Adam Grant, uma das maiores referências em recursos humanos do mundo, acredita que é possível aprender a abrir a mente, e que repensar é uma forma de estar preparado para mudanças
Ideias centrais:
1 – Repensar é uma habilidade, mas também uma mentalidade. Muitas das ferramentas mentais de que precisamos, nós já as temos, só precisamos nos lembrar de tirá-las do fundo do baú e limpar a ferrugem. Mãos à obra.
2 – Enquanto pensamos, é comum assumirmos a mentalidade de três profissões: pastor, advogado ou político. Entramos no modo pastor quando nossas crenças são desafiadas; no modo advogado, quando desbancamos teses contrárias; no modo político para conquistar eleitores, mesmo à custa da verdade. É preciso entrar no modo cientista, testando hipóteses.
3 – Nas universidades americanas, mais da metade dos professores de exatas e biomédicas passa pelo menos 80% do tempo dando aulas expositivas, pouco mais de um quarto acrescenta momentos interativos com os alunos.
4 – Segurança psicológica abrange um clima de respeito, confiança e abertura, no qual as pessoas possam expressar preocupações e fazer sugestões sem medo de serem repreendidas. Ele é a base de uma cultura de aprendizagem.
5 – Precisamos ter humildade para reconsiderar compromissos passados, dúvida para questionar decisões atuais e curiosidade para reimaginar planos para o futuro. O repensamento nos liberta não só para atualizarmos conhecimentos e opiniões – ele nos ajuda na busca de uma vida mais recompensadora.
Sobre o autor:
Adam Grant é reconhecido como um dos estudiosos mais influentes na área de recursos humanos. Como professor, além de ser o mais bem avaliado da Wharton School, foi considerado um dos 40 melhores docentes de administração com menos de 40 anos. É autor dos livros Dar e receber e Originais.
Introdução:
É possível que respostas repensadas não sejam inerentemente melhores. No entanto, pesquisas recentes com estudantes demonstram que o que faz diferença não é meramente mudar a resposta, mas refletir se ela deve ser mudada.
A questão não é que temos medo de repensar respostas. Temos medo da própria ideia de repensar. Vejamos um experimento em que centenas de universitários foram escolhidos de forma aleatória para aprender sobre a falácia do primeiro instinto. Um palestrante explicou a eles como era importante mudar de ideia e em que ocasiões fazer isso. Mesmo assim, nas duas provas seguintes que fizeram, os estudantes não se mostraram nem um pouco mais propensos a reconsiderar suas respostas.
Parte do problema é a preguiça criativa. Alguns psicólogos alegam que somos “sovinas mentais”: preferimos a facilidade de nos agarrarmos à visões antigas à dificuldade de compreender ideias novas. Mas existem também forças mais profundas por trás dessa resistência. Quando nos questionamos, o mundo se torna mais imprevisível. Somos forçados a admitir que os fatos podem ter mudado, que algo que antes era correto pode ser errado agora. Repensar algo em que acreditamos piamente é uma ameaça à nossa identidade, nos dá a sensação de que estamos perdendo parte de nós.
Meu objetivo neste livro é explorar como se dá a reavaliação de um pensamento. Procurei os dados mais convincentes e alguns dos maiores repensadores do mundo. A primeira parte tem como foco abrir nossa mente. Você vai descobrir por que um empreendedor com um olhar no futuro ficou preso ao passado, como uma candidata inesperada à presidência de seu país começou a encarar a síndrome do impostor como uma vantagem, como um cientista vencedor do prêmio Nobel aceita de bom grado estar errado, como os melhores analistas políticos do mundo atualizam suas opiniões e como um cineasta do Oscar consegue ter discussões construtivas.
A segunda parte avalia como podemos incentivar outras pessoas a rever seus conceitos. Você vai aprender como um campeão internacional de debates vence argumentos e como um músico negro convence supremacistas brancos a abandonar o ódio. Vai descobrir também como um tipo especial de escuta auxiliou um médico a mudar a percepção de pais e mães a respeito de vacinas e ajudou uma política a convencer um líder militar ugandês a iniciar negociações pela paz. E, se você for torcedor do Yankees, vou tentar convencê-lo a torcer pelo Red Sox.
