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Como chegamos até aqui

Seis inovações que transformaram o mundo e abriram caminho para uma série de outras tecnologias onipresentes nos dias atuais

Ideias centrais: 

1 – Angelo Barovier, de Murano, Veneza, usou a alga marinha, rica em óxido de potássio e manganês, queimou-a para criar a cinza e depois a adicionou ao vidro derretido. O novo produto foi chamado de cristallo. Nascia o vidro moderno. 

2 – Ellis Carrier, engenheiro, foi contratado por uma empresa de impressão para elaborar um esquema que ajudasse a manter a tinta sem manchas nos meses úmidos de verão. A invenção de Carrier não só removeu a umidade da sala de impressão, como refrigerou o ar. 

3 – Talvez o legado mais importante do telefone foi a Bell Labs, organização que nasceu junto à AT&T. Da Bell Labs se originaram ferramentas fundamentais da vida moderna: rádios, raios laser, tubos de vácuo, transistores, televisões, células solares, microprocessadores, computadores, fibras óticas. 

4 – A confirmação de que doenças como cólera e febre tifóide são causadas não pelo cheiro, mas por organismos invisíveis na água contaminada teve a colaboração de novos microscópios equipados com as lentes Zeiss. Robert Koch utilizou-os para identificar a bactéria do cólera e outras mais. 

5 – No NIF (National Ignition Facility), no norte da Califórnia, estão fechando um círculo completo da luz, usando lasers para produzir nova fonte de energia baseada na fusão nuclear, recriando o processo que ocorre naturalmente no núcleo do Sol, a fonte original da luz natural. 

Sobre o autor: 

Steven Johnson é um dos grandes autores de não ficção da atualidade, sempre nos levando a uma jornada pela história da tecnologia. Com mais de dez livros publicados e traduzidos para várias línguas, é criador e apresentador da série How We Got to Now, que deu origem a este livro. 

A propósito, não há robôs inteligentes neste livro. As inovações aqui apresentadas pertencem à vida do dia a dia, não à ficção científica: lâmpadas, registros de som, ar-condicionado, um copo de água potável, um relógio de pulso, uma lente de vidro. Mas tentei contar a história das inovações de uma forma semelhante à perspectiva do historiador robô de De Landa. Se uma lâmpada pudesse escrever a história dos últimos trezentos anos, isso também seria muito diferente. Teríamos de ver quanto do nosso passado se empenhou na busca da luz artificial, quanta engenhosidade e quanto esforço foram gastos na batalha contra a escuridão e como as invenções que engendramos desencadearam mudanças que, à primeira vista, pareciam não ter nada a ver com as lâmpadas. 

Trata-se de uma abordagem que chamei, em outra instância, de história de “zoom longo”: a tentativa de explicar as mudanças históricas examinando múltiplas escalas de experiência ao mesmo tempo – desde as vibrações das ondas sonoras na membrana do tímpano até os movimentos políticos de massa. Poderia ser mais intuitivo limitar a narrativa histórica à escala dos indivíduos ou nações, mas, num nível fundamental, esses limites restringem a exatidão da análise. A história acontece no plano dos átomos, no plano da mudança climática planetária e em todos os planos intermediários. Se quisermos ter a história certa, precisamos de uma abordagem interpretativa que faça justiça a todos estes diferentes níveis. 

Existe algo inegavelmente atraente na história de um grande inventor ou cientista – Galileu e seu telescópio, por exemplo – abrindo caminho em direção a uma ideia transformadora. Mas há outra história mais profunda que também pode ser contada: como a capacidade de fazer lentes dependia de uma propriedade mecânica quântica do dióxido de silício e da queda de Constantinopla. Contar a história a partir dessa perspectiva, de zoom longo, não diminui a importância tradicional concentrada no gênio de Galileu, só acrescenta. 

Capítulo 1. Vidro 

O vidro começou a fazer sua transição de ornamento para tecnologia avançada durante o auge do Império Romano, quando fabricantes de vidro descobriram maneiras de tornar o material mais resistente e menos turvo que o vidro forjado naturalmente, como o do escaravelho do faraó Tutancâmon. Durante este período, pela primeira vez construíram-se janelas de vidro, fixando-se as bases para as cintilantes torres envidraçadas que agora povoam o horizonte das cidades ao redor do mundo. A estética visual de degustação de vinhos surgiu quando as pessoas passaram a tomá-lo em recipientes semitransparentes de vidro e a armazená-lo em garrafas do mesmo material. 

