí uma empresa. Como chamá-la? XPTO? Não. Será XP, de expertise.
  2. Quase ninguém queria aplicar em ações. O caminho era dar um cursinho básico sobre a bolsa de valores para que os interessados conhecessem o que estavam comprando: isto é, ações. Com os cursos, vinham novos clientes.
  3. Para não depender somente do mercado de ações, a XP seguiu a cartilha da corretora americana Schwab, criando um shopping de vários investimentos. Ao longo de 2012 mais de quatrocentos fundos estavam disponíveis na plataforma: metade da receita da XP.
  4. Quando era apenas uma corretora de ações, a XP calculava que tinha 2% a 3% do total de investimentos dos clientes. Em 2015, a parcela da XP dos investimentos do cliente era de 40% – número que aumentava, à medida que aumentava a confiança dos investidores.
  5. Roberto Setúbal e Guilherme chegaram a um acordo, para que, na venda para o Itaú, a XP mantivesse a sua independência: o Itaú compraria a maior parte das ações preferenciais, aquelas sem poder de voto, com uma fatia minoritária de ações ordinárias.

Sobre a autora:
Maria Luíza Filgueiras é jornalista especializada em economia e finanças. Trabalhou para grandes veículos de negócios, como Gazeta Mercantil, revista Exame e Valor Econômico.
Um cara “raçudo

Guilherme Benchimol nasceu no Rio de janeiro em 1976. Com pais separados desde os sete anos de idade, sua vida era dura quando estava com a mãe, mas o padrão dava um salto quando ele passava os fins de semana na casa do pai. Lígia, a mãe, era artista plástica e morava com os filhos, Guilherme e Ana Luísa. Cláudio, o pai, era um cardiologista de sucesso.
Seria um exagero tremendo dizer que Guilherme passou dificuldades em relação a qualquer necessidade básica, mas a penúria da mãe e a ligeira avareza do pai geravam nele a sensação de que a vida era mais difícil do que devia. Os amigos, afinal, viviam com a rédea financeira mais solta. Guilherme gostava de fazer uma graninha extra. Montava uma feirinha na rua, na porta do prédio, e vendia brinquedos usados.
Quando Guilherme tinha onze anos, o pai começou a namorar Elizabeth Capua, que também vinha de um divórcio e tinha um filho, Julio Capua. Acabaram morando juntos por oito anos. Nesse período, foi-se estabelecendo entre Guilherme e Julio uma conexão de amizade, que depois foi importante para a parceria na surpreendente XP Investimentos. 
Definir o que se quer fazer para o resto da vida não é uma tarefa fácil para a imensa maioria dos adolescentes, e Guilherme estava perigosamente perdido, embora o vestibular se aproximasse. Foi no fim daquele ano em que ocorreu o episódio do hospital, em 1992, quando ele assistiu à morte de um cliente do pai, que ele teve a primeira pista. A revista de negócios Exame estampava o rosto do banqueiro Luiz Cezar Fernandes na capa, com o título “Ele fez fortuna no caos”. 
O Banco Pactual, fundado por Fernandes, André Jakurski e Paulo Guedes, completava dez anos e comemorava lucros extraordinários num ano difícil para a economia brasileira. Benchimol se entusiasmou com a história de Fernandes e decidiu fazer faculdade de economia e, por orientação do pai, na UFRJ. Por ele, estudaria na PUC, a meca de grandes economistas.
Teve dificuldades para achar um primeiro emprego. Acabou sendo salvo pelo programa trainee do Banco Bozano, Simonsen. O banco estava montando uma inovadora plataforma de investimentos on-line, a Investshop, uma startup dentro do Banco Bozano, criada para atender pessoas físicas que queriam fazer investimentos. 

Ele seria responsável por buscar novos clientes, uma atividade em que ser “raçudo” era mais importante que qualquer coisa.

