O arquipélago futurista, berço de tecnologias capazes de mudar o status quo e de mexer com o imaginário coletivo quando pensamos na sociedade do amanhã. Essas são algumas das ideias que veem à cabeça quando se trata do Japão. Mas, há um setor no país que ainda dialoga muito mais com o passado do que com o futuro, o de pagamentos. Japoneses ainda preferem pagar em dinheiro. Mas os bancos locais esperam que as criptomoedas façam com que eles topem tirar o dinheiro de debaixo do colchão – isso antes da Olimpíada de 2020.
No começo deste ano, o MUFG (Mitsubishi UFJ Financial Group), o maior grupo financeiro do Japão, se associou à empresa de serviços em nuvem americana Akamai Technologies para criar um sistema de pagamentos com base em blockchain, que deverá ser capaz de registrar mais de um milhão de transações por segundo. E cada operação pode ser confirmada em menos de dois segundos. Para comparação: sistemas de cartão de crédito costumam lidar com milhares de transações por segundo, não milhões. Outras instituições bancárias japonesas como o Mizuho Financial Group e a SBI Holdings estão testando ferramentas similares.
A busca por um método rápido e eficiente de fazer transações eletrônicas no Japão tem uma causa prática e imediata: com a Olimpíada, milhares de turistas internacionais vão visitar o país. E há receio de que o sistema financeiro não consiga dar conta de processar compras com cartão de crédito, o que pode implicar em perdas para governo e comerciantes.
Mas não é só isso. O apego dos japoneses às cédulas de papel também gera custos. Um estudo do Boston Consulting Group indica que o sistema financeiro local gasta 2 trilhões de ienes (R$ 70 bilhões) por ano com a manutenção de caixas eletrônicos e o transporte de dinheiro. Por isso, o governo também estuda adotar medidas adicionais, como oferecer subsídios e redução de tributos a estabelecimentos que ofereçam pagamentos eletrônicos.
O desafio será mudar a cultura do cliente japonês, que tem como fatores a busca por investimentos mais seguros, as décadas de juros baixos na economia e também a própria segurança nas ruas. Sem o receio de ter a carteira roubada, muitos japoneses se sentem confortáveis em carregar quantidades consideráveis de dinheiro.
No Japão, transações em dinheiro representam 80% dos pagamentos feitos por consumidores. Um índice maior que inclusive o registrado no Brasil, país que ainda avança no quesito bancarização.
Dados divulgados no ano passado pelo Banco Central indicam que 50% das compras por aqui são feitas sem dinheiro em espécie, com cartão de crédito ou débito, por exemplo. Nos vizinhos do Japão, os mesmos índices são consideravelmente maiores: 89% na Coreia do Sul e 60% na China.
A expectativa do governo é a de que, até 2025, 40% dos pagamentos no país sejam feitos sem as seguras cédulas de dinheiro. É um desafio imenso, especialmente porque o blockchain, apesar de apresentar um futuro brilhante à frente, ainda lida com desconfianças e ameaças de segurança eletrônica inerentes a novidades tecnológicas.
“Se o experimento funcionar, a economia do país pode ser refeita. Tudo, desde grandes transações entre bancos até pequenas compras no varejo, poderia ser realizado com quase nenhum atraso e com uma fração do custo atual”, escreveu Mike Orcutt, editor-associado da revista MIT Technology Review.
Mas a ousadia pode gerar ganhos. “No processo, o Japão se tornará a maior cobaia do mundo para concretizar uma ideia concebida há uma década, a de que um livro de registros criptográfico e uma rede de computadores podem ser usados para criar uma forma eletrônica de dinheiro. O país pode inclusive retomar o posto de líder global em finanças e tecnologia – um status que não tem há décadas’, completa Orcutt.
Texto: Fábio Vieira
Imagem: Unsplash