Mas a queda de Constantinopla também desencadeou um evento em aparência menor, perdido em meio a esse vasto reordenamento da dominação geopolítica e religiosa e ignorado pela maioria dos historiadores da época. Uma pequena comunidade de fabricantes de vidro da Turquia navegou para oeste do Mediterrâneo e se estabeleceu em Veneza, onde começou a praticar seu comércio na próspera cidade nova, expandindo-se a partir dos pântanos às margens do Mar Adriático. 

Em 1291, num esforço duplo para aprimorar a habilidade dos fabricantes de vidro e proteger a segurança pública, a administração da cidade enviou os fabricantes e vidro de novo para o exílio, só que agora a jornada foi curta, de 1,5 quilômetro, até o outro lado da lagoa de Veneza, para a ilha de Murano. Sem saber, os doges venezianos tinham criado um centro de inovação concentrando os fabricantes de vidro numa única ilha do tamanho de um pequeno bairro da cidade, onde eles desencadearam uma onda de criatividade, fazendo nascer um ambiente que dispunha do que os economistas chamam de “spillover” de informações. 

Ali, destacou-se Angelo Barovier. Ele usou alga marinha, rica em óxido de potássio e manganês, queimou-a para criar a cinza e depois adicionou esses ingredientes ao vidro derretido. Quando a mistura resfriou, ele havia criado um tipo de vidro extraordinariamente claro. Perplexo pela semelhança com as mais translúcidas pedras de cristais de quartzo, Barovier chamou-a de cristallo. Nascia o vidro moderno. 

Nos mosteiros dos séculos XII e XIII, os monges, curvados sobre manuscritos religiosos em salas iluminadas à luz de velas, recorriam a pedaços de vidro para auxiliar a leitura. Utilizavam volumosas lupas sobre a página para ampliar as inscrições em latim. Ninguém tem certeza exatamente de quando ou onde isso aconteceu, porém, naquela época, em algum lugar do norte da Itália, fabricantes de vidro chegaram com uma inovação que mudaria a forma como vemos o mundo, ou pelo menos deixaria tudo mais nítido: eles moldaram o vidro em pequenos discos com uma curvatura no centro, colocaram cada disco numa moldura e uniram as molduras na parte superior. Tinham criado os primeiros óculos do mundo. 

O que se seguiu à criação da imprensa de Gutenberg foi um dos mais extraordinários casos de efeito beija-flor na história moderna. Gutenberg possibilitou a impressão de livros relativamente baratos e portáteis, o que provocou um avanço da alfabetização, expôs uma falha na acuidade visual de parte considerável da população e criou um novo mercado para fabricação de óculos. 

Em 1590 na pequena cidade de Midelburgo, nos Países Baixos, Hans e Zacharias Janssen, pai e filho fabricantes de óculos, experimentaram alinhar duas lentes, em vez de colocá-las lado a lado como nos óculos. Eles observaram que os objetos pareciam ampliados, e assim inventaram o microscópio. Vinte anos após a invenção do microscópio, um grupo de fabricantes holandeses de lentes, incluindo Zacharias Janssen, inventou, mais ou menos ao mesmo tempo, o telescópio. Lippershey foi o primeiro a requisitar uma patente. Em um ano, Galileu encontrou a palavra para o novo dispositivo e modificou o desenho de Lippershey, chegando a uma ampliação correspondente a dez vezes a visão normal. Em janeiro de 1610, apenas dois anos depois de Lippershey ter arquivado sua patente, Galileu usou o telescópio para observar luas orbitando Júpiter. 