A bolha estourou em 2000, e as premissas sobre as quais negócios como a Investshop haviam sido construídos explodiram junto. Quase um ano depois do estouro da bolha já ter-se passado, e a Investshop segurando as pontas, Guilherme foi demitido.
Guilherme não sabia para onde ir e como enfrentar o pai. No Rio não queria mais ficar. Ligou para uma corretora que conhecera em Porto Alegre, a Diferencial. Carlos Corá, o dono, o aceitou em seus quadros. Ia trabalhar em Porto Alegre, tchê.
Nasce a XP

Aos olhos de um carioca, o mercado financeiro gaúcho simplesmente não existia. No entanto, para alguém psicologicamente destruído, como era o caso de Guilherme Benchimol, a mudança para Porto Alegre representava um alento. Mas havia também benefícios inesperados. Na nova cidade, Guilherme daria um salto de status. Ele era o sujeito que tinha trabalhado no Bozano e no Icatu. No Rio, Guilherme era mais um jovem perdido em busca de espaço. Em Porto Alegre, ele era alguém.
A Diferencial era uma corretora de médio porte, com cerca de quarenta funcionários, mas com razoável reputação na região Sul. Em 2001, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que regula o mercado financeiro brasileiro, instituiu as regras para atuação dos agentes autônomos de investimento. Guilherme fez a primeira prova de certificação de agentes autônomos do país, pouco depois de a regulamentação entrar em vigor. Ele receberia um salário e teria a missão de angariar novos agentes autônomos na região Sul para operar pelo site da Investshop. 
Os resultados não foram animadores e Guilherme ficou meio na corda bamba. Não tinha mais salário fixo. Aí na Diferencial conheceu outro jovem, Marcelo Maisonnave. Ele provinha de família dedicada ao mercado financeiro, pois o avô tinha sido dono de uma corretora tradicional. Aos poucos Guilherme e Marcelo foram se aproximando. Guilherme convidou o colega para trabalharem juntos. Dada a completa falta de opções, Marcelo topou. Usando a rede de contatos de Marcelo, a dupla marcava almoços e cafés com qualquer sujeito com potencial mínimo para se transformar em cliente. 
Ana Clara Sucolotti havia começado um estágio na Diferencial. Como a dupla precisava de gente, falaram com Corá que lhes indicou Ana Clara, que foi trabalhar com eles por salário de trezentos reais. Queriam se tornar independentes. Usavam uma salinha da Diferencial, que era o escritório da dupla de agentes autônomos. Precisavam dar um nome ao escritório. Marcelo insistia. 

“Coloca o nome XPTO e vai atrás de clientes”. “Vai ser XP, de expertise”, respondeu Marcelo. Nascia o nome vencedor da XP, disse Benchimol.

