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“Em deep tech, nenhuma área micou” 

Na visão de Guy Perelmuter, CEO da gestora de investimentos de risco Grids Capital, startups de base científica estão saindo da pandemia fortalecidas pela forte aceleração da demanda no período 

Nas últimas semanas, na esteira das altas de juros, o mercado assistiu a uma onda de demissões em startups de todos os portes. Apesar de não estarem imunes ao ajuste, visto como “importante e mais que necessário”, negócios de base científica com potencial revolucionário, as chamadas deep techs, estão saindo da pandemia fortalecidos pela forte aceleração da demanda no período.   

A avaliação é de Guy Perelmuter, CEO da Grids Capital, uma das raras gestoras brasileiras de fundos de investimento de risco com 100% dos recursos dedicados ao segmento. Com cerca de US$ 150 milhões sob gestão, em seis anos, a empresa já investiu diretamente em mais de 40 startups e, indiretamente, em cerca de 200, através de fundos — nenhuma no Brasil. “Em deep tech, nenhuma área micou”, diz. 

Isso porque, afirma, o combate à Covid-19 levou à aceleração de uma série de tendências que já se esboçavam e foram catalisadas nos últimos dois anos. O teletrabalho, a telemedicina e a educação à distância, por exemplo. A explosão da demanda nessas áreas impulsionou outras, como infraestrutura, energia e cibersegurança, nas quais novas descobertas científicas são fundamentais. 

Em entrevista à EXP, Perelmuter falou ainda sobre metaverso, criptomoedas, NFTs e DAO; os impactos da guerra na Ucrânia sobre os investimentos em energias limpas; o cenário para o desenvolvimento de deep techs no Brasil e o desempenho de seu livro, Futuro presente — o mundo movido à tecnologia, vencedor do Prêmio Jabuti, na categoria ciências, em 2020. 

Há dois anos, você dizia que a pandemia aceleraria tendências em curso e reforçaria a tese de investimento em deep techs. A previsão se confirmou?  

Sim. Por exemplo, as pessoas se tornaram muito mais flexíveis em relação ao trabalho remoto. E o trabalho remoto todo depende de uma infraestrutura muito ligada à deep tech: redes de comunicação, telepresença, realidade virtual, realidade aumentada e coisas afins. A área de saúde também teve um vento a favor importante. Ficou muito claro para todo mundo que são a pesquisa e a ciência que empurram a sociedade para a frente e nos ajudam a sair de uma situação como essa, que a gente está ainda em processo de saída.   

Essas são áreas com avanços bem visíveis. Existem outras que se desenvolveram nesse período, mas tiveram menos visibilidade?  

Toda a parte de logística, de cadeia de produção, de suprimentos, de manufatura. A pandemia mostrou a fragilidade que as cadeias de produção, que são super complexas e importantes no mundo, e a concentração na produção de alguns bens que são críticos para o planeta todo funcionar, como os microprocessadores. Isso tudo não está muito na cabeça da população geral, porque elas não estão vendo por trás das cortinas. Mas são áreas que estão se preparando para aumentar o investimento em automação, em robotização, em autonomia e independência.   

Ao mesmo tempo que se viu o surgimento muito forte do teletrabalho e da educação à distância, também ficaram evidentes alguns problemas desses modelos. A fadiga das telas, por exemplo. Isso reforça ou enfraquece algumas das tendências com impacto sobre as deep techs?  

A liberdade e a eficiência que você ganha ao trabalhar remoto é algo de que as pessoas não vão querer abrir mão. Mas as pessoas vão chegar a um equilíbrio. Alguns tipos de reunião funcionam melhor presencialmente: brainstorm, novos projetos, grupos grandes. Reuniões a dois, projetos em andamento, uma checagem, um andamento, as pessoas estão confortáveis em fazer online. Mas existe, sim, gente trabalhando em formas de melhorar a experiência remota. A realidade virtual, por exemplo, possivelmente vai ter aplicação importante no futuro, quando você puder ter uma fusão entre a conveniência de não precisar se deslocar fisicamente e a sensação de que está junto. Ainda estamos longe, mas a gente não pode subestimar a velocidade com a qual esse nicho de mercado vai ser atendido e vai reforçar ainda mais o trabalho híbrido.   