Os telescópios Keck, do pico do Mauna Kea, no Havaí, parecem descendentes diretos da criação de Hans Lippershey, só que não dependem de lentes para fazer sua magia. A fim de captar a luz dos cantos distantes do Universo, você precisaria de lentes do tamanho de uma caminhonete. Nesse tamanho, fisicamente, o vidro não sustentaria e causaria distorções para a imagem. Assim, os cientistas e engenheiros que trabalharam no Keck empregaram outra técnica para captar traços extremamente tênues de luz: o espelho. Cada telescópio tem 36 espelhos hexagonais que, juntos, formam uma tela reflexiva de seis metros. Essa luz é refletida em um segundo espelho e enviada para um conjunto de instrumentos, no qual as imagens podem ser processadas e visualizadas na tela de um computador. Além de toda essa parafernália, lança-se mão de um sistema chamado “ótica adaptativa”. Lasers são lançados à noite para o céu acima do Keck, criando efetivamente uma estrela artificial no firmamento, como uma espécie de ponto de referência. 

Capítulo 2. Frio 

Frederic Tudor, de Massachusetts, sabia por experiência pessoal que um bloco de gelo podia durar muito nas temperaturas máximas do verão, caso fosse resguardado do sol – ou pelo menos até o fim da primavera na Nova Inglaterra. Esse conhecimento plantaria a semente de uma ideia em sua cabeça, ideia que acabaria custando sua sanidade, sua fortuna e sua liberdade – antes de torná-lo um homem imensamente rico. 

Parte da beleza do gelo, sem dúvida, era ser basicamente gratuito. Tudor só precisava pagar a trabalhadores para moldar os blocos retirados dos lagos congelados. A economia da Nova Inglaterra constava de outro produto igualmente inútil, a serragem, o principal refugo das serrarias. Após anos experimentando diferentes soluções, Tudor descobriu que a serragem era um excelente isolante para o gelo. Blocos em camadas, uns em cima dos outros, separados por serragem, duravam quase o dobro do tempo que o gelo desprotegido. Essa foi a frugal genialidade de Tudor: ele pegou três coisas que tinham custo zero – gelo, pó de serra e um navio vazio – e os transformou num próspero negócio. 

A refrigeração utilizando gelo alterou o mapa dos Estados Unidos, e, em nenhum outro lugar a transformação foi mais acentuada que em Chicago. A explosão inicial de crescimento em Chicago se deu pela ligação de canais e linhas ferroviárias que conectavam a cidade tanto ao Golfo do México quanto às cidades da Costa Leste. Sua localização privilegiada como centro de distribuição – por sua natureza e por uma das obras de engenharia mais ambiciosas do século – fazia o trigo fluir das abundantes planícies para os centros populacionais do Nordeste. Mas a carne não podia fazer essa viagem sem estragar. Por isso, Chicago desenvolveu grande comércio de carne de porco em conserva. 

Foi o gelo que afinal forneceu uma maneira de contornar esse impasse. Em 1868, o magnata da carne de porco, Benjamin Hutchinson, construiu uma nova fábrica de embalagem, apresentando salas refrigeradas com gelo natural que permitiam embarcar a carne de porco durante todo o ano. 

O jovem médico John Gorrie começou a remoer uma solução mais duradoura para o hospital em que trabalhava: fazer seu próprio gelo. Felizmente para Gorrie, por acaso aquele era o momento perfeito para essa ideia. Em seu tempo livre, Gorrie começou a construir uma máquina de refrigeração utilizando a energia de uma bomba para comprimir o ar. A compressão aquecia o ar. A máquina refrigerava o ar comprimido, passando-o pelos canos resfriados com água. Quando o ar é expandido, remove calor do ambiente; e, assim como as ligações tetraédricas do hidrogênio dissolvem-se na água líquida, a extração do calor refrigera o ar ambiente. Aquilo podia até ser usado para produzir gelo. 

Por incrível que pareça, a máquina de Gorrie funcionou. Não mais dependente do gelo enviado de mil quilômetros de distância, ele reduziu a febre dos pacientes com frio caseiro. Gorrie solicitou uma patente, prevendo corretamente um futuro em que o frio artificial, como escreveu, “poderia servir melhor à humanidade… Frutas, legumes e carnes serão preservados em trânsito pelo meu sistema de refrigeração, e assim serão apreciados por todos!”. 