As dificuldades não tardaram a aparecer. Eram tempos de absoluta incerteza para a XP. Eles ainda estavam longe de ter um tamanho que garantisse um fluxo constante de negócios a cada mês. Se a bolsa estivesse num mês bom, era provável que ganhassem algum dinheiro. Corá decidiu complicar um pouco mais as coisas quando passou a cobrar aluguel pelo uso da salinha em que a XP operava. Foi nesse tempo que Guilherme vendeu sua Dakota por R$ 14 mil, para garantir ao menos um ano extra em tentativas. Temiam que Ana Clara deixasse a dupla na mão. A saída foi propor a Ana uma participação na sociedade. Pagariam setecentos reais mais participação de 10% na XP.
Era preciso ter criatividade para aumentar as receitas. Um amigo de Marcelo tinha uma empresa de benefícios que emitia vale-refeição e vale-alimentação. Havia um mercado paralelo de compra e venda de vales. Foi nesse mercado que Guilherme entrou para ajudar a XP a evitar o buraco. O portão da siderúrgica Gerdau passou a ser bem frequentado por Guilherme.
Um outro expediente foi muito mais positivo e deu firmeza à nascente empresa. Quase ninguém queria aplicar em ações, principalmente diante de altos e baixos da bolsa. O caminho era dar um cursinho básico sobre a bolsa, para que alguém entendesse o que se estava tentando vender. Com as finanças fracas, Guilherme pediu dinheiro emprestado a seu irmão postiço, Julio Capua: 5 mil reais. 
O curso tomou forma. Reservaram o salão de festas do prédio em que funcionava o escritório e colocaram um anúncio no Zero Hora: “Aprenda a investir na Bolsa de Valores”. Convocaram o professor baiano Antônio Marmo, que trabalhava em Curitiba, para dar aulas sobre o mercado acionário. A Diferencial estava mudando de endereço, o que para eles foi sinal de que o trio, Guilherme, Marcelo e Ana, tinham que buscar um espaço próprio. Os cursos estava proporcionando alguma entrada, algo como 15 mil reais. Buscaram um escritório próprio, de 25 m2, comprando computadores usados. 
Guilherme estava eufórico com a nova fase da XP. A empresa parecia ter encontrado um modelo de crescimento sustentável com a estratégia educacional.
A conquista da Oceania
Na adolescência, Guilherme Bechimol foi um fã de War, o jogo de estratégia em que cada participante recebe uma ambiciosa missão de conquista de territórios num mapa-múndi. Ele enchia a Oceania de exércitos para daí passar à expansão global. Com a XP, ele seguiu o mesmo caminho: a região Sul seria a sua Oceania. Guilherme e Marcelo decidiram que era hora de encher as principais cidades da região de exércitos de agentes autônomos que dariam cursos e atrairiam novos clientes. Um dos ensinamentos era sobre a média móvel. Ela é calculada com base no histórico de preços de uma ação. É com os diversos indicadores usados pelos analistas técnicos, que se tenta prever o preço futuro de uma ação.
Apesar dos sustos, a XP tinha encontrado seu modelo – e o momento não poderia ser mais apropriado. Não havia média móvel que mostrasse isso, mas, no início de 2003, começava um longo período de valorização de ações na bolsa. E a XP, depois de seus tropeços iniciais, estava finalmente pronta para aproveitar.
No fim de 2004, Capua resolveu ir a Porto Alegre visitar Guilherme e conhecer a empresa de que ele tanto falava. Estava desanimado com o emprego de escritório: trabalhava na Ceras Johnson e pareceu que estava difícil galgar postos na empresa. Capua queria fazer um MBA nos EUA, mas Guilherme propôs um negócio. Capua montaria a tal gestora de recursos (ou asset, no jargão financeiro) dentro da XP, para que eles tivessem fundos próprios para oferecer aos clientes.
O pai de Julio, em vez de brindes ou presentes, lhe dava cotas de um fundo da gestora Dynamo. Foi descobrindo as posições e avaliações da Dynamo que Julio desenvolveu a nova gestora.
“Esse troço vale dinheiro pra caramba”
Os negócios iam aumentando e pedindo mais espaço. A XP mudou-se para a Avenida Carlos Gomes ocupando um espaço de quinhentos metros quadrados, uma das decisões mais arriscadas da história da empresa. Se o crescimento não viesse, adeus negócio. Ali travaram conhecimento com um banqueiro, Eduardo Plass, que havia acabado de adquirir uma participação na corretora Ágora. Era um financista bem-sucedido no Rio de janeiro. A conversa entre a XP e Eduardo Plass mudaria a XP para sempre. Plass propôs aos sócios da XP um trabalho em conjunto. O seu formato do negócio foi sendo revelado aos poucos.
Plass queria comprar a XP e juntá-la à área de varejo da Ágora, que passaria a ser tocada pela turma da XP. Os sócios teriam 12% da nova Ágora e uma opção de venda dessa participação (ou put, no léxico financeiro) de 30 milhões de reais. Essa cifra foi um choque para Guilherme. Jamais tinha pensado que a empresa valesse tanto. À medida que os sócios da XP foram entendendo como seria a vida pós-venda, perceberam que eles se tornariam empregados de Plass. 

A XP desistiu de fazer o negócio, mas eles conheceram, pela primeira vez, o valor de sua empresa, que poderia ir muito mais longe. 

