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Fernando Schüler: a democracia na “hiperparticipação”

O que podemos esperar do futuro democrático em uma época de tanto confronto e instabilidade institucional como a atual? “O Fim da democracia no mundo livre” é o provocante tema que o cientista político e professor do Insper, Fernando Schüler, apresentará em duas participações no CFO Week e no RH Week do Experience Club. Os dois eventos acontecem nos dias 17 e 18, e 21 e 22 de maio, respectivamente, no Sofitel Jequitimar Guarujá (SP).

Na entrevista a seguir, Fernando antecipa alguns dos temas da palestra para esquentar o debate:

EXPERIENCE CLUB – A democracia à moda ocidental como conhecemos está fadada à extinção?

FERNANDO SCHÜLER – Não, mas estamos vivendo um processo de destruição criadora da democracia. As velhas instituições perderam muito de sua capacidade de representar os cidadãos. Estamos falando dos partidos políticos, sindicatos, do próprio parlamento e da mídia tradicional. O que vem por aí ainda não é perfeitamente claro. Francis Fukuyama definiu bem o ponto intermediário em que nos encontramos: a vetocracia. Uma situação em que grupos de pressão minoritários, mas barulhentos, ganharam poder, e tem a capacidade de paralisar decisões públicas e desacreditar governos e instituições. Isto fez crescer tremendamente a dificuldade de governar e aumentou a sedução das saídas autoritárias. 

EC – As redes sociais mudaram profundamente a disseminação de opinião e a mobilização política da sociedade. Ampliou o debate, mas também disseminou o ódio. Esse saldo é mais construtivo do que destrutivo até agora?

FERNANDO – Este é o paradoxo da democracia atual. Vivemos um tempo de hiperparticipação, e logo de exuberância democrática, mas de brutal perda de qualidade no debate público. Há três décadas, havia 5 ou 10 mil pessoas que participavam, de algum jeito, do debate nacional. Jornalistas, políticos, professores, líderes empresariais. Havia um filtro e uma certa noção de ordem e referência. Hoje temos 5 a 10 milhões de pessoas participando, sem filtros. Há uma guerra armamentista em curso. A má notícia é que não há luz no fim do túnel para esta situação. O barulho e a sensação de instabilidade permanente vieram para ficar. 

EC – Estaríamos migrando em algum momento para a chamada democracia direta? Esse modelo é positivo para a sociedade?

FERNANDO – Estamos migrando para um modelo em que temos a sensação de que todos participam e decidem, e de fato cresceu o peso da pressão difusa da “opinião pública” sobre as decisões. No Brasil, vemos isto inclusive no judiciário, quando ministros da Suprema Corte sugerem que o Tribunal deve ser sensível às demandas da sociedade. Quem exatamente interpreta o que significa isto? Houve um aumento do poder difuso da multidão, em especial nas redes sociais. Mas se trata de um processo desordenado, emocional, por vezes mesmo perigoso. O desafio é saber como tornar as instituições mais estáveis e capazes de assegurar os direitos de todos, com regras claras e iguais, inclusive na vida econômica. Se a instabilidade que marca o nosso tempo contaminar as instituições, estaremos em maus lençóis 

EC – O que podemos esperar da democracia daqui para frente?

FERNANDO – Há dois movimentos simultâneos. No curto prazo, assistiremos a mais instabilidade e sensação de desordem. Neste plano, haverá a tentação autoritária e fenômenos afins, como o populismo, a xenofobia e o radicalismo digital. No longo prazo, penso que haverá uma gradativa substituição da regulação estatal por novos modelos de autorregulação via mercado. A mudança do táxi para os aplicativos são um pequeno sinal nesta direção. A tecnologia permitirá cada vez mais que os indivíduos criem formas de autocontrole e organização, no plano do mercado e da sociedade civil. E demandarão menos do Estado. As tecnologias de blockchain, a sharing economy, inteligência artificial, big data e tantas outras nos empurram nesta direção. 

 

Texto: Arnaldo Comin

Foto: Divulgação

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