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“Meu sonho é impactar 1 bilhão de vidas usando tecnologia na saúde”

Criador do primeiro robô cognitivo gerenciador de riscos do mundo, o empresário Jacson Fressato foi movido pela dor da perda de sua filha primogênita.

Por Monica Miglio Pedrosa

Autodidata em tecnologia, o empresário Jacson Fressatto atuava como especialista em infraestrutura para segurança corporativa quando uma experiência pessoal mudou o rumo da sua vida em 2010. O nascimento e a perda de sua filha primogênita Laura Fressatto para a sepse, com apenas 18 dias de vida, motivou sua busca por desenvolver um produto capaz de ajudar a salvar vidas.

“Tive a sorte de ter sido encaminhado para um atendimento de excelência na saúde pública de Curitiba que permitiu que a Laura nascesse, após um diagnóstico de doença na gestação. Tudo que vem depois disso é movido pela minha vontade de replicar essa boa experiência para o maior número de pessoas possível”, conta Jacson, em entrevista ao [EXP].

O robô Laura, desenvolvido por ele e por sua equipe, monitora os riscos de deteriorização clínica dos pacientes em hospitais, antecipando em até 10 horas o alerta de risco e portanto a atuação do corpo clínico, o que é crucial em muitos casos. Segundo números do Instituto Laura Fressatto, o sistema já ajudou a salvar 60 mil vidas.

Durante a pandemia, um novo produto, o Laura Care, foi desenvolvido como uma alternativa de atendimento digital no pronto socorro público de Curitiba, fazendo com que somente os casos mais críticos fossem encaminhados para consulta presencial e evitando a sobrecarga do sistema. O Laura Care acabou se tornando uma empresa separada do Instituto Laura Fressatto, o que possibilitou o recebimento de um primeiro aporte seed da GAA Investments, no valor de R$ 10 milhões, em 2021. A solução já é comercializada em centenas de hospitais públicos e particulares.

Na entrevista, Jacson revela detalhes de uma parceria que fez com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que pode impulsionar o uso do robô pelo Ministério da Saúde nos próximos anos. “Alcançar os 215 milhões de brasileiros é o primeiro passo para chegar a 1 bilhão de vidas impactadas”, afirma.

Jacson, você teve uma experiência diferenciada na gestação da Laura e disso nasceu o desejo de levar esse acesso à saúde para o maior número de pessoas. Como foi esse processo?

Jacson Fressato – Em 2010 descobrimos um evento adverso na gestação da minha filha mais velha, a Laurinha. Um dia, a mãe da Laura acordou com a sensação de não estar sentindo o bebê na barriga, fomos a uma consulta particular e não conseguimos ouvir seu coração. A médica recomendou uma ecografia, mas como era uma sexta-feira final do dia, não conseguimos agendar nada de urgência. Fomos então para o pronto-socorro público e encaminhados para o Mãe Curitibana, programa voltado exclusivamente para gestantes.

O caso passou a ser atendido pelo Hospital das Clínicas da UFPR e eles diagnosticaram diástole reversa, que impede a nutrição do bebê. A recomendação médica padrão nesses casos, antes da 25ª semana, é a interrupção da gravidez devido ao risco ao feto e à mãe. Mas no Mãe Curitibana o protocolo é sempre dividir a informação com a mãe e ela optou por seguir com a gestação, de forma monitorada. Eu falo que o nosso grande ganho de termos sido atendidos por este programa foi ter podido conhecer a Laura, graças à ciência, à tecnologia e a uma política pública de saúde muito consistente. Tudo que vem depois disso se trata de eu querer replicar essa experiência ao maior número de pessoas possível.

O que aconteceu após o nascimento da Laura?

Após 18 dias de nascida, Laura veio a falecer na UTI por causa de uma sepse. Minha convivência dentro do hospital me permitiu ver de perto como esses profissionais e cientistas sofrem com a ausência de tecnologia, de recursos, apesar de os protocolos médicos seguirem critérios muito rígidos de qualidade. O processo de leitura dos indicadores é ainda muito manual e a sepse é um inimigo silencioso, ela mata mais de 230 mil brasileiros todos os anos.