Em que medida o metaverso tem a ver com isso?   

Tem tudo a ver. O metaverso hoje é muito mais aplicável para experiências de entretenimento, como jogos e experiências sociais. Mas as ferramentas para aplicação ao trabalho já estão aí, só não estão popularizadas. A sensação que as pessoas têm com essa interação ainda não é adequada. Tem o impeditivo grande dos óculos, difícil de usar por muitas horas. Mas a direção está dada.   

Que áreas das deep techs serão mais afetadas pelo desenvolvimento do metaverso? Que segmentos das deep techs ele tende a acelerar?  

Quando a gente pensa em metaverso, está falando em realidade virtual e em realidade aumentada. São as áreas de deep tech que encapsulam toda essa ideia do metaverso. Como no filme Ready Player One, aquele sistema Oasis é o metaverso ideal. Não há distinção entre o mundo real e o virtual. Agora, como em todo ciclo de tecnologia, tem uma parte disso que ainda é hype, porque a tecnologia não é o que está se ventilando, e isso gera frustração. A tecnologia vai ter a sua expansão. Mas que não é amanhã, nem semana que vem.   

E as criptomoedas e o NFT? Como vê a atenção dada a esse movimento?  

As criptomoedas e o bitcoin são um negócio extremamente concentrado e ainda tem desafios importantes. Por serem eficientes e flexíveis, elas acabaram sendo usadas para propósitos muito ruins. Muita gente associa criptomoedas a estar fazendo alguma coisa que não devia. O que é ruim, e não é verdade. Ao mesmo tempo, você tem a criptomoeda evoluindo para a criptomoeda com um contrato inteligente, que é o caso do Etherium. Aí sim, você começa a destravar o valor real de uma moeda digital, que é poder condicionar pagamentos a eventos que você consiga programar e codificar. O que traz toda uma nova sequência de riscos e de incertezas. A ideia das empresas distribuídas, as DAOs, por exemplo. Um erro de programação e você tem prejuízos financeiros irrecuperáveis. Tem casos aí de fraudes milionárias que aconteceram. São tubos de ensaio, laboratórios importantes. Mas certamente não estão prontos para o uso generalizado, seguro e confiável.  

E as NFTs?   

As NFTs são hoje usadas principalmente no mundo das artes digitais, para identificar versões originais. Mas isso ainda é raso para uma adoção mais significativa dessa tecnologia. Quando a gente enxergar tabeliães, cartórios, escrituras, certificados, documentos indo para esse mundo de tokenização, aí a gente tem uma conversa interessante economicamente. Mas esse movimento ainda não começou. E, para começar, todo mundo tem que embarcar junto. Não adianta você dizer que aceita uma escritura em NFT e a outra parte dizer que não. E, mais importante, o governo falar que não, que só reconhece o documento assinado, carimbado, registrado em três vias no cartório da Avenida Paulista.  

O DAO, em particular, é visto como uma opção mais democrática de gestão, sem hierarquia. Você acredita na viabilidade do modelo?  

Esse modelo enfrenta uma característica do ser humano, que é a ideia da hierarquização. A grande verdade é que sistemas sem hierarquia alguma nunca funcionaram. As organizações têm uma cadeia hierárquica. Ela pode ser mais horizontal, mais vertical, mais complexa ou menos complexa. Mas existe. A ideia de um DAO democrático, todo mundo com voto igual, consenso e tudo, para negócios de volume e de expressão, eu tenho muito ceticismo. Não por causa da tecnologia. Mas porque causa do ser humano.   

A Guerra da Ucrânia colocou em evidência o grau de dependência que o mundo ainda tem dos combustíveis fósseis. De que forma isso afeta o movimento ESG, que você aponta como outra das tendências com influência sobre as deep techs?   

