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Empresas incluem novo perfil de consumidores com atendimento em libras

Empresas investem em atendimento ao cliente em Libras

Atualização da lei do SAC e investimento corporativo na agenda ESG ampliam acessibilidade da população surda no país e potencializam os negócios

Por Andrea Martins

O Brasil tem mais de 10 milhões de pessoas com algum problema relacionado à surdez, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), divulgados em 2020. Ou seja, 5% da população brasileira é surda, o equivalente ao número de habitantes de Portugal. Entre essas pessoas, 2,7 milhões não ouvem nada. No mundo, a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que 900 milhões de pessoas possam desenvolver surdez até 2050.

Mesmo com tantas pessoas surdas no Brasil e da lei que determina o uso de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, e a reconhece como meio legal de comunicação e expressão, a população com deficiência auditiva ainda enfrenta muitas dificuldades para acessar serviços básicos do dia a dia, fornecidos por empresas, órgãos e entidades.

“No Brasil, estamos avançando, mas ainda ficamos muito distantes dos países escandinavos, por exemplo, que são referências no tema”, explica Edy Pereira, Head de Acessibilidade e Inclusão da Pessoalize, startup catarinense de atendimento (BPO) especializada em interações digitais. Em 2020, a empresa lançou o atendimento em Libras para pessoas surdas por videochamadas se tornando referência neste tipo de atendimento no mercado brasileiro, em parceria com dezenas de marcas como Magalu, Havaianas e Netshoes.

Edy Pereira

De acordo com a executiva da Pessoalize, setores como telefonia e financeiro estão se adaptando com maior agilidade, por conta da legislação. “O varejo tem crescido a passos lentos, mas é interessante vermos que este movimento é bastante genuíno, visto que não há uma legislação que os obrigue a ter este tipo de atendimento até o momento”, conta Edy.

Aos poucos, outros segmentos têm adotado iniciativas de inclusão e diversidade dentro das organizações que estão transformado a realidade deste público. Com o fortalecimento da agenda ESG no mundo corporativo nos últimos anos e graças à nova lei do SAC, regulamentada pelo decreto 11.034/2022 que entrou em vigor em outubro, e que já exige acessibilidade para os consumidores em todos os canais de atendimento (presenciais e digitais), algumas empresas têm investido no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) em Libras.

É o caso das marcas Friboi e Seara, da gigante JBS, que foram as primeiras da indústria nacional de proteína a disponibilizarem atendentes surdos para esclarecer dúvidas e apoiar em demandas de clientes do atacado e do varejo de todo o país.

“Temos consciência do nosso patamar e compromisso com toda a sociedade. Priorizamos estabelecer uma relação de confiança e proximidade com nossos clientes”, comenta Mariana Mattos, gerente de Garantia da Qualidade da Friboi.

Mariana Mattos

A nova forma de atendimento ao público da Seara e da Friboi está disponível no site de cada marca. Para utilizar o novo canal, os clientes devem clicar em um ícone do atendimento em libras localizado no rodapé dos sites. Durante o processo, o cliente é redirecionado para um atendente surdo que irá realizar o atendimento em Língua Brasileira de Sinais, por meio de vídeo chamada, em tempo real.

“Esta ferramenta inédita em toda a indústria nacional de proteína animal, com atendimento simultâneo, ao vivo, dedicado para a comunicação em Libras, mostra que a JBS está atenta em promover uma cultura mais inclusiva no país, sem distinguir ou limitar qualquer necessidade física ou intelectual tanto de seus clientes, quanto de seus colaboradores e parceiros”, comenta Mellina Casseb de Almeida, gerente de Serviços ao Cliente e Consumidor da Seara.

Além do SAC, o grupo JBS também tem investido progressivamente em ações para promover mais inclusão e diversidade em toda a companhia. A partir de 2023, por exemplo, a Friboi disponibilizará na plataforma de educação corporativa um curso de alfabetização e comunicação na Língua Brasileira de Sinais, a princípio, para gestores e analistas. O objetivo é promover o conhecimento em Libras para gerar ainda mais inclusão de pessoas com deficiência auditiva na própria empresa.

Mellina Cassab

 Pioneirismo no Brasil

Outra gigante que tem investido nas ações de inclusão da população surda é a Unilever. A multinacional começou o ano com o atendimento em libras na marca Rexona, a primeira de desodorantes do país a implementar o sistema. Até o momento, 8 marcas da companhia já aderiram à novidade: OMO, Hellmann’s, Kibon, Rexona, TRESemmé, CloseUp, Clear e Axe.

Na multinacional o Brasil saiu na frente. “Estamos avançados nessa implementação. Somos o primeiro Centro de Engajamento com o Consumidor (CEC) da Unilever a oferecer o atendimento especializado por Libras”, diz Betania Gattai, gerente da área de Atendimento ao Consumidor da Unilever, que atua em mais de 190 países.

Betania conta que isso ocorre porque o atendimento em Libras é uma necessidade do mercado brasileiro, que possui mais de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva, sendo mais de 2 milhões com deficiência auditiva no grau severo. “Destes 2 milhões, cerca de 67% não se comunicam na língua portuguesa. Em outros países a realidade é outra, as pessoas surdas têm acesso à aprendizagem da língua nativa”, reforça.

