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Com pouca publicidade e por baixo do radar, o blockchain avança em ritmo acelerado no Brasil. A nova tecnologia usada para transações seguras de valores e informação aproveita o fértil momento de baixa regulação dos mercados e se espalha nas mais variadas frentes de negócios. O fenômeno, que é global e ainda muito associado a moedas virtuais como o Bitcoin, avança no mercado brasileiro, em iniciativas que vão desde o governo e a bolsa de valores, até uma infinidade de startups que não se restringem a serviços financeiros. Da logística à internet das coisas (IoT) passando por saúde e educação, tem muita gente tentando surfar esta que pode ser chamada de primeira onda do blockchain no Brasil.

Blockchain é um protocolo tecnológico que permite a troca de ativos como moedas, contratos ou qualquer tipo de operação, de maneira transparente, compartilhada e segura através da criptografia. É como se a assinatura de um contrato entre duas partes fosse lido por milhares de testemunhas (no caso, computadores), certificando a autenticidade daquele documento que, por sua vez, está dividido em milhares de páginas (blocos de informação), cada um protegido por sua própria assinatura eletrônica, como uma impressão digital. A vantagem é a segurança: cada pedaço da transação é imutável, fica gravado num registro histórico daquela operação, enquanto os dados não podem ser copiados para fora do ambiente do blockchain nem modificados em nenhuma etapa do processo.

“Blockchain dá início à era da value web, a internet que gera valor”. [autor]Guga Stocco, CEO da Gr1d[/autor]

Criado em 2008 pelo misterioso Satoshi Nakamoto, cuja identidade real ainda é desconhecida, o blockchain se materializou no ano seguinte com o lançamento do Bitcoin, a primeira moeda virtual que balançou o sistema financeiro global e abriu a caminho para milhares de variações. A Coincap.io, bolsa informal do mercado de blockchain, chegou a atingir o pico de capitalização de US$ 250 bilhões, considerando o valor de 1.400 criptoativos listados.

O conceito por trás da tecnologia que permite troca de valores de forma segura e transparente, sem a figura do intermediário – como um banco, por exemplo – promete dar um novo sentido prático para a tecnologia como conhecemos até aqui. “A internet até hoje havia revolucionado a maneira como nos comunicamos, através da troca de informações. O blockchain e as tecnologias associadas a ele nos levam a um novo conceito de value web, a internet como geração de valor”, explica Guga Stocco, um dos maiores especialistas em tecnologia financeira no Brasil.

Blocks em todos os lugares

O interesse pelas criptotecnologias se espalha por toda parte. “Temos 20 projetos de blockchain em andamento com clientes no Brasil, a maioria ainda na forma de pilotos e provas de conceito, nos mais diversos segmentos”, atesta o líder em inovação da Accenture, Guilherme Horn. São mais de 100 projetos de escala global tocados pela consultoria, que está sentindo forte demanda do mercado. “Os CIOs das empresas vêm sofrendo pressão para mostrar conexão com essas novas tecnologias”, explica o consultor.

O interesse corporativo vem de setores como saúde, educação e serviços em geral. No futuro será possível emitir receitas médicas, liberar procedimentos ou exames de ensino autenticados via blockchain, evitando fraudes e erros, com brutal redução de custos e burocracia. Horn destaca o potencial que o Brasil gera no agronegócio e mineração. “Tudo o que envolve operações de mercado futuro e múltiplas entradas de dados, as soluções de blockchain tem muito para agregar”.   

O imenso mercado agrícola foi um dos motivos que trouxeram a Skuchain, uma das maiores operadoras de blockchain aplicado a cadeias de suprimentos dos Estados Unidos ao Brasil. A serviço de um cliente internacional, o desafio da empresa é construir um sistema de certificação que seja capaz de integrar todas as pontas da produção agrícola, da colheita até o desembarque do navio no país de destino. “Hoje todos os passos de um processo logístico deste porte são feitos por empresas diferentes, usando bases de dados que não se conversam”, explica ao Experience Club a vice-presidente da Skuchain, Rebecca Liao.

 “Agronegócio oferece grande potencial para integração da cadeia logística pela nova tecnologia”. [autor]Rebecca Liao, vice-pre
sidente da Skuchain[/autor]

Através do blockchain associado a soluções de IoT, é possível certificar e acompanhar em tempo real cada etapa do processo, garantindo o controle de qualidade e perdas. “Além da segurança, o blockchain melhora muito a eficiência. Em grandes operações de supply chain [cadeia de suprimentos], nós conseguimos uma redução imediata de custos de 0,5% a 2,5%”, comenta a executiva.

As soluções proporcionadas pelo blockchain também estão atraindo empreendedores de fora do mundo da tecnologia, como a administradora Natália Nicoletti Ramos, que fundou em 2016 da A*Star. Estudante de direito, ela se atraiu pelo potencial do protocolo no meio legal. A empresa está entrando em vários segmentos com subsidiárias, além de um braço de consultoria. Um deles é a Uniproof, que oferece solução paperless de integração de 10 cartórios na cidade de São Paulo para a autenticação de contratos e documentos. Outro serviço é a infraestrutura para programas de fidelidade e milhagem para o mercado promocional. “Temos 35 colaboradores e mais de 100 clientes em todas as áreas de negócio, com potencial para crescer muito”, diz Natália.

Rhizon, o blockchain brasileiro

Como todo protocolo, o blockchain nada mais é que um conjunto de regras e procedimentos aceitos de comum acordo por signatários. Várias soluções estão surgindo a cada dia e o mercado está longe da consolidação, com muito campo ainda para explorar. É por isso que um grupo de desenvolvedores brasileiros está lançando o Rhizon, primeiro blockchain feito inteiramente no país.

O projeto é liderado por Luciano Britto, fundador da plataforma de soluções de crowdfunding Enfants, há sete anos no mercado. O empreendedor vem estudando blockchain desde 2012. “Nós identificamos ao longo dos anos falhas e pontos de melhoria que abrem possibilidades de negócio. Ser brasileiro ou não é o que menos importa: o que buscamos é oferecer a melhor solução possível para o mercado”, diz Britto.

Desenvolvedores nacionais querem oferecer uma plataforma capaz de competir com grandes blockchains americanos, como o Ethereum.

Por enquanto, sócios e investimentos são mantidos em sigilo. Britto afirma que, além da qualidade da tecnologia, o diferencial do Rhizon será a proximidade com os clientes e demanda de interessados já existe. Ele acredita que o Brasil não está atrás do que vem acontecendo no resto do mundo. O mercado está conectado às tendências, mas tudo ainda é “prematuro”. “O blockchain talvez seja a mais importante tecnologia que surgiu nos últimos tempos e, caso se concretize, mais distribuído do que centralizado, ganhará a sociedade como um todo”.

Siga o (cripto)dinheiro

Embora o blockchain venha com uma proposta para todas as indústrias, é quase inevitável que o sistema financeiro lidere esse movimento, pelos riscos e oportunidades. Junto com a popularização das moedas virtuais, vem o conceito da “tokenização” de ativos. Através de uma chave de segurança (token), o investidor tem acesso a cotas de capital de um determinado bem ou negócio. Em outras palavras, é como comprar a ação de uma companhia sem que ela esteja listada numa bolsa de valores oficial e sem abrir a conta em uma corretora.

A Bossa Nova Investimentos, ambicioso fundo com participações em 386 startups, saiu na frente e lançou o primeiro fundo baseado em criptomoeda da América Latina. Estruturado na forma de token, aprovado de acordo com as normas de securitização nos Estados Unidos, o fundo é comercializado através da moeda BR11. “O ativo é composto pelas onze startups brasileiras de melhor performance do nosso portfólio”, explica Pierre Schurmann, sócio-fundador da Bossa Nova, ao lado de João Kepler e o grupo BMG. O BR11 está sendo operado em parceria com Bernardo Quintão, investidor-anjo e entusiasta das criptomoedas que ajudou a formatar o modelo do negócio.

Lançamento nos EUA do fundo BR 11 pretende captar US$ 20 milhões de investimentos em startups brasileiras

O investimento mínimo para a compra dos tokens (cotas) é de US$ 5 mil e a expectativa é captar entre US$ 11 e US$ 20 milhões com a iniciativa, que começou com um movimento de pré-venda nos Estados Unidos, seguindo depois para o Japão e Inglaterra. A venda direta pelo Brasil não está disponível, uma vez que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não regulou esse tipo de práticas no país. Mais informações sobre a compra podem ser obtidas no site BR11.io. “O lançamento é a nossa prova de conceito e acreditamos que, até 2020, o maior interesse virá de fora do Brasil. É o tempo que dispomos para amadurecer o modelo”, explica Schurmann.

Laboratório financeiro

Diante de um cenário de concorrência tão novo e imprevisível, não é por acaso que todos os grandes bancos, incluindo o Banco Central, montaram times para estudar a nova tecnologia. A B3, bolsa de valores de São Paulo, juntou-se com Bradesco e Itaú ao grupo de investidores da R3, uma das maiores desenvolvedoras de soluções blockchain para o sistema financeiro, sediada nos Estados Unidos. Com um time local coordenado por Jochen Mielke de Lima, Diretor de Sistemas de Negociação, Arquitetura e Canais Digitais, a B3 está realizando projetos-piloto para testar os benefícios operacionais, dentro do emaranhado de opções tecnológicas que o blockchain oferece hoje.

“É muito importante estar perto dos desenvolvedores: nós observamos 400 empresas nível global”. [autor]Jochen Mielke de Lima, Diretor de Sistemas de Negociação, Arquitetura e Canais Digitais da B3[/autor]

Lima explica que a B3 atua em três “verticais” na área. O primeiro é estudar a tecnologia em si e seu cardápio variado de soluções. Outro é chegar ao nível de produto e construir cases viáveis de aplicação de blockchain através de projetos-piloto. Uma terceira vertical envolve o engajamento com o ecossistema de desenvolvedores. “É muito importante estar perto dos empreendedores de tecnologia: nós observamos 400 empresas em nível global e chegamos a um engajamento concreto com 11 delas”, afirma.

Ainda é cedo para decretar o blockchain como “o” futuro dos bancos. “A tecnologia é muito incipiente e o seu modelo aberto oferece muitos riscos ao sistema financeiro que precisam ser discutidos a fundo. Até aqui, vemos que o maior potencial está mesmo no ganho de eficiência e redução de custos”, avalia Lima.

Também para os pequenos

À frente de diversos projetos de desenvolvimento sustentável ligados às ONU em Nova York, a jovem brasiliense Taynah Reis encontrou no blockchain um caminho para beneficiar milhares de trabalhadores rurais espalhados em cooperativas pelo interior do Brasil. Seu mais recente negócio é a startup Moeda, que permite o investimento direto de pessoas físicas através de tokens para cooperativas selecionadas.

A maior parte dos negócios é tocada por mulheres e envolve empreendimentos de agricultura familiar, como uma cooperativa de leite em Santa Catarina, extração de frutas nativas no cerrado goiano e horticultura no interior da Bahia, em um total de 18 projetos apoiados. “A maior dificuldade para os pequenos produtores rurais no Brasil é o acesso ao crédito. Com uma solução de blockchain, conseguimos garantir a captação rápida de recursos, com transparência e segurança para o investidor”, explica Taynah.

Em agosto do ano passado, a Moeda levantou US$ 20 milhões em um ICO (Initial Coin Offer, equivalente à uma abertura de capital virtual) com investidores estrangeiros. O investimento via token é convertido através de uma operação de câmbio no Uruguai – o Brasil ainda não tem regulamentação para esse tipo de transação – e repassado para cooperativas de crédito no interior do país, como Cresol e Polocred. O beneficiado movimenta o dinheiro com uma conta bancária nessa cooperativa. 

Fundada pela empreendedora social Taynah Reis, startup Moeda captou US$ 20 milhões para cooperativas agrícolas em várias regiões do país.

Taynah explica que o objetivo não é fazer caridade: o investidor tem rendimento de 8% ao ano e pode aplicar diretamente no projeto social que preferir. “Dos três mil investidores, a maioria é composta por chineses entre 20 e 28 anos de idade”, diz Taynah. Até agora, R$ 5 milhões foram liberados para os projetos, com impacto direto e indireto em 7,5 mil pessoas.   

O objetivo agora é estender a Moeda para outros países da América Latina, seguindo depois para a Índia, sudeste asiático e África. Taynah acredita que a Moeda pode ser o ponto de partida para um ecossistema de soluções de pagamento e microcrédito em comunidades pobres que não têm acesso a serviços bancários.

Academia do blockchain

A demanda de mão de obra e especialistas em blockchain cria oportunidades também na área de educação. Aberta em 2016 no bairro de Moema, em São Paulo, a Blockchain Academy reúne um time multidisciplinar de professores para formar profissionais na área. A escola foi fundada pelos sócios Thiago Padovan, com formação em design thinking, e Rosine Kadamani, advogada com 13 de experiência em direito bancário no escritório Pinheiro Neto.

Os cursos regulares oferecem uma apresentação em nível básico e avançado para programadores, além de outro para formação específica para a área jurídica. Em paralelo, a Blockchain Academy realiza programas de formação in company e consultoria cocriativa em empresas. “Embora haja mais concentração no mercado financeiro ainda, existe uma demanda muito forte para programação, mas muita gente na área do direito e administração”, explica Padovan.

Demanda é maior em finanças, mas também atrai profissionais legais e de gestão de empresas.

Até agora foram realizados 34 cursos abertos na escola, mais 17 treinamentos customizados para empresas, atingindo um total de 2.150 alunos. A expectativa agora é aumento da demanda em segmentos como agronegócio, logística e também de construtoras. “Nas empresas, nossa missão é melhorar o entendimento da tecnologia e ajudar na construção de novos modelos de negócio”, diz Padovan à frente de um time de 13 especialistas de diversas áreas que dão as aulas e colaboram na construção do conteúdo didático.

Texto: Arnaldo Comin

Imagens: Divulgação

 

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