O primeiro “aparelho para o tratamento de ar” foi sonhado por um jovem engenheiro chamado Willis Carrier, em 1902. A história da invenção de Carrier é um clássico nos anais das descobertas por acaso. Engenheiro de 25 anos, Carrier foi contratado por uma empresa de impressão no Brooklyn para elaborar um esquema que os ajudasse a manter a tinta sem manchas nos meses úmidos do verão. A invenção de Carrier não apenas removeu a umidade da sala de impressão, como também refrigerou o ar. Ele notou que, de repente, todo mundo queria almoçar ao lado das prensas, e assim começou a projetar a engenhoca para regular a temperatura e umidade nos espaços internos. O primeiro grande teste aconteceu no fim de semana do Memorial Day de 1925, quando Carrier estreou um sistema experimental de ar-condicionado no cinema Rivoli, o novo carro-chefe da Paramount Pictures. 

Capítulo 3. Som 

Nos anos 1850, um gráfico parisiense chamado Édouard-Léon Scott Martinville topou com um desses livros de anatomia do ouvido, do tempo do Iluminismo. Despertou nele o interesse pelo hobby da biologia e da física do som. 

Scott também estudou taquigrafia e já tinha publicado um livro sobre a história da estenografia anos antes de começar a pensar sobre o som. Na época, a estenografia era a forma mais avançada da tecnologia de gravação de voz; nenhum sistema podia captar a palavra falada com a precisão e a velocidade de um estenógrafo treinado. Mas, ao observar aquelas detalhadas ilustrações do ouvido interno, um novo conceito começou a tomar forma no pensamento de Scott: talvez o processo de transcrição da voz humana pudesse ser automatizado. No lugar de um ser humano escrevendo as palavras, uma máquina poderia gravar as ondas sonoras. 

Em março de 1857, duas décadas antes de Thomas Edison inventar o fonógrafo, o instituto de patentes da França concedeu a Scott a patente para uma máquina que gravava o som. A geringonça canalizava ondas sonoras através de um dispositivo semelhante a uma cornucópia que terminava com uma membrana de pergaminho. As ondas sonoras provocavam no pergaminho vibrações que eram transmitidas para uma agulha feita com uma cerda de porco. A agulha gravava as ondas em uma página escurecida com fuligem de carvão. Ele chamou sua invenção de “fonoautógrafo”, a autoescrita do som. No entanto, a invenção de Scott foi paralisada por uma fundamental – e até mesmo cômica – limitação. Ele inventou o primeiro dispositivo de gravação de som na história. Esqueceu, porém, de incluir a reprodução. 

O ponto cego de Scott não ficaria completamente sem saída. Quinze anos depois de sua patente, outro inventor começava a fazer experiências com o fonoautógrafo, modificando o projeto original de Scott e incluindo a orelha real de um cadáver, a fim de compreender melhor a acústica. Com essa nova configuração, ele chegou a um método de captar e transmitir o som. O nome desse homem era Alexander Graham Bell. 

Talvez o legado mais importante do telefone, contudo, esteja em uma estranha e maravilhosa organização que nasceu fora dele, a Bell Labs, empresa que iria desempenhar papel fundamental na criação de quase todas as principais tecnologias do século XX. Rádios, tubos de vácuo, transistores, televisões, células solares, cabos coaxiais, raios laser, microprocessadores, computadores, telefones celulares, fibras óticas – todas essas ferramentas fundamentais da vida moderna descendem de ideias originalmente geradas na Bell Labs. Não é à toa que a empresa ficou conhecida como “fábrica de ideias”. 

Afinal, como essas ideias chegaram ao mercado, ao público americano? Os advogados do Departamento de Justiça contrários ao monopólio do telefone elaboraram um acordo intrigante, estabelecido oficialmente em 1956. A AT&T teria permissão para manter seu monopólio sobre o serviço de telefonia, mas qualquer invenção patenteada que tivesse origem na Bell Labs devia ser livremente licenciada para qualquer empresa americana que a considerasse útil, e todas as novas patentes teriam de ser licenciadas por taxa módica. 

Capítulo 4. Higiene 

Com sua rede ferroviária e de transportes expandindo-se numa velocidade extraordinária, Chicago mais que triplicou de tamanho durante a década de 1850. Essa taxa de crescimento impôs desafios para os recursos de habitação e transporte da cidade, mas o maior problema de todos veio de algo mais escatológico, quando quase 100 mil novos residentes chegam a uma cidade, eles geram um bocado de excremento. Um editorial local declarou: “Os bueiros estão com tanta sujeira que até os porcos torcem o nariz com supremo desgosto.” 

