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Dr.Cannabis quer maconha medicinal sem estigma

Startup captou R$ 2 milhões em 2020, por meio de equity crowdfunding, e usa informações sobre o produto para ampliar mercado no Brasil

A Dr. Cannabis, marketplace que intermedia o contato entre pacientes e médicos prescritores de Cannabis medicinal, tem como um de seus principais pilares de atuação a divulgação de  informações sobre o produto. Por suas propriedades antiinflamatórias e antieméticas, a erva é considerada uma importante aliada no tratamento de dores crônicas e doenças como epilepsia, Alzheimer, autismo, ansiedade e insônia, além de amenizar efeitos colaterais em tratamentos como a quimioterapia. 

No Brasil, o uso medicinal da maconha foi autorizado pela Anvisa em 2015. No entanto, o produto ainda é afetado pelo estigma dos tempos em que a venda era ilegal. “Hoje, menos de 1% dos médicos fazem a prescrição de uso”, afirma Viviane Sedola, fundadora e CEO da startup. 

A plataforma, lançada em 2017, também facilita o processo de importação de produtos da Cannabis medicinal para pacientes. É um mercado que tem uma receita potencial de US$ 442 milhões no Brasil, segundo levantamento da NewFrontier com o grupo The Green Hub. 

A startup fez duas rodadas de captação de investimento pela StartMe Up, na modalidade equity crowdfunding. “Pelo perfil dos fundos brasileiros, não espero conseguir investimento no curto prazo. Futuras rodadas serão feitas provavelmente por meio de fundos internacionais”, diz.

Segundo o relatório Female Founders, divulgado pela Distrito, apenas 4,7% das startups são fundadas exclusivamente por mulheres. Empresas no segmento de saúde e biotecnologia, como a Dr. Cannabis, representam 15,2% do total, seguido por educação e serviços financeiros. 

O estudo revela ainda que os fundos de venture capital que mais investiram em empresas criadas por mulheres têm em seu portifólio entre 3% a 13% de startups com fundadoras. A exceção é a Maya Capital, que tem 29% dos aportes concentrados em startups femininas. Não por acaso, a Maya é o único fundo criado por uma mulher.

Veja a seguir, os principais destaques da entrevista com Viviane Sedola:

1 – Apaixonada por ‘inícios’ 

“Sou formada em relações públicas e já na minha primeira experiência profissional, nas Casas Bahia, percebi que sou movida a inícios. A criação de algo novo é o que me empolga”.

“Fiquei um ano na empresa e ajudei a implementar toda a comunicação interna. Após a execução, busquei um novo desafio”. 

“No GroupOn vivi pela primeira vez a realidade de uma startup e me identifiquei completamente com esse tipo de negócio. Após três anos, quando a empresa fez seu IPO, entendi que era chegado o momento de um novo início”.

“Fui convidada a ser cofundadora da Kickante no Brasil, plataforma de crowdfunding fundada pela holandesa Candice Pascoal. Quando entrei, tínhamos 30 campanhas publicadas por mês. Ao sair, quase quatro anos depois, o número de campanhas mensais passava de 1,5 mil.” 

2 – Como surgiu a Dr. Cannabis 

“Eu tinha clareza de que queria trabalhar com impacto social. Como fazia captação de recursos para as maiores ONGs do Brasil na Kickante, não queria escolher um negócio somente pelo retorno financeiro”. 

“O SuperJobs Ventures, fundo que iniciou comigo na Dr. Cannabis, já investia em empresas de Cannabis fora do país e sabia de médicos que prescreviam a substância no Brasil. Isso foi em 2017, dois anos depois da regulamentação da Anvisa, e ainda era algo que ninguém conhecia”. 

“A ampliação da divulgação e o esclarecimento da população são pilares importantes desde o começo. Qualquer médico com um CRM pode prescrever a Cannabis medicinal, mas ele não sabe como fazer isso dentro dos processos regulatórios”.

“Já os pacientes acreditam que esse tratamento só pode ser feito no caso de doenças graves. A Dr. Cannabis nasceu como uma plataforma que une médicos e pacientes e facilita a importação do produto por meios legais.” 

3 – Marketplace, conteúdo e educação 

“Hoje, temos 3 mil médicos cadastrados, mas apenas 160 prescrevem. Temos mais de 30 mil pacientes ou responsáveis por pacientes de doenças como Alzheimer ou autismo”. 

“Na plataforma, os médicos têm acesso a uma interface de prescrição que orienta o processo de acordo com as regras da Anvisa. Todos estes serviços são gratuitos, o paciente só irá pagar se fizer uma consulta por telemedicina ou um pedido de produto por meio de nosso site”. 

“Em 2020, organizamos um congresso virtual de Cannabis que foi assistido por 16 mil pessoas. Esse número extrapolou todas nossas expectativas, mas reforça que nosso papel de informar é muito importante”.

“Em agosto de 2021, teremos o segundo congresso, quando vamos lançar nosso curso ‘Cannabis medicinal do zero’ para médicos. É um curso objetivo, que entrega exatamente o que o médico precisa para prescrever dentro dos processos da Anvisa”. 