Outra coisa que tinham aprendido com Plass. Para crescer, segundo ele, era preciso estar no centro da vida financeira, que era o Rio de Janeiro.
A XP alugou a cobertura do que costumava ser um flat no Leblon e estava sendo convertido em edifício comercial. No Rio, Julio Capua ficou mais próximo do mercado financeiro dos adultos. E o que dominava as conversas, naquele momento, eram os preparativos para a desmutualização das bolsas de ações e de mercadorias e futuros, a Bovespa e a BM&F. As corretoras precisavam deter títulos patrimoniais para serem conectadas às bolsas e se tornarem sócias. Esses títulos seriam transformados em ações da bolsa, que as corretoras venderiam em oferta pública inicial de ações (IPO) das próprias bolsas.
A menor corretora do Brasil
Através de Julio, mais um personagem entrava na vida da XP: Luiz Kleber Hollinger da Silva, o Klebinho, que operava no mercado desde a década de 1970. Era dono da corretora Americainvest. Dispensava fórmulas matemáticas, usando de seus instintos. Era remanescente da velha guarda.
Fosse pela força da marca, fosse em escala ou acesso a clientes, a Americainvest não agregaria simplesmente nada à XP. Mas a Americainvest tinha algo que as outras não tinham – um dono disposto a vender e uma estrutura precária que, na prática, significava preço baixo. E a XP precisava da carcaça de uma corretora para enfiar seus clientes. Assim se sucedeu, a XP comprou a Americainvest. 
A compra da corretora mudou o centro de gravidade da XP. Fazer a corretora dar certo era importante demais, e Guilherme decidiu morar no Rio com Ana. Deixando o bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, se mudaram para um imóvel em Ipanema. Marcelo ficou em Porto Alegre, tocando a rede de agentes autônomos da XP. Julio cumpria esse papel no Rio.
Modo de sobrevivência lunar
Enquanto a bolsa brasileira alcançava patamares nunca vistos na história, o mercado americano emitia sinais preocupantes. No dia 15 de setembro de 2008, após um fim de semana de negociações frenéticas, o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, quebrou. Ao contrário do que havia acontecido com o Bear Stearns, dessa vez o governo se recusou a intervir e decidiu procurar um comprador: o Lehman foi à lona. Nesse dia 15, a Bovespa caiu 7%. As ações brasileiras mais importantes caíram mais de 50% em menos de dois meses. Quando a crise veio, a XP e outras corretoras viveram um momento paradoxal. Embora parecesse que o mundo ia acabar, elas contabilizaram semanas lucrativas como nunca. Mas, em conversas com empresas industriais e outras, Guilherme se deu conta da crise terrível que sobreviria. Com bancos em xeque em todo o planeta, o sistema bancário tinha parado de emprestar.
Guilherme entrara em desespero, e o jeito seria vender uma parte da XP ou fazer uma fusão com uma corretora grande. De alguma forma, a empresa tinha que se fortalecer para enfrentar o furacão que se anunciava. 
No entanto, várias corretoras abordadas não aceitaram fazer negócio com a XP. A alternativa era cair nos braços do Itaú ou Unibanco. Jean Sigrist, da corretora do Itaú, entrou em conversação com a XP, que não evoluiu. Enquanto essa negociação não avançava, Julio acelerava as conversas com o Unibanco, que fez uma oferta de 240 milhões de reais. Tudo ia caminhando para os acertos finais, quando chegou a notícia de que Itaú e Unibanco tinham comunicado a fusão de suas operações. Para a XP não podia haver notícia pior.
No início de dezembro de 2008, Guilherme convocou uma reunião no escritório do Rio por teleconferência com os principais sócios de Porto Alegre. 

A partir dali, ele avisou, a XP entraria no que Glitz (sócio) batizou de ”modo de sobrevivência lunar”. 

Era preciso demitir e cortar custos. Depois de enxugar gastos, a orientação de Guilherme havia sido clara: encontrar outras fontes de receita. Se fossem depender apenas de corretagem, estariam perdidos.
O mais preocupante era que a estrutura financeira da XP permanecia frágil, o que gerava problemas com a liquidez de grandes somas de ações. Era preciso fazer uma combinação de duas coisas. Primeiro levantar capital para gerar mais segurança financeira. Segundo, buscar formas de diminuir a dependência da XP do vaivém da bolsa e com urgência.
Quero ser Schwab

