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“Interatividade não é ter powerpoints mais clicáveis”

Para Aaron Appleton, especialista em educação e design que ajuda na estruturação de startups, as empresas investem cada vez mais em pesquisa e ferramentas de qualificação voltadas para a experiência dos funcionários

A combinação das melhores ferramentas de design com a ciência da aprendizagem pode tornar os produtos educacionais mais eficazes e ajudar as empresas a treinar e a qualificar sua mão de obra. A avaliação é de Aaron Appleton, mestre em tecnologia, inovação e educação pela Universidade de Harvard, que será um dos palestrantes do Control to Culture, festival online sobre cultura de aprendizagem que acontece nos dias 31 de março e primeiro de abril – o evento é organizado pela Novi e a incrição, gratuita, pode ser feita clicando aqui.

Appleton, que fez parte da criação da Escola de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Lideranças da África e foi da equipe da primeira escola pública de gamificação de Nova York, lidera hoje o time de learning design da On Deck, uma plataforma aceleradora de startups e carreiras.

“No passado, existia uma visão de que ter interatividade seria fazer powerpoints mais clicáveis. Mas isso tem evoluído. As empresas estão mais empenhadas em fazer projetos sofisticados, colocando o usuário em primeiro lugar, fazendo as pesquisas necessárias para entender o que é necessário e promovendo experiências virtuais superinterativas”, diz.

Segundo o especialista, o debate está saindo dos muros da academia e chegando ao departamento de RH das empresas: “Existem mais exigências nas especificações de vagas de emprego e a contratação de designers instrucionais tem se tornado mais comum. Não é mais algo restrito às empresas de adtech (publicidade para ambientes virtuais). Tem se estendido a outros tipos de companhia, como McKinsey, BCG, Walmart…”.

Ele cita, por exemplo, o sucesso da Strivr, empresa especializada em treinamento por meio de experiências imersivas. A companhia foi criada em 2014, pelo fundador do Laboratório de interação virtual da Universidade de Stanford, Jeremy Bailenson, e o então treinador assistente do time de futebol da universidade, Derek Belch, que também fazia graduação em estudos sobre mídia. Eles notaram que, depois de treinados em realidade virtual a partir de protótipos, os quarterbacks da equipe tiveram excelente desempenho na temporada de jogos.

Atualmente, a Strivr, que foi incubada em Stanford, já treinou mais de um milhão de pessoas com ferramentas de realidade virtual, incluindo funcionários do Walmart que se preparavam para a Black Friday ou que aprendiam como estocar produtos.

Para Appleton, a pandemia da covid-19 ampliou a percepção de que a educação deve ser vista como um processo de transmissão de conhecimento. “O que os cientistas dizem é que este é o melhor jeito das pessoas aprenderem. Então, como podemos incorporar isso ao ambiente virtual? Podemos ir além de uma experiência de aprendizado passivo rumo a algo mais interativo, mais envolvente e que beneficie o aluno”, avalia.

Dúvidas sobre o metaverso

Apesar de defender a criação de ferramentas e jogos mais interessantes, ele é cético em relação ao metaverso, termo cunhado pelo cientista Neil Stevenson no livro Snow Crash. Em seu trabalho, Stevenson previa basicamente uma realidade virtual superimersiva, coletiva e hiper-realista, com pessoas representadas por avatares.

Grandes empresas já apostam na construção desses mundos, tais como Facebook – que, inclusive, mudou seu nome para “Meta”.

Para se ter uma ideia do que acontece nessas realidades construídas, em maio de 2021 a marca de luxo Gucci vendeu um protótipo virtual de uma bolsa no jogo Roblox pelo equivalente a R$ 22 mil. Nas lojas físicas, bolsa era comercializada por cerca de R$ 5 mil. Já a Balenciaga fechou um acordo com o jogo Fortnite, da empresa Epic Games, para criar peças exclusivas para os avatares dos usuários.

Mesmo diante de tantas expectativas – e de investimentos -, na avaliação de Appleton o metaverso traz desafios difíceis de se enfrentar. Entre eles, o custo dos equipamentos, como os óculos Quest 2 do Facebook, e as sensações de náusea e tontura provocadas por seu uso prolongado.

