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“A telemedicina vai ser a porta de entrada da saúde"

A Dr. Consulta surgiu em 2011, na favela de Heliópolis, com um modelo de negócios que oferecia consultas médicas particulares a preços acessíveis – a partir de R$ 40. Desde então, abriu outros 34 centros de atendimento médico nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, e fez mais de dois milhões de atendimentos, dos quais 200 mil de telemedicina.

Mas está é apenas a parte mais visível da história da empresa, considerada uma das startups mais promissoras do país, segundo um estudo da plataforma Distrito. Por trás da estrutura física, o que dá impulso à Dr.Consulta, e a prepara para o futuro, é um sistema tecnológico proprietário, baseado em inteligência artificial e alimentado por dados colhidos na rede física. É ele que dá suporte tanto aos médicos quanto à área administrativa. No primeiro caso, apoiando decisões clínicas. No segundo, facilitando a gestão da rede de atendimento e o controle de custos.

“Nosso objetivo sempre foi atuar em um problema gigante da saúde, gerando impacto social. Para isso, decidimos criar um negócio com um modelo escalável, inclusivo e autossuficiente”, afirma o fundador e presidente executivo do conselho de administração da Dr. Consulta, Thomaz Srougi.

Em entrevista ao Experience Club, o empresário falou sobre as parcerias recentes com a Sul América Seguros e a fintech alt.bank para expandir a oferta por meio de planos de baixo custo; a expansão da empresa na telemedicina (a “porta de entrada” do futuro no sistema híbrido idealizado por Srougi); e sobre como o modelo de negócios e da empresa foi criado e testado para sobreviver a um ambiente desafiador. “As adversidades nos deixaram absolutamente eficientes e preparados para a expansão”, diz. 

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

1 – Família e políticas públicas como motivação  

“Meu pai e meu irmão são médicos e minha mãe é professora. Minha família é muito idealista e sempre conversei com meu pai sobre economia e a intersecção do setor público com o privado”.

“Quando fui estudar finanças e políticas públicas nos Estados Unidos, trabalhava com modelos matemáticos de regressão para tentar entender decisões públicas no setor de educação, de habitação e saúde”.  

“No Brasil, a área de saúde tem uma dinâmica muito perversa, a maioria das pessoas não têm acesso a um plano privado de saúde e depende do sistema público, que não tem recursos suficientes para atender a demanda. Com isso, o brasileiro evita ir ao médico para evitar gastar e perde a oportunidade de ter um diagnóstico precoce. Ele só vai buscar ajuda quando a doença já está em estágio avançado, então ou ele se endivida para fazer o tratamento médico na rede privada ou acaba não sendo atendido pelo setor público. É a espiral da morte”.

“Eu olhava para toda essa carência da população e para os exemplos de meu pai e meu irmão, que como médicos sempre trabalharam mais de doze horas por dia, e via que havia algo de muito errado nessa equação. Foi quando tive a primeira faísca de olhar para a saúde e tentar trazer um modelo diferente, proativo e inclusivo.” 

2 – Um negócio privado e escalável 

“Nosso objetivo sempre foi atuar em um problema gigante da saúde, gerando impacto social. Para isso, decidimos criar um negócio com um modelo escalável, inclusivo e lucrativo”.

“As ONGs têm um papel fundamental na sociedade, mas normalmente têm grandes dificuldades para se tornar autossustentáveis. Na minha visão, não há dinheiro suficiente em doações e subsídios para que escalemos soluções sociais como a nossa”.

“Independência é outro valor muito forte para nós. Queremos ser autossustentáveis para crescer na velocidade que tivermos competência para executar, procurando atender a uma maior quantidade de pessoas. Para nós, o lucro precisa coexistir com impacto e a equação é que quanto mais eficientes somos, mais rápido chegamos ao diagnóstico, melhor é a experiência dos nossos usuários e mais vidas salvamos.” 

3 – Modelo testado sob condições extremas 

“Quando pensamos em expansão para outras cidades, sempre nos preocupamos em desenvolver uma solução que funcionasse para mil, um milhão ou dez milhões de pessoas. Por isso nossa primeira clínica foi criada na comunidade de Heliópolis (maior favela de São Paulo), justamente por ser um local de baixa renda com uma alta demanda por cuidados de saúde”.

“Queríamos nos testar ao máximo. Começamos por São Paulo, pois é a cidade mais competitiva do Brasil, os recursos são mais caros, as pessoas mais exigentes, a penetração da população que tem plano de saúde é maior, o sistema público de saúde funciona melhor do que em outras regiões do país”.

“Todas essas adversidades testaram nosso modelo e deixaram ele absolutamente eficiente. Estamos muito confortáveis em iniciar um processo de expansão e estamos neste momento estudando esse movimento.” 

4 – Telemedicina e pandemia 

“Nós havíamos desenvolvido a solução para telemedicina há cinco anos e quando o isolamento social se estabeleceu conseguimos colocá-la em funcionamento em apenas uma semana”.

“Entramos muito eficientes na pandemia, pois havíamos enxugado a operação nos últimos dois anos para começar a expansão para fora de São Paulo. Em março de 2020, tivemos uma queda muito grande de receita, mas logo ela foi retomada”.

“A telemedicina teve um papel importante, não só para tranquilizar os pacientes, mas também os próprios médicos, que podiam atender de forma segura. Criamos um modelo de atendimento na casa das pessoas, para quem não podia sair”.

