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De jogador de Lan House a CEO de empresa de games no blockchain: como os eSports mudaram minha vida

Jhoniker Braulio

Por Jhoniker Braulio*

Jogos eletrônicos podem ser considerados uma modalidade esportiva ou não? Essa questão, que há tempos permeia o ambiente do eSports, se intensificou após a ministra do Esporte, Ana Moser, afirmar que não investirá no segmento dos esportes eletrônicos, os videogames que são disputados em competição. Para ela, esta modalidade de esportes faz parte da indústria do entretenimento.

A definição se os eSports são, de fato, esportes, é irrelevante para alguns ou muito importantes para outros. Mas será que é preciso um veredito final? O que já está definido e consolidado é o tamanho global desse mercado. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Newzoo, a indústria de games movimentou globalmente, em 2021, quase US$ 176 bilhões e a perspectiva para 2023 é a de que o valor chegue a US$ 200 bilhões. Uma “brincadeira” indiscutivelmente lucrativa, seja considerada esporte ou não!

A Pesquisa Game Brasil indicou que três em cada quatro brasileiros jogam pelo celular, computador ou console. Os jovens com idades entre 16 e 29 anos são a maioria entre os gamers brasileiros e as mulheres já representam 51% do total. Entre os usuários da classe D, 15,2% utilizam smartphones para jogar, seguido do console, utilizado por 5,8% e do computador, por 5,4%. Esses dados refletem o poder aquisitivo dos gamers, o que nos leva a uma reflexão sobre inclusão social.

Imagine um garoto negro, pobre, morador de um bairro com pessoas de baixa renda no interior do país, sem muitas escolhas e oportunidades, a não ser entrar no mercado de trabalho considerado “tradicional”, que não permite muitas chances de crescimento.

Esse garoto começa a trabalhar aos 11 anos como lixador de peças de latão, depois passa a vender milho em feira livre, se torna serralheiro até que, de repente, aparece a chance da sua vida: ser jogador de futebol. Esporte mais do que tradicional, um sinônimo de Brasil! Só que o sonho e a principal chance de ascensão financeira são interrompidos por uma lesão que, somada aos altos custos para a realização de testes em clubes, alimentação adequada e moradia, além de outros obstáculos, o fazem desistir e seguir outros caminhos.

Inclusão social pelo digital

Decepcionado, esse jovem cresce e precisa mudar o foco, mesmo que sua vida ainda seja quase a mesma: sem muitas ambições e dinheiro para diversão, motivo pelo qual as Lan Houses se abrem como um espaço de convivência com baixo custo. É aí que ele descobre o universo dos games, interage com outros jovens, ignora suas dificuldades, joga e até entra em competições. Esse contato com o mundo digital permite que ele crie uma outra vida, dentro e fora do jogo. E, principalmente, gastando pouco.

No game ele se sente importante, pois tem um time jogando junto, um dependendo do outro para vencer a equipe adversária. Ao lutar para sobreviver, sua realidade, novamente, aparece dentro do jogo. Nesse ambiente, estratégias são montadas a cada rodada, reflexos são testados, decisões devem ser tomadas em milésimos de segundos.

É um universo paralelo, onde é possível sonhar. Nesse universo, o seu desempenho e mérito o fazem sentir o gosto da vitória. No ambiente digital, o jovem negro, pobre, morador de um bairro de baixa renda só depende dele para sorrir e triunfar! Ele se enche de orgulho, se sente incrível, imbatível. Se sente notado, feliz e novamente volta a sonhar, já que, do lado de fora da tela dos games, os caminhos ou chances de vitória são mínimos.

Essa vontade de vencer aumenta e ele passa a treinar para melhorar as jogadas. Começa a participar de pequenos campeonatos e algo o faz refletir: como algo feito pelo computador, videogame ou até celular consegue extrair tanto sentimento e até esforço físico e mental nos treinamentos? Como o desenvolvimento de um jogo é pensado? Como, na prática, ele é feito?

O que esse jovem não sabia é que esses questionamentos já permeavam a cabeça de seu irmão mais novo, que também começava a estudar por conta própria na Lan House e a desenvolver alguns projetos. Assim, eles decidiram unir forças e traçar um objetivo: desenvolver um jogo do zero. Na vida real, o cenário é outro, ambos precisam se desdobrar em uma rotina mais pesada do que a de muitos atletas. Como precisam levantar recursos para seguir com o sonho resolvem então dobrar o turno, trabalhando como pedreiros durante o dia e como garçons à noite.

É na internet que eles buscam os conteúdos e ferramentas gratuitas para poder colocar o projeto em prática. Muita dedicação, vontade e madrugadas de trabalho foram necessárias até conseguirem um patrocinador para o sonho.

A inevitável batalha para alcançar o sucesso

Perceba que a história se parece muito com a de diversos atletas espalhados pelo Brasil. Atletas que se desdobram em empregos “tradicionais”, treinam em horários alternativos e vivem em busca do tão sonhado patrocínio. Eis que o primeiro investidor aparece e os irmãos fecham o primeiro contrato pelo celular, ainda como garçons e escondidos do patrão.

Consegue imaginar a emoção desse jovem gamer que se une ao irmão mais novo e agora tem uma empresa que desenvolve jogos?

Esse exercício de imaginação que trouxe você até aqui chega ao fim. Essa história não é uma metáfora. Ela existe e me enche de orgulho todos os dias. Esse jovem é CEO da First Phoenix Studio. Esse jovem sou eu. Essa é a história da minha vida.

Todo esse esforço gerou resultados significativos que vão além do debate sobre os eSports serem considerados esporte ou entretenimento. Hoje, nossa empresa tem 30 colaboradores. São 30 famílias sendo beneficiadas após tanto sacrifício inicial. Trinta parceiros que embarcaram nesse sonho comigo e hoje, com orgulho, trabalhamos diariamente no RIO – Raised in Oblivion, um game que é encenado em um Brasil pós-apocalíptico, na região do Vidigal, no Rio de Janeiro. Em 2019 fomos escolhidos como melhor jogo independente produzido de modo autônomo pela Brasil Game Show daquele ano.

Que orgulho!

Percebe que a minha história pode ser comparada à de outros jovens e muitos deles ficarão pelo caminho? Fiz a diferença na minha vida, na dos meus familiares e colaboradores e sigo com essa missão de dar oportunidade e autonomia para outras pessoas.

Integrado à Web 3.0, o jogo agora se chama RIO-X e vai se transformar em um blockchain game focado no conceito ‘play and earn’, integrado ao Metaverso. Ele vai possibilitar que milhares de jovens ganhem dinheiro jogando, indo além do esporte e sem precisar estar em um grande time de eSports.

A cadeia dos jogos eletrônicos deve ser enxergada além de uma mera discussão sobre se é esporte ou não. Ela é parte da economia criativa! Temos programadores, designers, jogadores, campeonatos, marketing, licenças, NFTs, entre tantas outras possibilidades. Pensemos nos eSports como uma ferramenta de inclusão, de políticas públicas – não só de benefícios para o setor, mas para que mais jovens tenham acesso à tecnologia e quem sabe a chance de uma vida melhor. No meu caso, os eSports mudaram a minha vida!

*Jhoniker Braulio é CEO da First Phoenix Studio e criador do jogo RIO – Raised in Oblivion, que foi escolhido como melhor jogo independente produzido de modo autônomo pela Brasil Game Show em 2019.

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