Acelera. Da mesma forma que a pandemia deixou muito claras algumas fragilidades de logística, e de cadeias produtivas de forma geral, e de redes de proteção social, essa guerra mostra a urgência com a qual os países precisam não apenas ter matrizes energéticas relativamente protegidas e isolada do resto do mundo, mas também fazer isso indo na direção certa. Porque se não reduzirmos de forma importante o uso de fontes não renováveis, teremos um problema irreversível. Alguns dos países da Europa já estão nessa discussão e isso vai acelerar a adoção de energia geotérmica, elemental (nuclear), solar e eólica. O custo para você desenvolver essas energias já é competitivo com as energias que dominam a matriz global, que é 80% não reciclável, mais ou menos.   

Como avalia o ambiente brasileiro para a inovação deep tech?   

É estruturalmente muito ruim. A gente tem uma academia extraordinária. Mas tem um sistema que é muito convoluído na hora de migrar uma tecnologia da universidade para o mundo real. Você tem uma universidade que sobrevive com recursos absolutamente inadequados para as suas ambições e planos. Não tem um projeto de Estado no Brasil que enxergue o investimento em ciência, tecnologia e inovação, ensino e pesquisa como algo estratégico. Os projetos têm ciclos eleitorais, que não são suficientes para alimentar e fomentar um programa que dura décadas e têm que atravessar governos. A gente tem muitos desafios ainda. Tudo o que tem a ver com fazer negócios, com competitividade global, ainda é muito difícil aqui. E fica exacerbado quando falamos de deep techs, porque tem mais essa componente acadêmica.   

Tem melhorado ou piorado?  

Tem iniciativas sendo desenvolvidas para melhorar. A situação não é igual a de dez anos atrás. A conscientização da sociedade da importância de você ter um ecossistema de inovação fluído, com um marco de inovação, com incentivos para as empresas, para os investidores, para as entidades acadêmicas investirem, apoiarem e empurrarem empreendedores e empreendedoras. Isso melhorou.   

Embora não seja perfeito, o marco regulatório que foi votado trouxe avanços e tem bastante gente no sistema legal e no governo entendendo a importância, empurrando e encaminhando a solução. Mas a gente está em um ambiente competitivo global. Não adianta melhorar um pouquinho e, em vez de ficar em vez de ficar em 184o. ficar e 172o.. Tem que mudar e tentar brigar pelo primeiro quartil. É o lugar que o Brasil precisa assumir.  

Como vocês investiram na Grids desde o início da pandemia?    

A nossa tese não mudou. Desde quando a gente lançou a Grids, há seis anos, são as mesmas áreas de negócios. O que muda é a dinâmica do mercado, indo um pouquinho mais para uma região, largando um pouco mais outra. A gente viu uma aceleração importante na área de ciências da vida. Houve também uma aceleração importantíssima na indústria aeroespacial. Automação industrial também vem acelerando de forma muito importante: robótica, sistemas autônomos, sistemas inteligentes. Cibersegurança, da mesma forma, agora que o mundo está todo digital, que toda a nossa vida está online.   

Em que áreas o mercado não andou como se esperava?   

Em deep tech, nenhuma área micou. Não é porque áreas como cibersegurança, ciências da vida, infraestrutura e manufatura 4.0 estão ganhando muita importância, que as outras foram mal. Só quer dizer que as outras não estão no seu ciclo. Energia, por exemplo, é uma área que está começando, com as cleantechs, a ter uma procura brutal de soluções inovadoras para armazenar, transmitir e extrair energia, por causa da crise na Ucrânia. 

Como está indo o seu livro?   

Está indo bem. Aqui no Brasil a gente ganhou o Jabuti, em 2020. Foi uma projeção super legal. E, agora, ganhamos a medalha de ouro de melhor livro de business technology nos Estados Unidos. Publicamos lá no ano passado. Isso ajuda a tese, ajuda as pessoas a se familiarizarem com o mercado de deep technology e cria uma cultura de apoio ao desenvolvimento científico. 

Texto: Dubes Sônego

Foto: divulgação

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