A terceira parte trata de como criar comunidades de aprendizado vitalício. No aspecto social, tratarei de um laboratório especializado em conversas difíceis para esclarecer de que modo podemos nos comunicar melhor sobre questões polêmicas, como aborto e mudança climática. Em relação às escolas, veremos de que maneira educadores ensinam crianças a repensar encarando as salas de aula como museus, abordando projetos como se fossem marceneiros e reescrevendo livros didáticos já consagrados. E concluiremos com uma reflexão sobre a importância de reconsiderar nossos planos mais detalhados.
PARTE I – Repensamento individual – Como atualizar nossas próprias opiniões
O primeiro sucesso de Mike Lazarides veio quando ele patenteou um aparelho para ler os códigos de barra em películas de filme, algo tão útil para Hollywood que lhe rendeu um Emmy e um Oscar por contribuição técnica. E isso não foi nada comparado à sua grande invenção seguinte, que transformou seu negócio na empresa que mais crescia no mundo. O principal produto de Mike logo atraiu uma legião de seguidores, com clientes inveterados, que iam de Bill Gates a Christina Aguilera.
Mike Lazarides bolou o BlackBerry como um aparelho de comunicação portátil para enviar e receber e-mails. Em meados de 2009, o aparelho representava quase a metade do mercado de smartphones americano. Em 2014, no entanto, sua presença havia despencado para menos de 1%.
Quando uma empresa sofre uma queda vertiginosa como essa, é impossível definir um único motivo, então tendemos a antropomorfizá-la: a BlackBerry não conseguiu se adaptar. Mas se adaptar a um ambiente em transformação não é algo que uma empresa faça, e sim pessoas, por meio de muitas e muitas decisões que tomam todos os dias. Como cofundador, presidente e co-CEO, Mike era encarregado de todas as decisões técnicas e de produto na BlackBerry. Apesar de suas ideias terem sido a faísca que deu início à revolução dos smartphones, sua dificuldade em repensar as coisas acabou travando o fôlego da empresa e praticamente asfixiando sua invenção. Onde foi que ele errou?
Repensar é uma habilidade, mas também uma mentalidade. Muitas das ferramentas mentais de que precisamos nós já temos, só precisamos nos lembrar de pegá-las lá do fundo do baú e tirar a ferrugem.
Com os avanços no acesso às informações e à tecnologia, o conhecimento não apenas aumenta – ele aumenta em proporções cada vez maiores. A quantidade de informações que se consumia por dia em 2011 era cinco vezes maior do que aquela que se consumia 25 anos antes. Em 1950, levávamos cerca de cinquenta anos para dobrar nosso conhecimento de medicina; em 1980, ele passou a dobrar a cada sete anos e, em 2010, em metade desse tempo. O ritmo acelerado das mudanças nos obriga, mais do que nunca, a aprender a questionar rapidamente nossas crenças.
Imagine que você tem um amigo de família que é consultor financeiro e ele recomenda um investimento que outro seu muito entendido no assunto julga arriscado. O que fazer?
Quando se viu nessa situação, um homem chamado Stephen Greenspan decidiu comparar o alerta do amigo desconfiado com os dados disponíveis. Fazia muitos anos que a irmã de Stephen investia no fundo recomendado pelo consultor e estava satisfeita, assim como vários amigos. Apesar de os rendimentos não serem extraordinários, eram consistentemente satisfatórios. O consultor acreditava tanto no potencial do fundo que investia o próprio dinheiro nele. Munido dessas informações, Stephen decidiu arriscar. Em um gesto ousado investiu nesse fundo quase um terço de suas economias reservadas para a aposentadoria. Não demorou a constatar uma valorização de 25%.
Então, do dia para a noite, perdeu tudo. O tal fundo era o infame esquema de pirâmide financeira criado por Bernie Madoff.