Fique ligado:

  • A combinação das melhores ferramentas de design com a ciência da aprendizagem pode tornar os produtos educacionais mais eficazes e ajudar as empresas a treinar e a qualificar sua mão de obra.
  • Jogos podem ser ferramentas poderosas de ensino, na medida em que são criados a partir e personagens com perfis e desafios reais.
  • O metaverso vai precisar enfrentar alguns desafios importantes para se firmar, na visão de Appleton. Um deles é o preço dos equipamentos de realidade virtual. Outro são as sensações físicas provocadas por eles, como nauseas e tontura, em usos prolongados.

“De início, há muita excitação, mas as pessoas não conseguem ficar mais de 15 minutos usando (os óculos). Depois desse tempo, elas ficam enjoadas porque o cérebro não está preparado”, observa.

Ao fazer seu mestrado em Harvard, Appleton criou uma empresa de metaverso chamada LimeHouse. “Era um projeto de educação em que juntaríamos professores ou educadores e artistas 3D. Os educadores poderiam pegar uma cadeira, uma mesa, um sofá para montar seus ambientes e convidar os alunos para aqueles espaços”, conta. Mas o negócio não foi adiante.

Segundo o especialista, grandes empresas de metaverso como Decentraland ou Sandbox estão mais “para uma espécie de recriação do Second Life”, porém usando a tecnologia por meio do browser, o que as torna mais acessíveis. “Eu não sei quão convincente pode ser ter muitas experiências em 3D no seu browser versus outras formas de comunicar aquela imagem”, diz.

Jogos como ferramenta de ensino

Uma das primeiras experiências em gamificação de Appleton foi entre 2014 e 2017, quando chefiou o departamento de ciências NYC’s Quest to Learn, primeira escola pública de Nova York a apostar em um currículo baseado na teoria e na mecânica de jogos. A escola é fruto de uma parceria entre o Departamento de Educação de Nova York e o Institute of Play, uma organização sem fins lucrativos que recebe recursos da Fundação MacArthur e que, junto com os designers de jogos, cria as propostas e treina os professores. 

Appleton conta que uma aula tradicional de 45 minutos sobre placas tectônicas, por exemplo, consistiria em um powerpoint, uma explicação, um debate com a classe e alguma lição em aula. Na Quest to Learn, o método seria bem diferente: “A gente se encontrava com os designers de jogos e, mantendo os objetivos, discutíamos sobre como criar um jogo para ensinar aquele tema. Seria um jogo de tabuleiro, de cartas ou algo que envolvesse algum tipo de projeção e sensores para ensinar os mesmos conceitos? Como professor, eu não teria que dar aulas, eu me tornaria um facilitador. Eu explicaria como eles jogariam, dividiria a turma em grupos de dois a quatro alunos e, durante 45 minutos, eles iriam interagir uns com os outros e alcançar os objetivos da aula por conta própria”, exemplifica.

Hoje, à frente da criação de produtos educacionais para os programas de startups da On Deck, Appleton trabalha com outro público-alvo. Mas a ideia de transmitir conhecimento a partir de estruturas focadas na experiência e no desenvolvimento humano é a mesma.

A plataforma usa como base uma ampla pesquisa sobre comportamentos, atitudes, frustrações, objetivos e motivações, por meio de entrevistas. Depois, cria “personas” dos alunos, ou seja, uma representação fictícia daquele perfil, com jornadas próprias. A partir daí, aponta as “dores” do empreendedorismo e possíveis soluções.

Appleton conta que, então, usa conceitos da ciência da aprendizagem para formar protótipos de ideias e testá-las com grupos reduzidos. A partir dos feedbacks, aperfeiçoa os protótipos e os apresenta a grupos maiores para coletar mais dados quantitativos sobre o produto e melhorar a experiência dos usuários. 

A On Deck tem programas para diferentes estágios do empreendedorismo, voltados tanto para quem está começando a desenvolver uma ideia quanto para aqueles que já criaram outros negócios e buscam mentoria em novas áreas de conhecimento.

A meta do especialista é ajudar cada vez mais empresas e, quem sabe, dar origem a novos unicórnios (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão).

“Eu fico muito orgulhoso. A On Deck é uma companhia pequena, fundada há pouco menos de dois anos. Nesse período, já ajudamos cerca de 1 mil fundadores de empresas em crescimento. E, da última vez que eu chequei, o valor de mercado combinado delas era de US$ 9 bilhões”, conclui.

Fotos: wladimir1804 / Adobe Stock

Texto: Juliana Rangel

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