A ansiedade de Guilherme contaminou os demais sócios: cada um tentava encontrar uma forma de diversificar as fontes de renda da XP. Era uma questão de sobrevivência pessoal. Eles já completavam pouco mais de um ano sem receber salário, bônus ou dividendos.
Uma das alternativas era observar o mercado americano. Os sócios da XP para lá se dirigiram. Lá travaram conhecimento com a corretora Schwab, de Charles Schwab, que em 2010 era o outsider mais rico do mercado financeiro americano. 
Crítico antigo de Wall Street, Charles Schwab criou uma estrutura de incentivos alinhada aos interesses dos pequenos investidores. Cortou as taxas pela metade e instituiu salários fixos a seus corretores. “Wake Up, America” (Acorde, América) era seu mote. Seguindo essa filosofia, a Schwab se transformou num “shopping financeiro”, oferecendo aos pequenos investidores milhares de produtos de outras instituições. 
A Schwab contava com milhares de independent financial advisors que ofereciam muito mais que dicas de compra dessa ou aquela ação: ofereciam uma assessoria completa de investimento. A XP já possuía essa rede. Faltava mostrar aos corretores que eles poderiam vender outros produtos. Depois de muitas procuras e conversas, a XP iria vender parte de suas ações para trazer uma corretora de grande porte ao grupo. Em troca de 20,5% da XP, a Actis, de capital britânico, faria uma injeção de 100 milhões de reais no negócio – ou seja, os sócios não venderiam ações. O objetivo dessa transação era dar à XP o fôlego financeiro que ela nunca havia tido.
Fechado o negócio, em meio a negociações estressantes, a XP adquiria maior credibilidade e um fôlego financeiro, ausente até então. A partir da entrada da Actis, a empresa poderia sair do modo de sobrevivência lunar. Os sócios voltariam a receber salários e dividendos. Eles eram donos de uma empresa de meio bilhão de reais.
Uma empresa bilionária
Para copiar a Schwab, a primeira tarefa era entender direito o que os americanos faziam. Eles mergulharam nos livros do próprio Charles Schwab e, o mais importante, na biografia How One Company Beat Wall Street and reivented the brokerage Industry (Como uma empresa venceu Wall Street e reinventou o mercado de corretoras). Ali, tinham o passo a passo contado de um jeito que alimentava ainda mais as ambições.
Seguindo a cartilha da Schwab, a XP fez uma campanha de marketing copiada desavergonhadamente da gigante americana. “Acorda, Brasil” era seu mote. Foram investidos 6 milhões de reais na compra de espaço na internet e em aeroportos. Ao longo de 2012, quando o shopping financeiro da XP já tinha cara de shopping e não de loja de rua, o crescimento das receitas dos novos produtos começou a acelerar. Até o fim do ano mais de quatrocentos fundos estariam disponíveis na plataforma, que era vendida por cerca de 1,5 mil agentes autônomos. No fim do ano, o shopping representava metade das receitas da XP, um resultado fenomenal.
A tentação para uma abertura de capital estava ficando forte. Os flertes anteriores com um IPO tinham sido uma decepção. No final de 2011, a XP foi convidada para um evento, promovido pelo Itaú em Nova York, em que empresas com potencial para abertura de capital eram apresentadas a investidores. Tiveram uma conversa com representante do bilionário investidor George Soros. Mas não se chegou a resultados concretos.
Guilherme havia deixado as tratativas potenciais de venda de participação da XP nas mãos de Julio e Maisonnave. Mas foi ele quem recebeu e-mail de um boliviano chamado Martin Escobari, sócio da empresa americana de private equity General Atlantic, a GA.
Escobari achava, porém, que a XP não estava pronta para o IPO. Faltava ganhar escala, ajustar a estratégia e mudar a equipe para, alguns anos depois, levar uma companhia mais azeitada ao mercado. Ele propôs, então, que a GA substituísse o possível IPO da XP, avaliando a empresa em mais de 1 bilhão de reais. Escobari queria tanto entrar naquela canoa que topou fazer uma proposta que avaliasse a XP no patamar de 1,2 bilhão de reais. A GA compraria parte das ações, da fatia da Actis, e faria um aporte no caixa. Chu Kong, da Actis, achava que a avaliação deveria ser de 1,5 bilhão, do contrário, não haveria negócio.
Em dezembro de 2012, a XP finalmente fechou a venda de 31% para a GA por 420 milhões de reais. A transação avaliava a XP em 1,23 bilhão de reais, mas, como haveria uma injeção de 150 milhões de reais no capital da XP, o valor da empresa passaria para 1,38 bilhão. A única exigência é que a XP, no ano de 2013, devia atingir a meta de 70 milhões de lucro. 
O fim do clube dos amigos
A empresa que, em 2001 gerava menos de 100 mil reais de receita por ano, faturou 200 milhões de reais, dez anos depois. Mas pouco mudara em sua equipe e em seus processos. Guilherme começou a ler livros sobre liderança e gestão, seguindo principalmente as lições do consultor Vicente Falconi. 
Seu hábito de se meter em todas as áreas, realizando o trabalho dos outros, fazia com que liderasse pelo exemplo, mas isso era insustentável numa empresa grande. Guilherme estava prestes a pifar – no entanto, primeiro precisava mudar as pessoas.
No processo, quase toda a cúpula da XP seria trocada. Em várias ocasiões, Guilherme diluía a participação de sócios, que, contrariados, deixavam a empresa. A diluição ocorria sempre que as cotas de produção não eram atingidas. Os conflitos atingiram tal grau que seu principal parceiro desde Porto Alegre, Maisonnave, vendeu sua parte, procurando outros ares.
Contudo, se era amargo aquele fim de ano, trazia um alívio. A XP entrava em 2015 com uma agenda clara de redução de despesas e sem sócios que, na visão de Guilherme, atrapalhavam. Havia sido uma fase dura, mas o clube dos amigos tivera de morrer para que a XP mudasse de patamar.
Velocidade de escape
Após a saída de Marcelo, Guilherme decidiu que era hora de se mudar para São Paulo. Ficar no Rio parecia justificar a visão de que a XP não jogava na primeira divisão do mercado brasileiro. Ninguém, àquela altura, tinha dúvidas de que era em São Paulo que as coisas aconteciam.
Guilherme estava de volta com Ana Clara, e a vida estava boa numa cobertura da Barra da Tijuca em frente à XP. Bem a seu estilo, o passatempo do casal era tirar férias para fazer corridas de aventura. Uma delas: percorrer os quase 120 quilômetros da famosa ultramaratona de Mont Blanc, na França, em três anos seguidos.
A ida para São Paulo acalmou a disputa entre cariocas e paulistas que havia alimentado o racha entre Guilherme e Marcelo. Com o mandachuva em São Paulo, a XP passou a funcionar como uma empresa só.