Pastor, advogado e político
Duas décadas atrás, meu colega de trabalho Phil Tetlock descobriu algo peculiar. Enquanto pensamos e falamos, é comum assumirmos a mentalidade de três profissões: pastor, advogado ou político. Em cada um desses modos, assumimos uma identidade específica e usamos um conjunto diferente de ferramentas. Entramos no modo pastor quando nossas crenças sagradas são desafiadas: fazemos pregações para proteger e promover nossos ideais. Passamos para o modo advogado quando reconhecemos falhas no raciocínio de outra pessoa: apresentamos argumentos para desbancar teorias contrárias e ganhar o caso. Vamos para o modo político quanto tentamos conquistar uma plateia: fazemos campanha e lobby pela aprovação dos eleitores. O risco disso é nos tornarmos tão envolvidos em pregar nossas crenças certas, em argumentar contra as crenças erradas dos outros e em discursar em busca de apoio que não nos damos ao trabalho de repensar nossas visões.
É preciso entrar no modo cientista. Mas ser cientista não se trata apenas de uma profissão. É um estado de espírito – uma forma de pensar diferente de pregar, de advogar e de fazer política. Entramos no modo cientista quando buscamos a verdade: fazemos experimentos para testar hipóteses e encontrar o conhecimento. As ferramentas científicas não são exclusivas de pessoas com jaleco branco e tubos de ensaio. As hipóteses pertencem à nossa vida tanto quanto aos laboratórios.
Fizeram Jobs mudar de ideia
Em 2004, um pequeno grupo de engenheiros, designers e profissionais de marketing apresentou a Jobs a proposta de transformar seu produto de maior sucesso, o iPod, em um telefone. “Por que cargas d’água a gente faria uma coisa dessas”, rebateu Jobs. “É a ideia mais ridícula que já ouvi.” A equipe tinha percebido que os celulares começaram a apresentar a capacidade de tocar música, mas Jobs achou que acabariam canibalizando o lucrativo mercado de iPod da Apple. Ele odiava empresas de telefonia celular.
Pesquisas mostram que, quando estamos lidando com alguém que resiste a transformações, é importante reforçar o que vai permanece igual. Pensar em mudanças se torna mais interessante quando se inclui continuidade. Apesar de nossa estratégia ser capaz de evoluir, nossa identidade persiste.
Os engenheiros que trabalhavam com Jobs sabiam que essa era uma das melhores formas de convencê-lo. Garantiram que não transformariam a Apple em uma empresa de celulares. Ela continuaria vendendo computadores – o plano era manter os produtos existentes e apenas acrescentar um celular. A Apple já colocava 20 mil músicas no bolso das pessoas, por que não colocar tudo mais? Seria preciso repensar a tecnologia, mas o DNA da empresa seria preservado. Depois de seis meses discutindo a ideia, Jobs finalmente ficou curioso o suficiente para aceitá-la, e duas equipes diferentes começaram uma corrida de experimentos para determinar se deveriam acrescentar a capacidade de fazer chamadas ao iPod ou transformar o MAC em um tablet em miniatura que também servisse como telefone. Apenas quatro anos após seu lançamento, o Iphone era responsável por metade dos lucros da Apple.
Uma das maiores especialistas mundiais em conflito é uma psicóloga organizacional da Austrália chamada Karen “Etty” Jehn. Quando você pensa em conflito, provavelmente visualiza aquilo que Etty chama de conflito pessoal: brigas pessoais, emotivas, cheias não apenas de atrito, mas também de hostilidade. Odeio você com todas as minhas forças. Vou falar devagar para ver se assim você me entende, seu idiota. Parece que você gosta de ficar se humilhando.
Mas Etty identificou outro tipo, chamado conflito funcional: embates sobre ideias e opiniões. Temos um conflito funcional quando discutimos sobre qual candidato contratar, em qual restaurante jantar ou se devemos batizar nosso filho de Gertrudes ou Quasar. A questão é que os dois tipos de conflito têm consequências diferentes.