“Menos de 1% dos médicos prescreve Cannabis no Brasil, há uma grande demanda por profissionais habilitados.” 

4 – Perfil do paciente 

“A grande maioria dos pacientes em nossa plataforma busca o produto para lidar com questões de ansiedade e insônia ou com doenças crônicas. Eles normalmente já têm seu diagnóstico de doença bem definido, mas não estão satisfeitos com seu tratamento atual e buscam na Cannabis medicinal um conforto para sua dor.  Como 43% da população adulta brasileira convive com alguma doença crônica, existe um potencial enorme de crescimento de uso do produto.” 

5 – Custos da importação 

“Além do estigma da planta, há também uma percepção de que os custos da Cannabis medicinal são muito altos”. 

“A Dr. Cannabis tem hoje um produto suíço com uma dosagem que pode durar um mês, para indicações de doenças como insônia, que sai por R$ 199. Hoje, o frete custa o mesmo que o produto. Considerando o custo inicial de uma consulta médica pela nossa plataforma, a R$ 250, o investimento no primeiro mês seria de R$ 650”. 

“Caso o medicamento tenha o efeito esperado, o paciente pode fazer uma compra maior do produto, para seis meses de uso, diluindo o custo total do frete e reduzindo o custo mensal.” 

6 – Equity crowdfunding 

“Fizemos duas captações pela StartMe Up. Essa decisão teve alguns motivos. Primeiro devido à minha experiência anterior em financiamento coletivo. Segundo porque, para captar por equity crowdfunding, precisamos ter o aval da CVM e é muito interessante ter uma empresa de Cannabis com anuência de uma agência pública, devido ao estigma em relação ao produto. O terceiro motivo é a formação de comunidade”.

“Na primeira rodada, captamos R$ 750 mil de cem investidores. Estas pessoas vão se empenhar em fazer isso dar certo, vão divulgar para seus familiares, redes de contato, médicos. Conseguimos mídia espontânea e os recursos que precisávamos para desenvolver a plataforma”.

“Na segunda rodada, em 2020, captamos R$ 2 milhões e investimos na plataforma para que ela possa ganhar escala.” 

7 – Estigma do produto e de gênero 

“No Brasil, só 10% dos recursos dos fundos vão para empresas com mulheres como fundadoras. Além disso, minha empresa lida com o estigma da Cannabis. Então o equity crowdfunding foi o meio que encontrei para viabilizar financeiramente o negócio”.

“Não acredito que vá conseguir investimento de nenhum fundo no Brasil no curto prazo, pelo perfil de nossos investidores. O próximo passo é buscar fundos internacionais que já investem na Cannabis – e o câmbio está favorável para isso”.

“Gosto de uma fala da Luiza Trajano que diz ‘eu parto do pressuposto que a solução está em mim’. Então, não fiquei me lamentando pelas dificuldades encontradas, fui buscar alternativas viáveis.” 

8 – Desafios de uma mulher fundadora  

“Claro que passei por situações difíceis por ser mulher. Uma vez participei de uma reunião onde fui muito criticada por um executivo, que não se convencia com um argumento que eu apresentei em diversos encontros. Até que levei meu sócio para a conversa e com apenas uma frase – a mesma que eu já usara por diversas vezes – ele se convenceu. No final da reunião, ainda pediu desculpas pela forma com a qual ele me tratou… mas as desculpas foram dadas ao meu sócio.” 

9 – Regulação da Anvisa e futuro 

“Em 2015, a Anvisa regulamentou o uso compassivo da Cannabis medicinal. Está tramitando o Projeto de Lei 399, deste mesmo ano, que prevê o cultivo e todos os usos industriais do cânhamo, que é uma subespécie da Cannabis com baixíssimo índice de THC – tetrahidrocanabinol, o princípio ativo que causa efeitos psicoativos”.

“O cânhamo pode ser usado como um substituto de tudo o que é plástico, como tecido para a indústria têxtil, na confecção de cosméticos e de biocombustíveis. É um produto ecológico, biodegradável e que consome pouca água”. 

“Já são seis anos dessa PL e ainda não há uma previsão de quando irá virar lei. No final de 2019, tivemos um pequeno avanço com a aprovação de uma resolução que criou uma nova categoria de produtos à base de Cannabis e que estão chegando às farmácias. Todos os medicamentos têm tarja preta e devem ser prescritos por um médico.”  

10 – Evolução do modelo de negócio 

“Por lidarmos com um produto regulamentado, nosso papel já mudou várias vezes. Ou seja, não vou me sentir frustrada na empresa tão cedo, pois é sempre um recomeço a cada nova mudança regulatória”.

“Ao mesmo tempo é um produto que abre várias possibilidades, como a formação continuada do médico, sua reciclagem, realização de congressos médicos, orientação e informação ao paciente. São vários caminhos e oportunidades que podem ser desenvolvidos, além do marketplace, que ainda é nosso principal negócio.” 

Texto: Monica Miglio Pedrosa

Imagens: reprodução e Unsplash

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