As autoridades de Chicago encarregaram Ellis Chesbrough, experiente no setor ferroviário, para encontrar uma alternativa para esse caos. Ellis utilizou uma ferramenta que havia visto quando era um jovem trabalhador na estrada de ferro: o macaco de rosca, dispositivo usado para levantar dos trilhos locomotivas que pesavam toneladas. 

Auxiliado pelo jovem Pullman, que mais tarde faria fortuna com a construção de vagões, Chesbrough lançou um dos mais ambiciosos projetos de engenharia do século XIX. Edifício por edifício, Chicago foi suspendida com macacos de rosca por um exército de homens. Enquanto os macacos levantavam os edifícios centímetro por centímetro, operários cavavam buracos sob as fundações dos prédios e instalavam grandes caixas de madeira para apoio, ao mesmo tempo que os pedreiros construíam uma nova base sob a estrutura. Tubulações de esgoto foram inseridas sob os edifícios, com as galerias principais passando por baixo das ruas, que foram depois recobertas por um a erro retirado do rio Chicago, suspendendo toda a cidade quase três metros em média. 

A experiência de Chicago foi replicada em todo o mundo; esgotos removiam dejetos humanos dos porões e quintais das pessoas, mas na maioria das vezes simplesmente eram jogados nas fontes de suprimento de água potável, diretamente, como no caso de Chicago, ou indiretamente, pelas chuvas torrenciais. Fazer projetos para galerias de esgoto e tubulações de água na escala da cidade não era por si só suficiente para a tarefa de manter a grande cidade limpa e saudável. Precisávamos entender também o que estava acontecendo na escala dos microrganismos. Precisávamos de uma teoria que ligasse os germes à doença – e precisávamos impedir que esses germes nos prejudicassem. 

Trabalhando no Hospital geral de Viena, Semmelweis deparou com um experimento natural alarmante: o hospital contava com duas maternidades, uma para atender bem, com a participação de médicos e estudantes de medicina, e outra para a classe trabalhadora, que recebia os cuidados de parteiras. Por alguma razão, as taxas de mortalidade por febre puerperal eram muito mais baixas na ala da classe trabalhadora. Depois de investigar os dois ambientes, Semmelweis descobriu que os médicos da elite e seus alunos alternavam-se entre partos e pesquisas em cadáveres no necrotério. Estava claro que algum tipo de agente infeccioso era transmitido dos cadáveres para as mães. Com uma simples aplicação de um desinfetante, como limão com cloro, o ciclo de infecção poderia ser interrompido. Semmelweis acabou demitido, simplesmente porque recomendava que os médicos lavassem as mãos quando faziam partos e dissecavam cadáveres, numa mesma tarde. 

A síntese moderna que viria substituir a hipótese do miasma – que doenças como cólera e febre tifóide são causadas não pelo cheiro, mas por organismos invisíveis que se desenvolvem na água contaminada – firmou-se afinal, mais uma vez, graças a uma inovação no vidro. No início dos anos 1870, os artesãos alemães da fábrica de lentes Zeiss começaram a produzir novos microscópios – dispositivos que, pela primeira vez, foram construídos a partir de fórmulas matemáticas descrevendo o comportamento da luz. Essas novas lentes possibilitaram o trabalho microbiológico de cientistas como Robert Koch, um dos primeiros cientistas a identificar a bactéria do cólera. (Depois de receber o Prêmio Nobel por seu trabalho, em 1905, Koch escreveu a Carl Zeiss: “Devo grande parte do meu sucesso a seus excelentes microscópios.” Como seu grande rival Louis Pasteur, Koch e seus microscópios ajudaram a desenvolver e a divulgar a teoria dos germes. 

Capítulo 5. Tempo 

Agora eles estão imóveis [candelabros da catedral de Pisa, a de torre inclinada], mas dizia a lenda que, em 1583, um estudante de dezenove anos da Universidade de Pisa estava na catedral e, enquanto sonhava acordado no banco da igreja, viu um dos candelabros balançar para frente e para trás. Enquanto seus concentrados colegas recitavam o Credo Niceno a seu lado, o estudante ficou hipnotizado pelo movimento regular do lustre. Independentemente do trajeto da oscilação, o candelabro parecia levar o mesmo tempo para ir e para voltar. Quando a trajetória do arco diminuía, a velocidade do lustre diminuía também. Para confirmar suas observações, o estudante mediu o balanço das velas com o único relógio de confiança que conseguiu encontrar, o próprio pulso. 

