Para Renato Velloso, CEO da Dr. Consulta, investimento em tecnologia, uso de dados preditivos dos pacientes e alinhamento de interesses na cadeia de saúde são os diferenciais do negócio
Por Monica Miglio Pedrosa
Fundada há 12 anos com o objetivo de oferecer um serviço de saúde de qualidade para os brasileiros sem acesso a um plano de saúde, a Dr. Consulta passou por uma grande mudança em seu modelo de negócios em 2022. Para dar mais sustentabilidade financeira ao negócio, a healthtech investiu na oferta de planos de saúde low cost, em parceria com a Sul América e com a Cuidar.me, e na recorrência de assinaturas por meio de seu Cartão Dr. Consulta, oferecido em parceria com a Yalo, que oferece descontos nos exames e consultas da rede.
O modelo de recorrência, que representava apenas 5% da receita da companhia no início de 2022, passou para 30% no final do ano e deve se consolidar como fonte de receita prioritária da empresa, que teve receita líquida de R$ 310 milhões em 2021, um incremento de quase 20% em relação a 2020. Para 2023, a expectativa é de um crescimento de 51% em relação a 2022 – cuja receita ainda não foi divulgada. O público-alvo, das classes B e C, é atendido em 28 unidades da rede, na região metropolitana de São Paulo. Em 2023, a healthtech abrirá mais 2 centros médicos, de um total de 14 previstos no plano de expansão nos próximos três anos.
Em entrevista exclusiva ao [EXP], Renato Velloso, CEO da Dr. Consulta, revela os pilares da sustentabilidade do modelo de negócios da empresa, em especial em um ano que promete elevação de custos no setor, com o aumento da sinistralidade nas operadoras de saúde. “A tecnologia é um dos diferenciais do negócio, pois já nascemos digitais, diferente de outros players do mercado”, afirma.
Outro diferencial é a aposta no modelo Value-Based HealthCare (VBHC), que remunera os médicos pela melhoria da saúde do paciente, estimulando o cuidado preditivo. “O alinhamento de interesses na cadeia de saúde é fundamental para garantir a sustentabilidade do negócio e do setor de saúde como um todo”, diz ele.
Em agosto de 2022 a Dr. Consulta captou R$ 170 milhões em uma rodada série D, liderada pela Kamaroopin e por investidores também presentes em outras rodadas. Onde esse dinheiro está sendo aplicado no negócio?
Renato Velloso – São várias as frentes. Um dos principais é o investimento em tecnologia. Serão R$ 70 milhões nos próximos três anos. Também queremos avançar na consolidação do nosso novo modelo de negócios. Historicamente, nossa receita vinha da aquisição de pacientes que compravam nossas consultas e exames de forma avulsa. Atendemos quase 3 milhões de pessoas ao longo dos anos. Agora nosso modelo é o de receita recorrente.
Vocês investiram na startup Cuidar.me para oferecer planos de saúde individuais low cost e com a Sul América, para atender empresas. Quantas pessoas já são atendidas por esses modelos?
Renato Velloso – Quando optamos por investir na Cuidar.me, ela era uma startup early stage, portanto estamos crescendo o negócio juntos. Hoje a operadora tem cerca de 23 mil vidas, oferecemos planos de saúde para a pessoa física a partir de R$ 247. Estas pessoas têm acesso à toda a rede de clínicas e laboratórios da Dr. Consulta e também a terapias de alta complexidade, como quimioterapia, radioterapia e hemodiálise. Temos ainda convênios com os Hospitais Oswaldo Cruz Vergueiro, Samaritano Paulista e com a Maternidade Santa Joana, para atender emergências e internações.
O plano Direto Sampa com a Sul América atende 7.100 vidas na região metropolitana de São Paulo. Fomos recentemente surpreendidos positivamente, pois a operadora optou por oferecer o Direto Sampa para atender uma boa parte do seu grupo de colaboradores na região.
Como funciona o Cartão Dr. Consulta?