Eu sabia que tinha que construir algo usando inteligência artificial, o que permitiria o aprendizado contínuo e a aderência suficiente a toda a jornada do cuidado do paciente. Isso vai muito além da relação médico-paciente. Aliás, não estamos falando dos melhores medicamentos, ou dos melhores hospitais e médicos. Trata-se de adotar os melhores processos nos momentos certos.

Como foi o desenvolvimento dessa tecnologia?

É importante ressaltar que desde o início eu sabia que esse projeto teria um caráter ativista. O objetivo é oferecer a mesma qualidade de saúde que eu tive para o maior número de pessoas, independente de privilégios econômicos, regionais ou políticos. Isso nunca foi um projeto somente de ordem financeira, para eu virar um bilionário ou ter um unicórnio.

Fui então estudar porque as informações que existiam sobre o paciente não eram devidamente processadas para chegar rapidamente às mãos do corpo médico. E descobri que isso é um problema sistêmico. A realidade é que apenas 23% dos hospitais no mundo têm prontuário eletrônico.

Resolvi focar inicialmente na construção de um algoritmo que sinalizasse em tempo o risco de sepse. Ao tomar essa decisão, sem querer entrei em um processo chamado deteriorização clínica do paciente, o que acabou sendo mais abrangente do que detectar apenas a sepse. Sem saber, desenvolvi uma ferramenta que se torna suporte à decisão de qualquer risco ao paciente. Com isso a solução pôde ser prototipada e se transformar em um produto, pois a área de saúde não pode ter uma solução que resolva uma coisa muito pontual ou específica.

 

“O robô Laura dá um alerta com até 10 horas de antecedência,

o que permite que a equipe médica escolha a conduta

mais segura para o paciente, ajudando a salvar vidas.”

 

E o que o Robô Laura faz exatamente?

Nós coletamos esses protocolos relacionados à qualidade e segurança do paciente para monitorar os riscos de deterioração clínica. Ou seja, quando os indicadores do paciente vão diminuindo, o robô treinado nesses protocolos dá o alerta e ele fica monitorando os números de perto, acionando os médicos a cada número fora da curva. Caso o alerta revele um comportamento esperado para o quadro daquele paciente, isso é um feedback de aprendizagem para o robô Laura, que é treinado para esse novo padrão. Aliás, o machine learning permite que a tecnologia seja usada em qualquer hospital ou instituição, pois a máquina pode ser treinada para trabalhar com os protocolos específicos de cada um.

Como foram os resultados iniciais?

Os primeiros testes-piloto foram em hospitais pequenos, tudo foi um aprendizado para a primeira implementação operacional no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba. Algo muito inovador que fizemos foi coletar o histórico de dados do hospital dos últimos dois anos, treinando a inteligência artificial com casos reais pregressos. Quando o sistema passou a monitorar os casos atuais, ele atingiu um nível de acerto da ordem de 72% já no período de validação. Levamos então o robô para dois postos específicos da operação e no primeiro mês tivemos um alerta muito grave de um paciente que estava vindo do centro cirúrgico e a mudança de conduta médica por conta do alerta fez com que ele não precisasse ir para a UTI. Após esse caso, os diretores do hospital decidiram implementar o robô Laura em todo o hospital. Isso foi em 2016.

Desde então, atuamos em centenas de instituições, processamos mais de 12 milhões de prontuários e atendimentos únicos. Já ajudamos a salvar mais de 60 mil vidas desde que o robô foi ligado. O robô dá um alerta com até 10 horas de antecedência em relação ao tempo normal e isso permite que a equipe escolha a conduta mais segura para o paciente e salva vidas. Ele alerta e prioriza o atendimento dos casos mais críticos.