A expectativa da companhia no Brasil é expandir, em breve, para Seda, Dove e todas as marcas de cuidados com a casa, como CIF, Brilhante, Ala, Sétima Geração, entre outras. “O plano é que todas as marcas da Unilever no Brasil tenham o atendimento em Libras”, conta. Em 92 anos de atuação no país já são 40 marcas.

Presente em 100% dos lares brasileiros com seus produtos, a Unilever investe, há 13 anos, na agenda de equidade, diversidade e inclusão (ED&I), que faz parte do plano de negócios sustentáveis conhecido como Unilever Compass, que se baseia nos critérios ESG e de direitos humanos. A meta é ter 5% da força de trabalho composta de pessoas com deficiência até 2025, buscando a ampliação desse número. “Os esforços para isso focam também na inclusão de pessoas surdas”, conta a gerente.

Betania Gattai

Primeiro banco a colocar no ar um canal acessível para os clientes surdos, há cerca de um ano, o Itaú faz um balanço positivo do serviço. “O feedback dos clientes tem sido fantástico. Já recebemos mais de 10 mil contatos e resolvemos inúmeros problemas e dúvidas de clientes. Entre os serviços que prestamos, temos: contestações de lançamentos na conta e fatura do cartão, bloqueios de segurança, orientações sobre rotas de autoatendimento e informações sobre nossos produtos”, explica Andrea Carpes, diretora de Atendimento ao Cliente do Itaú Unibanco.

O serviço de atendimento em libras foi implantado por fases, começando pelos Estados do Amazonas, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins, além de Jundiaí (SP). Atualmente o canal já está disponível para 100% do público cartonista e correntista -inclusive para os produtos seguros, crédito imobiliário, consignado e veículos. O acesso pode ser realizado por meio dos aplicativos do banco e pelo bankline.

“Iniciamos o canal de atendimento em algumas praças e fomos expandindo de forma faseada. Esta estratégia foi adotada para garantirmos a qualidade no atendimento e retroalimentar todo o processo. Como trata-se de um público novo, tivemos muito cuidado no desenho de cada jornada e nosso principal objetivo sempre foi o de oferecer a melhor experiência possível, por isso tanto cuidado durante o lançamento e expansão”, comenta Andrea.

Andrea Carpes

 Inclusão estratégica

Além da equidade no atendimento, as ações de inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência também potencializam e beneficiam os negócios das empresas. Especialistas em implementar políticas de inclusão e diversidade nas corporações garantem que as empresas têm começado a enxergar o movimento inclusivo como estratégico para os negócios.

“Inclusão já não é apenas o certo a ser feito, mas também o mais inteligente! Os negócios inclusivos conversam e se conectam com mais pessoas, humanizam o ambiente de trabalho permitindo que cada pessoa seja quem é, incentiva a inovação e desenvolvimento de novas soluções, geram maior sensação de pertencimento e propósito, estão alinhados às melhores práticas ESG e atendem às demandas sociais impulsionadas pelas redes”, garante Andrea Schwarz, CEO da consultoria iigual, especializada em seleção e recrutamento de talentos diversos.  Empreendedora social e cofounder da iigual, Andrea fala sobre o tema baseada em sua experiência de vida, ao adquirir uma deficiência e se tornar cadeirante aos 22 anos de idade.

No caso específico das pessoas surdas, o atendimento em libras garante a formação de um público de consumidores fiéis, que preferem consumir onde são bem atendidos, onde falam sua língua e podem resolver quaisquer dificuldades com autonomia, sem a ajuda de terceiros.

“Trata-se de incluir socialmente um público que há anos luta para quebrar barreiras de atendimento. Tenho visto dezenas de empresas recebendo prêmios e ganhando visibilidade com este projeto, inclusive internacionalmente, pois trata-se de algo que não apenas dá uma oportunidade de melhorar o atendimento, mas leva dignidade e autonomia para milhares de consumidores”, conta Edy Pereira, da Pessoalize.

Outro ponto importante da criação dos SACs inclusivos são as novas oportunidades de emprego para um perfil de público que sofre com a baixa empregabilidade. Dados da Catho mostram que 44% dos trabalhadores com algum tipo de deficiência já perderam alguma seleção por problemas de acessibilidade. É o mesmo problema que motivou pedidos de demissão de 37% dos profissionais com deficiência.

Andrea Schwarz

Mais de 60% das vagas exclusivas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho são para postos operacionais e auxiliares. Há também falta de perspectiva de crescimento: apenas 3% das oportunidades são destinadas a cargos de coordenação, supervisão, gerência e direção, de acordo com dados do site Vagas.com.

“No atendimento ao cliente surdo, ter um profissional surdo na linha de frente é espetacular por alguns motivos, entre eles a facilidade com a língua mãe e, também, a empatia que gera quando o cliente descobre que está sendo atendido por outro surdo. Além disso, quando falamos de carreira é muito importante termos lideranças surdas, que acolhem seus times e lhes dão o conforto e confiança necessária para uma boa relação líder/liderado”, reforça a head da Pessoalize.

A CEO da iigual Andrea Schwarz conta que busca diariamente mostrar que os rótulos não fazem sentido e que pessoas com deficiência consomem, têm potenciais e não apenas limitações e podem contribuir de diversas formas com a sociedade. “Na medida que as empresas perceberem que inclusão é um ótimo negócio para a própria empresa, além das pessoas e da sociedade, tenho certeza de que aceleraremos a transformação do mundo para um lugar mais acessível e inclusivo”, conclui.

 

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