Renato Velloso – É um produto que tem pouco mais de um ano e já atende 150 mil vidas. Lançamos em parceria com a Yalo e funciona por meio de assinatura, que dá direito a descontos em consultas e exames. Uma consulta com um clínico geral, por exemplo, que ele pagaria R$ 120, sai por R$ 35. Uma consulta com especialista, que sairia R$ 140, fica em R$ 55. Além disso, o usuário tem 30% de desconto nos exames e também em farmácias. Lançamos recentemente o Cartão Dr. Consulta Odonto, que pode ser contratado isoladamente ou em combo com o cartão original.
Qual é o percentual de receita recorrente em relação ao total?
Renato Velloso – Iniciamos 2022 com apenas 5% da receita vinda de modelos de recorrência e encerramos o ano com 30% da receita total. Nossa estratégia é continuar ampliando esses modelos de recorrência.
Vocês pretendem expandir para fora de São Paulo?
Renato Velloso – Nosso business plan até 2025 é consolidar esse modelo de recorrência na região metropolitana de São Paulo. Depois disso, pretendemos expandir o modelo para fora, em locais com maior facilidade de penetração, considerando que São Paulo tem muita concorrência. No curto prazo vamos abrir mais dois centros médicos na região metropolitana, oriundos do próprio crescimento que a companhia irá apresentar neste ano. A estimativa é crescer cerca de 51% em 2023.
Vocês investem muito em tecnologia para a saúde. Quais são as principais frentes?
Renato Velloso – Todos nossos sistemas são proprietários, incluindo o prontuário eletrônico com nossos medical guidelines. Para nós é essencial trabalhar na análise de dados dos pacientes. E esse modelo de recorrência, no qual eles fazem todos os procedimentos conosco, é ainda mais propício para essa estratégia. Capturamos os dados do paciente desde o cadastro, registrando suas consultas na rede, resultados de exames e toda sua jornada na Dr. Consulta.
Vamos lançar agora no primeiro semestre de 2023 uma plataforma proprietária de linhas de cuidado. O objetivo é entender o perfil de saúde do paciente e engajar ele em uma linha de cuidado específica e individualizada, para que ele possa se manter saudável, mesmo se tiver uma doença crônica.
Como vai funcionar na prática?
Renato Velloso – Usando tecnologia podemos personalizar o atendimento para cada tipo de necessidade. Um paciente crônico, por exemplo alguém que tem diabetes, ou é pré-diabético, tem seus atendimentos e resultados de exame monitorados, acompanhamos seu quadro evolutivo e com isso podemos recomendar consultas a especialistas, práticas e novos hábitos de vida. A plataforma usa IA para as recomendações mas também prevê atendimento personalizado por profissionais da saúde, dependendo da necessidade de cada paciente.
Como vocês usam a tecnologia para otimizar a eficiência da operação?
Renato Velloso – Fazemos muitos investimentos na automação de alguns processos dentro do centro médico. A inteligência artificial sempre esteve presente nos projetos da Dr. Consulta.
O skalAI e o skalAI Gente são ferramentas que usam algoritmos em sistemas para prever e calcular as demandas de pacientes, serviços e especialidades e sugerir automaticamente os melhores dias e horários para as agendas. Conseguimos disponibilizar uma escala médica e de exames com 15 dias de antecedência. Isso trouxe uma eficiência muito grande na nossa operação, com índices de 90% a 95% de ocupação.
Também investimos muito na experiência do usuário, na usabilidade do aplicativo, no incremento contínuo dos nossos medical guidelines, sempre em busca da redução de custos sem que isso implique na queda da qualidade do atendimento. Isso tem se refletido na percepção dos nossos pacientes, que nos dão um NPS de 84. No plano de saúde da Cuidar.me o NPS é de 94.
Como funciona o HealthScore para pacientes?
Renato Velloso – É uma plataforma para cálculo de score de saúde dos pacientes, que está sendo desenvolvida pela nossa equipe interna e será entregue este ano. Com o índice de saúde, poderemos enviar recomendações de exames ou especialidades para o paciente, além de indicação de tratamentos, hábitos de vida, de nutrição, entre outros. É um produto que conversa muito com a linha de cuidados que falamos anteriormente.