Numa pesquisa, os grupos com desempenho ruim começaram com mais conflito pessoal do que funcional. Eles iniciaram rixas particulares e estavam tão ocupados se detestando que não se sentiam à vontade para se desafiarem. Muitas das equipes levaram meses para conseguir amenizar seu problema de relacionamento e, quando finalmente passaram a debater decisões fundamentais, era tarde demais para repensar seu rumo.
O que aconteceu com os grupos com bom desempenho? Como era de se esperar, começaram com poucos conflitos pessoais e permaneceram assim durante o trabalho. Isso não impediu de ter conflitos funcionais, desde o princípio: ninguém hesitava em expor perspectivas opostas. Ao resolverem algumas desavenças, eles conseguiam chegar a um consenso sobre a direção a seguir até se depararem com novas questões a debater.
No ano 2000, a Pixar estava com tudo. Eles haviam usado computadores para repensar a animação em seu primeiro sucesso, Toy Story, e tinham acabado de lançar mais dois filmes de destaque. Mas os fundadores da empresa não queriam parar por aí. Eles recrutaram um diretor externo chamado Brad Bird para dar uma renovada. Brad tinha acabado de lançar seu primeiro longa, que fora um sucesso de crítica mas um fracasso nas bilheterias, então estava empolgado para fazer algo grande e ousado. Quando ele apresentou sua ideia, a liderança técnica da Pixar disse que seria impossível: precisariam de uma década e US$ 500 milhões para executá-la.
Observe o que Brad não fez. Ele não encheu sua equipe de pessoas agradáveis. Esse tipo de personalidade forma equipes e redes de apoio ótimas, que gostam de nos incentivar e torcem pelo nosso sucesso. O repensamento necessita de uma rede diferente: um grupo desafiador, formado por pessoas em quem confiamos para apontar pontos cegos e nos ajudar a superar fraquezas. Seu papel é ativar ciclos de repensamento, nos impulsionando a enxergar nossa capacidade com humildade, a duvidar de nossos talentos e a ter curiosidade por novas perspectivas.
Já vi muitos líderes fugirem de conflitos funcionais. Conforme ganham poder, eles passam a ignorar os questionadores e a escutar os lambe-botas. Tornam-se políticos, cercando-se de bajuladores agradáveis e ficando mais vulneráveis à sedução dos puxa-sacos. Pesquisas mostram que, quando suas empresas têm um desempenho ruim, presidentes viciados em elogios e conformidade demonstram excesso de confiança. Eles permanecem apegados a estratégias antigas em vez de mudar de rumo – e seguem em rota de colisão com o fracasso.
PARTE II – Repensamento interpessoal – Como abrir a mente de outras pessoas
Durante minha infância, meu sensei de caratê me ensinou a nunca começar uma briga que eu não fosse capaz de vencer. Essa era minha postura em debates no trabalho e com amigos: eu achava que o segredo para a vitória era entrar na batalha armado com lógicas irrefutáveis e dados precisos. Porém, quanto mais eu atacava, mais meus oponentes se defendiam. Meu único foco era convencê-los a aceitar minhas visões e repensar as deles, mas acabava me comportando nos modos pastor e advogado. Apesar de essas mentalidades me motivarem a continuar argumentando, era comum que eu acabasse me indispondo com a plateia. Eu não vencia.
Por séculos e séculos o debate foi apreciado como uma arte, mas hoje em dia existe uma ciência cada vez mais aprofundada sobre como conseguir os melhores resultados. Em um debate formal, o objetivo é fazer a plateia mudar de opinião. Nos informais, tentamos mudar a opinião de nosso interlocutor. É quase como uma barganha, e eu e você tentamos chegar a um consenso sobre a verdade. Estudei psicologia de negociação para absorver mais conhecimento e melhorar minha habilidade de vencer debates e, com o tempo, usei o que aprendi para ensinar técnicas a líderes empresariais e governamentais. Acabei convencido de que meus instintos – e o que aprendi no caratê – estavam completamente errados.