A maioria dos jovens de dezenove anos pensaria em maneiras menos científicas de se distrair enquanto assistia à missa, mas acontece que aquele calouro da faculdade era Galileu Galilei. 

Galileu passou os vinte anos seguintes dando aulas de matemática, fazendo experiências com telescópios e mais ou menos inventando a ciência moderna, mas conseguiu manter viva em sua memória a imagem do lustre balançando na catedral. Cada vez mais obcecado com a ciência dinâmica – o estudo de como os objetos se movem no espaço -, ele decidiu construir um pêndulo que recriasse o que havia observado no Duomo de Pisa tantos anos antes. Ele descobriu que o tempo que um pêndulo leva para oscilar não depende do tamanho do arco ou da massa do objeto que balança, mas do comprimento da corda. “A maravilhosa propriedade do pêndulo”, escreveu a um colega, o cientista Giovanni Battista Baliani, “é fazer todas as oscilações, grandes ou pequenas, em tempos iguais.” 

Depois de 58 anos de preparação, seu lento palpite sobre a “propriedade mágica” do pêndulo afinal começou a tomar forma. A ideia se encontrava no ponto de interseção de várias disciplinas e interesses: a lembrança de Galileu do lustre do Duomo, seus estudos de movimento e das luas de Júpiter, o surgimento de uma indústria de navegação global e a nova demanda por relógios que medissem o segundo. Ajudado pelo filho, ele começou a elaborar planos para o primeiro relógio de pêndulo. 

No final do século seguinte, o relógio de pêndulo se tornaria comum em toda a Europa, particularmente na Inglaterra – em locais de trabalho, praças, até em casas mais prósperas. Sem o relógio de pêndulo, a decolagem industrial que começou na Inglaterra em meados do século XVIII teria levado no mínimo muito mais tempo para chegar à velocidade de escape.  

Os britânicos lidaram com o problema de diferenças dos muitos relógios padronizando o país todo pela Hora Média de Greenwich (GMT, de Greenwich Mean Time) no final dos anos 1840, sincronizando os relógios da estrada de ferro pelo telégrafo. (Até hoje, os relógios em todos os centros de controle de tráfego aéreo e cabines de voo do mundo todo seguem a hora de Greenwich; o GMT é o único fuso horário do céu.)  

A notável capacidade de o cristal de quartzo se expandir e contrair em “tempo igual” foi explorada pela primeira vez por engenheiros de rádio nos anos 1920, usando essa propriedade para manter as transmissões de rádio em frequências correntes. Em 1928, W. A. Marrison, da Bell Labs, construiu o primeiro relógio que marcava o tempo a partir das vibrações regulares de um cristal de quartzo. 

Ao estudar o comportamento dos elétrons em órbita num átomo de césio, Bohr notou que eles se moviam com uma surpreendente regularidade; imperturbáveis na caótica resistência de cordilheiras de montanhas ou das marés, os elétrons pulsavam num ritmo várias ordens de magnitude mais confiável que a rotação da Terra. Os primeiros relógios atômicos foram construídos em meados dos anos 1950 e logo estabeleceram um novo padrão de precisão. Agora éramos capazes de mensurar nanossegundos, mil vezes mais precisos que os microssegundos do quartzo. 

Capítulo 6. Luz 

Até hoje, os cientistas não sabem ao certo por que os cachalotes produzem espermacete em muita quantidade. (Um cachalote adulto chega a ter 1.890 litros dentro do crânio.) Alguns acreditam que as baleias usam o espermacete para flutuar; outros julgam que a substância ajuda o sistema de ecolocalização do mamífero. Os habitantes da Nova Inglaterra, no entanto, logo descobriram uma luz muito mais forte e clara que as velas de sebo, e sem a incômoda fumaça. Na segunda metade do século XVIII, velas de espermacete se tornaram a mais valorizada forma de luz artificial nos EUA e na Europa. 