A XP começou a fazer feiras de investimento. A Expert, a tal feira copiada da Schwab, era o veículo para manter os agentes nos trilhos. 

Em 2014, seu tema foi “Entender para Atender”. Àquela altura, a Expert já era um evento de três dias para 10 mil pessoas e estava perto de superar a Impact, feira que dera origem a tudo.
A XP ficou, em 2015, mais fácil de administrar. A centralização das estruturas em São Paulo propiciava uma agilidade que não existia quando a empresa possuía, na prática, duas matrizes. Em 2014, a XP contava com quase quinhentos funcionários no Rio e trezentos em São Paulo. A mudança para a Faria Lima abriu espaço para trezentas demissões.
Quando era apenas uma corretora de ações, a XP calculava que tinha de 2% a 3% do total de investimentos dos clientes. Em 2015, a parcela da XP dos investimentos do cliente era de aproximadamente 40% – um número que aumentava aos poucos, à medida que os usuários gostavam do que viam e sentiam-se seguros e iam tomando coragem para abandonar os bancos.
Para ampliar sua cobertura, a XP usou campanha publicitária na televisão. A campanha de TV fechada em que o ator global, Murilo Benício, se diz um dos 160 mil brasileiros que descobriram a vida fora dos bancos, fez o volume de abertura de contas aumentar 30% em relação às cidades de controle.
Vislumbrou-se também a possibilidade de criar um banco, mas a ideia não foi em frente. Após vasculhar o mercado em busca de um banco para comprar – inclusive anunciando a intenção de comprar a operação brasileira do gigante americano Citigroup -, a XP engavetou o projeto.
A XP pelejou muito para comprar a corretora Rico, sua concorrente. Ela chegou a propor a um dos principais sócios da Rico, Norberto Giangrande Jr., que metade do pagamento por suas ações fosse feita com ações da XP. Mas ele não quis. A briga judicial em torno dos operadores tirados da Rico pela XP foi encerrada ao longo da negociação. E, em dezembro de 2016, a XP anunciou a compra da Rico por 203 milhões de reais. 
A compra da concorrente representava o fim de um ano glorioso para a XP. Tudo estava dando certo. O volume de dinheiro captado começava a beliscar 2 bilhões de reais por mês. A XP havia alcançado a tal “velocidade de escape” que Martin Escobari tanto pedia.
Dual track
O modelo estava mais encaixado do que nunca. Parecia chegada a hora de executar o tantas vezes adiado plano de abrir o capital da empresa, vendendo as ações na Bovespa. Todo mundo achava que se devia aproveitar a janela do momento. Uma vez aprovado o IPO pelo conselho de administração, a XP fechou o grupo de bancos para coordenar o IPO, liderado pelo J. P. Morgan, mas contando ainda com Itaú BBA, Morgan Stanley, BTG Pactual, Bradesco BBI, Goldman Sachs e Bank of America Merrill Lynch, além da própria corretora. Pela primeira vez na história da XP, e depois de tanto se falar sobre o assunto, o IPO era algo palpável.
Aos 45 anos, Marin Escobari era macaco velho. Se para os sócios da XP tudo naquele IPO era novidade, ele já vira de tudo um pouco em sua carreira. Principalmente, já tinha passado por um punhado de situações como aquela. Se a vida tinha lhe ensinado alguma coisa, era a importância de partir para um IPO com um plano B – o chamado dual track. Numa dual track, a empresa dá a largada em seu IPO, mas também abre, discretamente, espaço para a venda a um único investidor.