Numa guerra, o objetivo é ganhar terreno, não perder, então costumamos ter medo de nos render em algumas batalhas. Em uma negociação, concordar com o argumento do oponente é um ato apaziguador. Os especialistas reconheceram que, na dança, eles não podiam ficar parados e esperar que as outras pessoas executassem todos os passos. Para ter harmonia, precisavam dar um passo para trás de vez em quando.
Uma diferença era visível antes mesmo de qualquer voluntário se sentar à mesa de negociações. Antes de começar, os pesquisadores entrevistaram ambos os grupos sobre seus planos. Os negociadores medianos estavam armados para a briga, quase sem levar em consideração quaisquer questões com que todos poderiam concordar. Já os especialistas mapearam uma série de passos de dança que poderiam executar com o outro lado, dedicando mais de um terço do planejamento para encontrar um denominador comum.
Conforme os negociadores começaram a discutir opções e fazer propostas, uma segunda diferença surgiu. A maioria das pessoas pensa que discussões são como uma balança: quanto mais razões empilhamos de um lado, mais ela pende a nosso favor. Porém, os especialistas fizeram o completo oposto: eles apresentaram menos razões para defender seu caso. Não queriam enfraquecer seus melhores argumentos. Como Rackham explicou: “Um argumento fraco geralmente dilui um forte.”
Encantadores de vacina
Hoje em dia, no mundo desenvolvido, pela primeira vez em pelo menos 50 anos o índice de contágio do sarampo está aumentado e a taxa de mortalidade está em cerca de 1 para cada mil pessoas. Em países em desenvolvimento, o número se aproxima de 1 para cada 100. Estimativas sugerem que entre 2016 e 2018 houve um alta de 58% nas mortes por sarampo, somando mais 100 mil vítimas nesse período. Essas fatalidades poderiam ter sido prevenidas pela vacina, que salvou cerca de 20 milhões de vidas nas últimas duas décadas.
Se o medo da vacina era infundado, era hora de oferecer uma dose de verdade. No geral, os resultados foram insatisfatórios. Em uma dupla de experimentos na Alemanha, o tiro saiu pela culatra em tentativas de apresentar pesquisas sobre a segurança das vacinas: as pessoas acabavam acreditando que elas eram ainda mais arriscadas. Parecia que não havia argumentos lógicos ou explicações baseadas em dados capazes de abalar a convicção de que vacinas são perigosas.
O pequeno Tobie, filho de Marie-Hélène Étienne-Rousseau, finalmente recebeu alta de tratamento de sarampo após cinco meses no hospital, mas permanecia muito vulnerável. Os enfermeiros sabiam que aquela seria a última chance de vaciná-lo, então chamaram um encantador de vacinas: um médico local, com uma abordagem radical, para ajudar jovens pais a repensarem sua resistência a imunizações. Ele não pregava nem argumentava contra os tutores, não agia como pastor, advogado nem político. Entrava no modo cientista e os entrevistava.
O processo da entrevista motivacional envolve três técnicas fundamentais:
- Fazer perguntas abertas (aquelas cuja resposta não se limita a sim ou não)
- Escutar de forma reflexiva
- Afirmar o desejo e a capacidade da outra pessoa de mudar
Enquanto Marie-Hélène se preparava para levar Tobie para casa, os enfermeiros chamaram o encantador de vacinas, um neonatologista e pesquisador chamado Arnaud Gagneur. Sua especialidade era aplicar técnicas de entrevista motivacional a discussões sobre vacinas. Quando se sentou para conversar com Marie-Hélène, Arnaud não a julgou por não vacinar os filhos nem ordenou que ela mudasse. Seu comportamento era como o de um cientista, ou de “um Sócrates menos ríspido”, como descreveu o jornalista Eric Bodman ao relatar o encontro.