“Antes da pandemia nosso atendimento era 100% presencial, mas um terço de nossos agendamentos já era feito de forma digital. No ano passado, 20% dos atendimentos foram via telemedicina, mas à medida que as pessoas foram tendo mais acesso à informação e voltaram a sair de casa, elas preferiram voltar ao presencial”.

“O volume de atendimentos por telemedicina, hoje, nos EUA, é 30% do que foi em abril de 2020. Esse cenário se repete no Brasil. Hoje, a rede física é fundamental dentro de um ecossistema. Quando se trabalha com uma rede física e virtual são geradas sinergias que não seriam possíveis sem esta interdependência”.

“Na minha visão, a telemedicina vai ser a porta de entrada da saúde no futuro, basta olhar os jovens e entender como eles se relacionam hoje com a tecnologia.” 

5 – Doenças crônicas e envelhecimento da população 

“Hoje, 70% de nossas consultas são de pacientes que têm no mínimo uma doença crônica. A realidade é que o brasileiro não tem o hábito de fazer prevenção e promoção de saúde”. 

“O Brasil vai iniciar um processo de envelhecimento da sua população nos próximos anos que é preocupante. A quantidade de interações com os médicos irá aumentar para até dez atendimentos por ano. Tudo isso coloca uma pressão de custo brutal no sistema”. 

“Nos últimos cinco anos, o preço dos planos de saúde cresceu 30% a mais do que a renda média do brasileiro. O sistema público está cada vez mais estressado e sem recursos. Por baixo de tudo isso um tsunami de envelhecimento que vai colocar uma pressão absolutamente colossal no sistema. Como vamos lidar com isso como sociedade?” 

6 – Pacientes de todas as classes sociais 

“Nos últimos anos já começamos a receber pacientes das classes A e B que perderam seus planos de saúde. Nosso modelo de negócios não permite o luxo de investir em hotelaria, mas estamos equipados para atender qualquer tipo de público”.

“Todos os nossos recursos – capital humano, tecnologia, equipamentos – devem ser utilizados da forma mais pragmática possível. Cada centavo faz diferença para que possamos ampliar o atendimento aos que não têm acesso à saúde”.

“Os pacientes não sabem, mas quando se consultam com um médico do Dr. Consulta sua tela tem um sistema muito poderoso que fornece as ferramentas necessárias para que ele dê o diagnóstico, com base em estatísticas e bancos de dados médicos e científicos”. 

“Utilizamos uma série de critérios de decisão clínica, investimos em infraestrutura e equipamentos médicos similares aos dos melhores hospitais do Brasil.” 

7 – Dr. Consulta como ecossistema híbrido  

“Nosso modelo é dinâmico, estamos sempre evoluindo por meio de um aprendizado contínuo. Costumo dizer que sucesso é gerúndio, nunca chega. Você sempre tem novas metas, novas oportunidades e está em melhoria evolutiva”.

“Nosso modelo é proativo, preciso entender o que vai acontecer com as pessoas no futuro e faço isso rodando modelos matemáticos, inferindo e projetando. Para isso preciso de dados clínicos, que são gerados por nossas unidades. Essa sempre foi nossa visão, mas tínhamos que começar como centros médicos para ser autossuficientes e gerar dados próprios. 

“Iniciamos como uma rede de clínicas médicas altamente digitais e tecnológicas, com softwares que empoderam as relações entre médicos e pacientes e fazem a captação de dados.  Com eles, geramos informações e insights para prever cenários futuros”. 

“O que parecia no início ser somente uma rede de clínicas médicas é na verdade um ecossistema híbrido, que coordena recursos online e offline, usando a tecnologia.” 

8 – Mindset de experimentação 

“Hoje, a revolução é digital. Para nós, tecnologia não é uma ferramenta, é um modelo mental, um mindset de experimentação científica”. 

“Inteligência artificial nada mais é do que utilizar métodos matemáticos para criar soluções e para isso há uma etapa anterior que é a análise de dados. É por meio dela que uma ideia se transforma em uma solução, que vai gerar valor para alguém”.

“IA vai virar uma commodity, o que vai garantir a vantagem competitiva são as pessoas por trás da tecnologia. O conhecimento que elas têm sobre o seu negócio e o mindset de aprendizado contínuo.” 

9 – O futuro do Dr. Consulta 

“Fizemos uma parceria para oferecer um programa de mensalidades para facilitar o acesso dos nossos pacientes. Iniciamos um programa com a Sul América Seguros para atender uma parte da população que hoje não tem plano de saúde e que pode ter um atendimento de qualidade no Dr. Consulta. Mas a grande mudança no sistema de saúde acontecerá quando as pessoas se empoderarem de seus dados e entenderem o que pode acontecer com elas no futuro, agindo preventivamente hoje para mudar esta realidade. Precisamos massificar esse tipo de entendimento à população”.

“Nos vemos como uma companhia que promove conexões humanas e engajamento como veículo para a redução de custos de saúde e melhoria da qualidade de vida. Meu desejo é o de levar o modelo que foi iniciado na comunidade de Heliópolis para outros países da América Latina e do mundo, mas antes temos toda uma expansão a fazer ainda no Brasil.”

Texto: Monica Miglio Pedrosa 

Fotos: reprodução 

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