O robô Laura permite que a leitura de dados dos pacientes por parte da equipe seja agilizada, compensa o que nós humanos não temos, que é a leitura e o processamento de dados em grande volume, com grande velocidade.

Como foi o surgimento do Laura Care, um PA Digital que foi muito usado durante a pandemia da Covid-19?

O mais importante da jornada de cuidado é a gestão do paciente além do período em que ele está no hospital. Existe um estudo social em cima das tecnologias e dos serviços de saúde conhecido como desospitalização. O monitoramento evita uma ida desnecessária ao hospital, salvo, claro em situações emergenciais ou de urgência. Isso aconteceu durante a pandemia. Eu estava voltando dos EUA em março de 2020 e o prefeito de Curitiba me ligou dizendo que a OMS ia decretar a pandemia a qualquer momento e que ele não estava preparado para atender todo o fluxo de pessoas que iam procurar o serviço de saúde.

Tínhamos um projeto que estávamos desenvolvendo para a Nissan, onde usávamos a inteligência artificial para conversar com compradores de carro. Ele ia monitorando o comportamento da interação e fornecia as árvores de conversação para iniciar o processo de venda. Nós pegamos esse projeto e adaptamos para uso com o protocolo de covid. Conseguimos fazer a triagem de milhares de pessoas ao mesmo tempo e evitar que todas fossem ao pronto-socorro. Ajudamos a economizar ao menos R$ 5,5 milhões e a desafogar o sistema. Daí surgiu o Laura Care, um PA Digital Pronto Atendimento que agora levamos para as prefeituras.

O que o Laura Care faz hoje?

Antes de sair de casa e ir para o pronto atendimento o paciente consegue tirar dúvidas com o robô e, se necessário, fazer o agendamento no setor público de saúde. Posso dizer que agora eu consegui deixar a tecnologia pronta para poder levar para o maior número de pessoas a experiência que eu vivenciei. O próximo passo é que isso chegue aos 215 milhões de brasileiros.

O Instituto estabeleceu uma parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Como foi isso?

Uma das minhas maiores qualidades é a paciência e a persistência. Em 2018 procurei o Ministério da Saúde para oferecer o robô Laura para todo o país. Mas o Ministério não compra projeto, consome produto pronto e que tenha escala para atender 215 milhões de pessoas. Ao sair da reunião com a comissão de saúde, porém, alguns agentes do Ministério da Ciência e Tecnologia me procuraram e o robô se encaixou em vários projetos de inovação deles. Comecei ali a validar o que eu estava propondo para o setor público. Está saindo o guia do Ministério da Ciência e Tecnologia para uso da inteligência artificial em hospitais públicos. Agora nossa conversa com o Ministério da Saúde, baseado no exemplo que tivemos com o Laura Care, está fluindo.

Como funciona o modelo de negócio dessa tecnologia?

As prefeituras pagam uma assinatura pelo serviço, mas não existe lucro do Instituto em cima disso, é um convênio financeiro para viabilizar o atendimento e o uso da plataforma. Esse investimento também gera economia para a cidade, pois a plataforma é muito mais econômica e eficiente do que o investimento em atendimento humano.

Também oferecemos a tecnologia para o setor privado, como qualquer produto no mercado. Temos mais de uma centena de hospitais e operadoras de saúde que já utilizam o sistema. Nossa concentração é maior no centro-sul do país, mas nos próximos anos nossa expectativa é que a gente consiga evoluir para todo o país. A Laura Care é uma startup que foi criada para permitir esse crescimento em escala e é uma empresa prestadora de serviços para o Instituto atualmente.

Qual é seu maior sonho?

Meu sonho continua sendo o de impactar um bilhão de vidas de forma positiva com tecnologia. Para atingir esse número vamos ter de sair do Brasil, claro. Ajudei uma pessoa a não ir para a UTI em 2016, hoje já impactamos 60 mil vidas. Quando chegarmos ao SUS, via Ministério da Saúde, serão 215 milhões, ou seja, isso está sendo escalonado para chegar a 1 bilhão de pessoas impactadas.

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