Arnaud disse a Marie-Hélène que tinha medo do que poderia acontecer a Tobie se ele pegasse sarampo, mas que aceitava sua decisão e queria entendê-la. Por mais de uma hora, o médico fez perguntas abertas sobre como ela havia chegado à decisão de não vacinar. Ouviu as respostas com atenção. No fim da conversa, Arnaud lembrou a Marie-Hélène que ela era livre para imunizar ou não o filho.
Vitória. Antes de sair do hospital, Marie-Hélène vacinou Tobie.
PARTE III – Repensamento coletivo – Como criar comunidades de aprendizes vitalícios
Há oito anos, Erin McCarthy dá aula de estudos sociais na região de Milwaukee, no Wisconsin. Sua missão é cultivar o interesse pelo passado, mas também motivar os alunos a atualizar seu conhecimento sobre o presente. Em 2020, ela ganhou o prêmio de Professora do Ano do estado.
Um dia, um aluno reclamou de um trecho errado no livro didático de história. Para um professor, esse tipo de crítica pode ser um pesadelo. Usar um livro desatualizado seria sinal de que você não conhece o material e seria vergonhoso os alunos notarem o erro primeiro.
Mas Erin havia passado aquela tarefa de leitura de propósito. Ela coleciona livros de história antigos porque gosta de ver como as narrativas mudam com o tempo. Aquele trecho era de um material de 1940. Alguns simplesmente aceitaram a informação apresentada, sem questionar – ao longo de anos de educação, eles passaram a aceitar que livros didáticos apresentam a verdade. Outros ficaram horrorizados com os erros e as omissões, sua mente estava impregnada com a concepção de que materiais de leitura transmitem fatos inquestionáveis. A lição fez com que começassem a pensar como cientistas e o que eles estavam perdendo se apenas uma ou duas perspectivas eram contadas.
No ensino de história, existe um movimento cada vez maior para a elaboração de perguntas que não têm uma única resposta certa. Em um currículo desenvolvido em Stanford, alunos de ensino médio são incentivados a examinar de forma crítica os acontecimentos que levaram à Guerra Hispano-Americana, se o New Deal foi ou não um sucesso e por que o boicote aos ônibus em Montgomery foi um divisor de águas. Alguns professores até pedem aos alunos que entrevistem pessoas de quem discordam. O foco não é estar certo, mas desenvolver habilidades para refletir sobre pontos de vista diferentes e discursar de forma produtiva.
Nas universidades americanas, mais da metade dos professores de exatas e biomédicas passa pelo menos 80% do tempo dando aulas expositivas, pouco mais de um quarto acrescenta momentos interativos e menos de um quinto usa metodologias ativas de aprendizado realmente centradas nos alunos. Em escolas de ensino médio, supõe-se que metade dos professores trabalhe de modo expositivo boa parte do tempo ou sempre. Esse método de aprendizado nem sempre é o mais eficiente, além de não ser capaz de transformar alunos em aprendizes vitalícios. Se você passar todos os seus anos escolares recebendo informações sem nunca ter a oportunidade de questioná-las, não vai desenvolver as ferramentas necessárias para aprender e repensar.
Segurança psicológica
Anos atrás, Amy Edmondson, uma engenheira que virou professora de administração, se interessou pela prevenção de erros médicos. Ela foi a um hospital e perguntou aos funcionários qual era o grau de segurança psicológica que sentiam no trabalho: eles podiam tomar decisões arriscadas sem medo de serem punidos? Então, ela reuniu dados sobre a quantidade de erros médicos efetuados por cada equipe, rastreando falhas graves, como doses potencialmente fatais de medicamentos errados. Para sua surpresa, quanto mais segurança psicológica uma equipe sentia, maior a taxa de erros cometidos. Parecia que a segurança psicológica levava à complacência.