Durante a pandemia, o uso da telemedicina foi regulamentado e teve um crescimento muito grande. A Dr. Consulta investiu em uma plataforma proprietária para atendimento remoto. Como está esse atendimento hoje?
Renato Velloso – Continuamos investindo na telemedicina, que é uma excelente forma de dar acesso à saúde. Hoje, de 15% a 20% de nossas consultas são por este meio. Seja com hora marcada ou por atendimento em plantão. A telemedicina facilita o acesso no caso de pacientes que têm dificuldade de deslocamento, precisam de um atendimento de madrugada, ou que estão fora de São Paulo. Todas as consultas por telemedicina oferecem um retorno garantido, que pode inclusive ser presencial, se esta for a decisão médica para o caso.
Vocês investem muito em tecnologias proprietárias. Elas estão preparadas para o Open Health?
Renato Velloso – Este é um tema que estamos acompanhando de perto. Na nossa visão, o Open Health vai ser muito bom para a eficiência dos modelos de saúde e queremos estar na vanguarda disso quando chegarmos à regulamentação ideal do modelo. Afinal, os dados pertencem ao paciente e hoje estão espalhados nos diversos datalakes dos hospitais, laboratórios, operadoras de saúde e clínicas pelas quais ele passou. Poder integrá-los e ter uma visão única de sua saúde será excelente para ele.
Sem dúvida vai ser um marco de transformação e de eficiência para qualquer ecossistema de saúde, seja ele privado ou público. No entanto, acredito que o Open Health não será uma iniciativa de curto prazo, existem muitas discussões legais sobre os limites e responsabilidades e como será a regulação desse modelo. Os players também terão de investir muito em segurança dos dados sensíveis dos pacientes.
Na sua visão, quais são os principais desafios do setor de saúde?
Renato Velloso – Olhando os dados públicos da ANS (Agência Nacional de Saúde), tanto da saúde privada quanto da pública, notamos que 2023 não será um ano fácil. Passamos por uma pandemia recentemente, que causou um represamento de alguns procedimentos eletivos e trouxe também mais consciência das pessoas em relação a cuidar de sua saúde.
Esses dois itens, somados ao envelhecimento da população, levam a uma forte pressão por aumento de custos. A longevidade é outro fator de impacto, em especial no caso dos pacientes crônicos. A maioria das operações está pressionada por uma sinistralidade elevada, maior do que nos últimos anos, o que gera uma pressão por reajustes de preços.
E como conseguir manter uma operação de saúde financeiramente saudável neste cenário?
Renato Velloso – É um ano em que a eficiência e a redução de custos serão primordiais, para isso, a tecnologia é essencial. Nesse ponto a Dr. Consulta está muito bem posicionada, pois nascemos digitais, isso está no DNA da nossa companhia. Os sistemas que estão diretamente relacionados ao nosso core são desenvolvidos internamente, temos muita experiência adquirida nos últimos anos.
Além disso, acompanhar de perto a saúde das pessoas, acessando seus dados, e investir na prevenção, por meio das linhas de cuidado, é essencial para não deixar o paciente chegar a um momento agudo da doença. E tem também o modelo Value-Based HealthCare, que implementamos em 2019 e temos aperfeiçoado desde então.
Como o VBHCfunciona na Dr. Consulta?
Renato Velloso – Pagamos uma remuneração variável ao médico pela performance, ou seja, pelo desfecho do caso clínico. O objetivo é levar valor para o paciente, investir em sua saúde. É estimular que ele passe uma mensagem para o paciente de que todos nós na cadeia queremos melhorar sua saúde e qualidade de vida.
O VBHC é um modelo mundial, um movimento que começou nos hospitais, e que alinha os interesses de todos na cadeia de saúde. Para isso é essencial ter os dados do paciente e engajá-lo em um tratamento, em especial no caso dos doentes crônicos. Seus hábitos de vida, a periodicidade com que ele vai ao médico, o acompanhamento dos exames, são essenciais para prevenir doenças. Esse é o modelo que permitirá a sustentabilidade futura da saúde.
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