Uma das mais extraordinárias criaturas do oceano foi poupada porque os seres humanos descobriram depósitos de plantas fósseis abaixo da superfície da terra. Combustíveis fósseis se tornariam fundamentais para quase todos os aspectos da vida do século XX, mas seu primeiro uso comercial girava em torno da luz. As novas lâmpadas eram vinte vezes mais brilhantes do que qualquer vela foi antes, e seu brilho mais intenso gerou uma explosão na edição de revistas e jornais na segunda metade do século XIX. 

A lâmpada elétrica marcou um limite na história da inovação, mas por razões bem diferentes. Seria forçar a barra dizer que a lâmpada foi criada por um mutirão, mas afirmar que um único homem chamado Thomas Edison a inventou é uma distorção ainda mais grave.  

A história tradicional é mais ou menos assim: depois de um triunfante começo de carreira inventando o fonógrafo e o registrador de cotações (stock ticker) aos trinta anos de idade, Edison passou alguns meses fazendo uma turnê pelo Oeste americano – talvez não por coincidência uma região bem mais escura à noite que as ruas iluminadas a gás de Nova York e Nova Jersey. Dois dias depois de voltar a seu laboratório em Menlo Park, em agosto de 1878, Edison desenhou três diagramas em seu caderno de anotações, chamando-os de “luz elétrica”. Em 1879, ele apresentou um pedido de patente para uma “lâmpada elétrica” que exibia todas as principais características do bulbo que hoje conhecemos. 

A lâmpada foi produto de inovação em rede, e por isso é justo que a realidade da luz elétrica, em última instância, tenha se revelado mais como como rede ou sistema do que como entidade única. A verdadeira vitória de Edison não veio com o filamento de bambu incandescente no vácuo, ou com a iluminação do distrito de Pearl Street, dois anos depois. Para que isso acontecesse, era necessário inventar a lâmpada, sim, mas também era preciso uma fonte de corrente elétrica confiável, um sistema de distribuição de corrente que abrangesse a localidade, um mecanismo para conectar as lâmpadas individuais à rede e um medidor para auferir a quantidade de eletricidade utilizada em cada casa. 

Assim como a lâmpada de Edison, a verdadeira história da origem do flash fotográfico é um caso bem complicado, é mais um negócio em rede. Grandes ideias se fundem a partir de avanços incrementais menores. Smyth pode ter sido o primeiro a conceber a ideia de combinar o magnésio com um elemento combustível rico em oxigênio. Contudo, o flash fotográfico se tornaria prática corrente duas décadas depois, quando dois cientistas alemães, Adolf Miethe e Johannes Gaedicke, pulverizaram o fino pó de magnésio com clorato de potássio, criando uma mistura muito mais estável, que possibilitava fazer fotos com alta velocidade do obturador em condições de pouca luminosidade. Eles chamaram essa técnica de Blitzlicht – literalmente, “luz de flash”.  

Se os primeiros fãs de ficção científica de A guerra dos mundos e Flash Gordon se decepcionaram ao ver o poderoso laser escaneando pacotes de chiclete – a luz brilhante e concentrada usada para gerenciamento de inventário – é provável que ficassem mais animados se vissem a Instalação Nacional de Ignição (NIF, na sigla em inglês, de National Ignition Facility) do Laboratório Lawrence Livermore, no norte da Califórnia, onde cientistas construíram o maior sistema de laser do mundo, de mais alta energia. A luz artificial começou como simples iluminação para podermos ler e nos divertir depois do anoitecer, pouco depois foi transformada em publicidade, arte e informação. Mas no NIF estão fechando um círculo completo da luz, usando lasers para produzir uma nova fonte de energia baseada na fusão nuclear, recriando o processo que ocorre naturalmente no núcleo do Sol, a fonte original da luz natural. 

Ficha técnica: 

Título: Como chegamos até aqui 

Título original: How We Got to Now 

Autor: Steven Johnson 

Primeira edição: Zahar 

Fotos: Claudio Rolli, Alexandre Lecocq, Maksym Pozniak-Haraburda, Maskmedicare Shop, Lucian Alexe, Alex Litvin / Unsplash

Resenha:

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