2019 ficará marcado como o ano em que o dólar subiu no telhado e gostou de ficar por lá. Desde agosto – quando avançou 8,5% e registrou sua maior alta em quatro anos –, a moeda americana não deixou mais a faixa dos R$ 4. Aliás, ficou o tempo todo flertando com R$ 4,20, no patamar que parece ser uma espécie de “novo normal”. Mais ainda: a tendência de alta não se reverteu e não está claro como o Banco Central vai agir nos próximos meses.
Para analistas ouvidos pelo Experience Club, além da preocupação com o ambiente externo, em especial com os desdobramentos do conflito comercial entre China e Estados Unidos, outros dois fatores domésticos pressionam o câmbio para cima.
Um deles é bastante palpável: o fluxo negativo. Tem saído mais dólar do que entrado. Muito mais. Segundo o dado mais recente divulgado pelo Banco Central, em 1º de novembro, o rombo era de US$ 21,9 bilhões. Depois disso, ao que tudo indica, mais dólares deixaram o país.
“O leilão frustrado da cessão onerosa de petróleo (ocorrido em 6 de novembro) decepcionou muito os investidores, que saíram em busca de novas opções”, afirma Leonardo Trevisan, especialista em relações exteriores das universidades ESPM e PUC-SP.
“A frustração com o leilão fez muitos investidores remeterem lucros e divisas para seus países de origem”, diz, na mesma linha, Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos.
Outro fator destacado pelos especialistas para a forte depreciação do real é a comunicação errática do Banco Central.
A questão do fluxo poderia estar sendo resolvida ou pelo menos atenuada caso a gestão cambial do BC estivesse adotando uma comunicação mais assertiva, aponta Sidnei Nehme, diretor da NGO Câmbio.
“O BC deveria intervir de forma neutra e clara. Ou seja, fomentando liquidez a quem precisa de moeda na ponta. Dando água a quem tem sede”.
Nehme prossegue. “Da forma como intervém, porém, não contribui em nada e ainda ajuda a sustentar o preço desde agosto. O dólar está alto e o BC tem culpa nisso.”
Carvalho, da Toro, concorda que a comunicação do BC poderia ser mais explícita, mas pondera que a gestão de câmbio é bastante distinta, por exemplo, daquela adotada na política monetária.
“Juros e câmbio são mercados com dinâmicas diferentes. O Banco Central tem sido bastante eficiente ao sinalizar para onde vão os juros. Já no câmbio, prefere praticar uma flutuação suja. Sempre que o preço do dólar futuro atinge o patamar de cerca de R$ 4,28, o BC entra no mercado”, aponta.
Indústria e inflação
Há também quem defenda que a suposta falta de clareza do Banco Central em sua gestão no câmbio seja, na verdade, uma estratégia. A questão, nesse caso, é como compreendê-la adequadamente.
“Não acredito que a gestão do câmbio esteja sendo feita para beneficiar a indústria. A taxa atual não é uma obra organizada e sim fruto de um conjunto de fatores externos e internos”, afirma Nelson Marconi, professor da FGV/SP.
Ele avalia que, para o setor produtivo, mais importante do que ter conhecimento de detalhes da gestão, seria ter certeza de que o BC está pronto para reduzir a instabilidade da moeda. Afinal, sem estabilidade, os empresários não se sentem estimulados a investir.
“O governo deveria assumir que o dólar não vai se apreciar demais. Sinalizar isso seria muito importante”.
A moeda americana na faixa dos atuais R$ 4,20 ainda não causa repique inflacionário e, portanto, não interrompe a firme trajetória de queda da Selic. No entanto, uma subida abrupta da divisa pode mudar os planos e adiar ainda mais a já lenta recuperação econômica.
“Está muito claro que, até o momento, essa taxa alta de câmbio interessa ao governo. Como a demanda está fraca, um dólar alto ainda não tem causado grandes problemas. Mas, se o próximo IPCA não vier bom, pode acender a luz amarela”, observa Nehme.
Leonardo Trevisan alerta que, caso a moeda estrangeira comece a flutuar mais próxima dos cinco do que dos quatro reais, o contágio para os preços – levando a uma subida da inflação -, será inevitável.
“Nossa economia trabalha com muitos insumos cotados em dólar. Seria péssimo, principalmente para a indústria.”
Texto: Luciano Feltrin
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