Escobari sempre achara que o Itaú seria o comprador mais óbvio para a XP, mas tinha ficado quieto até ali. Quando começou o dual track, porém, ele colocou o plano em marcha. Já no fim de 2016, disse aos sócios executivos da empresa que seria muito importante melhorar o relacionamento com o Itaú, que, àquela altura, tinha uma rixa direta com a XP em função dos clientes que perdia.
Depois de muitas reuniões e estudos, o poderoso banqueiro Roberto Setúbal, presidente do Itaú, resolveu entrar na jogada da compra da XP. Convidou Guilherme para uma conversa.
– Eu dei uma boa aprofundada na avaliação sobre a XP e acredito no seu modelo de negócio – disse Setúbal. Estou vendo que você quer abrir o capital. Será que não tem espaço para fazermos algo junto? Guilherme falou que aceitaria conversar, mas a XP teria que ser independente. 
Sem muito drama, os dois concordaram com uma estrutura em que o Itaú iria comprar a maior parte das ações preferenciais da XP, ou seja, aquelas sem poder de voto, com uma fatia minoritária de ações ordinárias. Assim, o banco teria uma participação relevante na empresa, mas não o controle do negócio, uma vez que os sócios da XP continuariam com a maioria das ações votantes.
A partir desse diálogo, foram quase três meses discutindo cláusulas, ponto a ponto, com o Itaú. O escritório BMA, mais uma vez era o bunker oficial da turma da XP, que se revezava também na sede do J.P. Morgan, a três quarteirões dali. O J.P. Morgan operava nas duas modalidades: IPO e compra e venda. Havia muitas questões estratégicas em discussão. Por fim, vendedor e comprador começaram a ceder. 
A XP aceitou, por exemplo, aumentar as contas de reserva – recebendo menos no curto prazo para assegurar uma eventualidade ou gasto maior com investimentos em tecnologia ou marketing. Essas contas e posições iriam se ajustando à medida que o Itaú comprasse novas participações. Pelo acordado, depois de obtidas as aprovações regulatórias, o Itaú aportaria 600 milhões de reais na XP Investimentos e pagaria 5,7 bilhões de reais por 49,9% do capital da XP (sendo 30,1% das ações ordinárias, com direito a voto). 
Mais dois aumentos de participação viriam. Em 2020, o banco compraria mais 12,5% do capital (atingindo 40% das ordinárias e 62,4% do capital total da XP), avaliando a XP por um múltiplo de dezenove vezes o lucro. Em 2022, adquiriria um percentual adicional de 12,5%, que garantiria ao banco 74,9% da empresa (sendo 49,9% das ações ordinárias), dessa vez com base no valor justo de mercado da XP à época.
A 11 de maio de 2017, Guilherme foi informado de que os contratos estavam prontos para a assinatura. Foram mais algumas horas de revisões e checagens, até que tudo estava assinado por todas as partes envolvidas. Guilherme embolsava 1 bilhão de reais na venda de um terço de suas ações – a transação avaliava sua participação na XP em 2,7 bilhões de reais.
Não só o Vale do Silício tinha seus heróis, mas também o eixo Rio-São Paulo: entre eles, certamente, Guilherme Benchimol.
Texto: Rogério H. Jönck
Imagens: Reprodução
Ficha técnica:

Título: Na raça – como Guilherme Benchimol criou a XP
Autora: Maria Luíza Filgueiras (2019)
Primeira edição: Editora Intrínseca

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