Porém, Edmondson logo reconheceu uma limitação importante dos dados: todos os erros tinham sido relatados pelos próprios culpados. Para conseguir medir os erros com imparcialidade, ela enviou um observador disfarçado para as unidades. Ao analisar esses dados, os resultados foram opostos: equipes que se sentiam psicologicamente seguras relatavam mais erros, mas os cometiam com uma frequência muito menor. Por não terem medo de admitir suas falhas, esses funcionários conseguiam entender os motivos por trás do erro e evitar repeti-los. Os grupos que não se sentiam psicologicamente seguros escondiam seus equívocos para evitarem punições, dificultando a identificação das suas origens e a prevenção de problemas futuros. Os mesmos erros se repetiam sempre.
Desde então, as pesquisas sobre segurança psicológica decolaram. Quando trabalhei em um estudo na Google para identificar os fatores que caracterizavam equipes com alto desempenho e bem-estar, o elemento mais importante não era quem fazia parte do grupo nem o propósito que tinham no trabalho. O diferencial era a segurança psicológica.
Edmondson faz questão de alertar que a segurança psicológica não se trata de baixar o nível de exigência, deixar as pessoas mais confortáveis, ser legal e simpático nem fazer elogios sem motivo. É alimentar um clima de respeito, confiança e abertura, no qual as pessoas possam expressar preocupações e fazer sugestões sem medo de serem repreendidas. Ela é a base de uma cultura de aprendizagem.
PARTE IV – Conclusão
Quando nos dedicamos a um plano e ele não acontece como o esperado, dificilmente nosso primeiro instinto é repensá-lo. Na verdade, tendemos a teimar e investir mais recursos nele. Esse comportamento se chama escalada de compromisso.
Um dos principais motivos para fracassos que podiam ter sido prevenidos é a escalada de compromisso. Ironicamente, ela pode ser alimentada por um dos propulsores de sucesso mais elogiados: a tenacidade – uma mistura de paixão com perseverança. Pesquisas mostram que ela pode ter um papel importante na motivação para alcançar objetivos em longo prazo, porém, quando se trata de repensamento, pode ter um lado sombrio. Experimentos indicam que pessoas tenazes apresentam uma tendência maior a passar mais tempo que deveriam apostando em jogos de azar e são mais dispostas a insistir em tarefas que estão dando errado, mesmo quando o sucesso é impossível. Pesquisadores até sugerem que alpinistas tenazes têm mais probabilidade de morrer em expedições, porque estão dispostos a fazer de tudo para chegar ao pico. Existe uma linha tênue entre a persistência heroica e a teimosia tola. Às vezes, o melhor tipo de tenacidade é trincar os dentes e dar meia-volta.
Quando meus alunos falam sobre a evolução da autoestima em sua carreira, a progressão costuma acontecer assim:
Fase 1: Não sou importante
Fase 2: Sou importante
Fase 3: Quero contribuir com algo importante
Notei que, quanto mais rápido eles chegam à fase 3, mais impacto causam e mais felizes se sentem. Isso me faz pensar na felicidade menos como um objetivo e mais como resultado da aptidão e do propósito. O filósofo John Stuart Mill escreveu: “Só são felizes aqueles que têm a mente focada em algum objeto diferente da própria felicidade: no bem-estar de terceiros, na melhoria da humanidade, até em alguma arte ou busca, almejada não como um recurso, mas como ideal. Assim, ao mirar em algo diferente, eles encontram a felicidade pelo caminho.”
Repensamento
Precisamos ter humildade para reconsiderar compromissos passados, dúvida para questionar decisões atuais e curiosidade para reimaginar planos para o futuro. O que descobrimos ao longo do caminho pode nos libertar das correntes dos nossos arredores familiares e das nossas versões antigas. O repensamento nos liberta não só para atualizarmos conhecimento e opiniões – ele nos ajuda a buscar uma vida mais recompensadora.
Ficha técnica:
Título: Pense de novo – O poder de saber o que você não sabe
Título original: Think Again
Autor: Adam Grant
Primeira edição: Sextante
Fotos: Divulgação. Prostock-studio/adobe stock, Lenscap50/adobe stock, Fotokitas/adobe stock, Antonio Guillem/adobe stock
Resenha: