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“Ambiente diverso é aquele que proporciona a contribuição integral do colaborador”

Para Marta Saft, diretora-presidente da Thoughtworks Brasil, não é suficiente apenas contratar equipes diversas, mas entender seus desafios para criar ações que sustentem sua permanência

Por Monica Miglio Pedrosa

Quando entrou na Thoughtworks Brasil para liderar a área jurídica em 2012, a advogada Marta Saft não imaginava que sua trajetória a levaria a ser diretora-presidente da empresa quase seis anos depois. A consultoria global de tecnologia e inovação tem entre seus pilares a adoção de práticas de diversidade – e procura inspirar seus clientes por meio do exemplo. O setor de TI ainda é majoritariamente masculino – as mulheres representam 20% do total dos profissionais do setor no Brasil segundo dados do IBGE de 2019 – portanto a diversidade de gênero foi o primeiro foco de inclusão nas equipes da consultoria.

“Como ainda não é natural ter equipes de desenvolvedoras compostas por mulheres, temos um treinamento interno de como lidar com o sexismo no cliente”, exemplifica Marta em entrevista ao [EXP]. “O apoio dos colegas do time às desenvolvedoras nas reuniões, para que elas possam ser ouvidas em suas opiniões e ideias sobre o projeto, é um dos aspectos do treinamento. O mais interessante é o feedback positivo que recebemos dos clientes mais tradicionais, que acabam percebendo que não são tão inclusivos como pensavam ao observar nossos times interagindo no dia a dia”, conta.

Confira a entrevista completa, em que a executiva fala sobre os primeiros passos que uma organização deve dar para adotar práticas bem-sucedidas de diversidade e a importância do uso responsável da tecnologia nos negócios e nas relações de trabalho.

A consultoria Thoughtworks é uma empresa certificada Great Place to Work e reconhecida no mercado por adotar práticas de diversidade, equidade e inclusão. Que estratégias foram fundamentais para chegar onde estão hoje?

Tivemos uma longa jornada nesse espaço de diversidade, equidade e inclusão, posso dizer que esses elementos estão no DNA da empresa e têm muita relação com a forma que conduzimos a história da organização. Nosso primeiro foco foi a diversidade de gênero e, mais recentemente, a diversidade racial. Nossas estratégias passam por construir uma base de conhecimento que nos permita entender o que significa de fato incluir pessoas diversas nas dinâmicas de trabalho, de forma que elas possam contribuir integralmente na organização.

Definimos objetivos com metas numéricas que queremos alcançar, mas que precisam ser construídos com base em ações e em um processo de educação interna para que todos possam colaborar e de fato fazer a inclusão em todos os espaços da organização. Essa não é uma tarefa de uma área específica da empresa, todos têm que participar do processo.

Na sua opinião, qual seria o primeiro passo a ser dado por uma empresa que esteja iniciando esse processo de inclusão e diversidade?

Esse tema está em pauta em todo o mundo e não é raro as organizações sentirem que precisam fazer alguma coisa a respeito disso, e de fato elas precisam. O primeiro passo é se perguntar por que a organização quer adotar políticas de diversidade. Depois de entender, é importante explorar como isso se conecta com os valores da organização. O próximo movimento é buscar o diálogo com as pessoas que estão perto dos desafios que se quer enfrentar. Por exemplo, se estamos falando de diversidade de gênero, não dá para fazer isso sem olhar para as mulheres, para as pessoas não-binárias dentro da empresa e conversar com elas. No geral, as organizações têm dificuldade para dar esse primeiro passo. Olhar para dentro é essencial.

Esse aspecto tem relação com a educação dos colaboradores sobre o tema. Como a empresa pode impulsionar esse aprendizado?

Certamente passa por educação, que nada mais é do que entender os desafios sociais históricos que envolvem diferentes grupos de diversidade. Quando falamos em quebrar a homogeneidade nas equipes de trabalho estamos reconhecendo que faltam elementos nestes times que sejam representativos da sociedade, portanto falta conhecimento sobre os desafios de incluir essas pessoas. Se aliar a grupos que estão perto destas causas é chave para entender suas necessidades e poder trabalhar em um plano de inclusão.

No trabalho de consultoria em empresas, como é essa interação entre os times da Thoughtworks e os das organizações que não têm ambientes tão diversos?

É interessante, pois como trabalhamos esse tema há muito tempo, temos dinâmicas nos times que refletem esse acolhimento à diversidade. Existem empresas, principalmente as mais tradicionais, que ainda estão dando os primeiros passos em direção à diversidade. Não digo que há uma resistência, é mais um estranhamento ao perceber que há uma dinâmica diferente em nossos times. Percebemos que conseguimos influenciar e inspirar esses outros grupos a partir de dinâmicas que são observadas nas nossas equipes. Nessa jornada a troca é uma das coisas mais importantes, pois os desafios que encontramos nos clientes também nos ajudam a refletir sobre as coisas que estamos fazendo na Thoughtworks, como podemos fazê-las melhor e inspirar ainda mais essa mudança.

Você pode dar um exemplo concreto de um caso de influência no cliente por conta da interação com o time Thoughtworks?

Na Thoughtworks temos um treinamento interno de como lidar com o sexismo quando estamos no ambiente do cliente. Temos times de desenvolvedores que são compostos por mulheres e no ambiente de muitas empresas ainda não é natural essa composição em equipes de tecnologia. É muito normal termos situações em que essas pessoas são menos ouvidas, se sentem menos confortáveis para interagir, ou mesmo existem piadas sexistas que, de alguma forma, diminuem a capacidade dessas mulheres contribuírem nos times. A partir desse treinamento, os colegas do próprio time conseguem dar o apoio a elas e esse apoio é percebido pelo cliente. Por vezes, quando vamos ao cliente conversar sobre as dinâmicas dos times deles em relação aos nossos isso acaba revelando que talvez eles não estejam sendo tão inclusivos quanto poderiam pela falta de observação de algumas condutas simples do dia a dia.

“Como ainda não é natural ter desenvolvedoras mulheres,

temos um treinamento interno de como lidar com o sexismo no cliente”

A tecnologia hoje está no centro dos negócios. A Thoughtworks prega o conceito de tecnologia responsável. Pode nos falar um pouco sobre isso?

Hoje todos os negócios, em alguma medida, são negócios de tecnologia. Costumamos dizer que a tecnologia pode ser benéfica se a aplicarmos de uma forma a gerar impacto positivo para a sociedade. Ou pode não ser se a usarmos para viciar as pessoas. A tecnologia é um produto da inteligência humana, surge das nossas experiências, portanto da mesma forma que temos vieses, as tecnologias que desenvolvemos também têm esses vieses. Por isso falamos muito sobre tecnologia responsável na Thoughtworks. Quando desenvolvemos um produto temos sempre que provocar essas reflexões para que possamos usar a tecnologia de forma construtiva, gerando as soluções positivas que queremos entregar para o mundo.

Qual é a sua visão sobre o impacto da tecnologia nas relações de trabalho?

Temos a tendência de tratar a tecnologia como se ela fosse impessoal, como se afastasse as pessoas, mas aprendemos na pandemia que a tecnologia pode aproximar as pessoas. O segundo aprendizado é que os elementos culturais, as coisas que informam como é o nosso comportamento e a nossa interação com os outros são muito importantes. Esses elementos culturais não estão aí apesar da tecnologia, mas para andar em par com ela. A tecnologia deve ser capaz de trazer as ferramentas que potencializem os elementos da cultura organizacional, mas também para que consigamos ser produtivos e saudáveis tirando o melhor dessa interação.

Quais são as apostas da Thoughtworks para o ano de 2023?

Acreditamos muito no potencial da tecnologia para alavancar os resultados do negócio e para trazer impactos positivos para a sociedade. Vemos 2023 como um ano de muitas oportunidades. Recentemente adquirimos uma empresa de design estratégico, a Handmade Design, porque acreditamos que é importante estar junto dos clientes no momento de definir o problema, pensar as soluções e desenvolvê-las. Queremos participar de toda a jornada trazendo essas provocações sobre o uso responsável da tecnologia e as métricas ESG. O uso inteligente das tecnologias é essencial para entregar as soluções para o mundo que queremos viver no futuro.

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