Um novo consumidor surgiu com a pandemia de Covid-19. Ele aprendeu a navegar nos canais online, se acostumou a trocar de um ambiente de venda para o outro, inclusive integrando canais digitais e físico, e se tornou mais exigente. Busca empresas que tenham propósito e resolvam o seu problema e não quer uma marca que apenas venda produtos. Para se relacionar com este novo perfil de cliente, é preciso usar a tecnologia para se comunicar de maneira mais direta, mais personalizada, conhecendo suas preferências para oferecer exatamente o que ele quer. Onde quer que ele esteja. “Não é mais o consumidor que vai até a loja, é a loja que vai até o consumidor. E a tecnologia ajuda com essa aproximação”, diz Elia Chatah, Líder da Vertical de Varejo da SAP Brasil.
Nesta entrevista ao Experience Club, Chatah fala sobre como a computação em nuvem pode ajudar o varejo a captar, processar e compreender os dados que ajudam a se relacionar com este novo consumidor. Ele diz ainda que a tecnologia é apenas um meio e que o que importa, cada vez mais, é a interação humana entre as marcas e os consumidores.
A pandemia acelerou a transformação digital das empresas no ano passado. E o varejo é um dos mercados mais impactados por esse processo. Com operações mais complexas e multifacetadas, como o setor pode fazer sua migração para o digital de uma maneira estruturada e eficaz?
Elia Chatah – A pandemia acabou acelerando muito essa transformação digital. Eu comparo com a corrida de Fórmula 1: quando tem um acidente na corrida, entra um safety car e todo mundo fica junto. O que a pandemia trouxe, para o varejo especificamente, é que todas as empresas ficaram no mesmo nível, de uma hora para outra. A tecnologia serviu para aproximar o consumidor da marca.
Na migração para o mundo digital, eu vejo seis pontos principais. O primeiro é definir o modelo de negócio: se é internet, loja física ou juntando os dois. O segundo é entender como a concorrência se comporta. Temos que aprender com os erros dos outros, não com os próprios.
O terceiro ponto é avaliar o perfil e o comportamento dos seus clientes. A pandemia trouxe a necessidade de se aproximar cada vez mais dos clientes. O quarto é um planejamento de marketing digital. Não adianta só entrar nos canais digitais, é preciso conversar com o consumidor de uma maneira também digital. O quinto ponto, também fundamental, é a logística. Hoje o consumidor quer comprar de manhã e ter o produto à tarde em casa. Logística vencedora é fundamental. E, por último, definir metas e fazer o acompanhamento dos resultados. São essas as principais etapas para uma migração estruturada e eficaz.
Quais os cuidados e as orientações que as empresas varejistas devem ter durante esse processo de digitalização? Como elas podem incorporar equipamentos e sistemas já existentes a esse processo?
Elia Chatah – Primeiramente a orientação é não fazer tudo de uma vez. É importantíssimo analisar as operações que podem ser digitalizadas e que de fato vão trazer benefícios para o consumidor final. É importantíssimo que a empresa tenha uma cultura, uma mentalidade digital. Sem dúvida nenhuma tem que ser top down. Essa mentalidade precisa estar lá no board, nos executivos da empresa, para que ela desça todos os níveis de maneira consistente. E quando a gente fala de incorporar sistemas e processos já existentes, a gente fala de computação em nuvem, cloud, que é onde a SAP está investindo muito fortemente. Dessa maneira, fica muito mais simples incorporar processos já existentes, novos processos, integração com outros sistemas ou com sistemas legados. Mas todo esse processo de digitalização tem que visar o seu consumidor final, o seu cliente. Lembrando que esse consumidor já é digital. É importante esse casamento de estratégias: o que o consumidor espera e o que você consegue ofertar para este consumidor.
A migração para a nuvem foi justamente uma das mudanças aceleradas no período. Como funciona e quais os benefícios do ERP em nuvem?
Elia Chatah – A migração para a nuvem deixa os sistemas mais acessíveis, principalmente para pequenas e médias empresas. Ela ajuda a democratizar o ERP.
SAP fez uma oferta para facilitar a migração para a nuvem:
E isso vale para qualquer tamanho de empresa?
Elia Chatah – Qualquer tamanho. Quando a gente fala de um software como um serviço, em nuvem, estamos falando de simplicidade e acesso fácil. Todos os custos de TCO, (Total Cost of Ownership) o custo total da propriedade, que são máquinas, especialistas, servidores, toda a infraestrutura necessária para o ERP, vai para a nuvem, fica sob a responsabilidade do provedor. Atualizações também já estão incluídas. A SAP também traz para o varejo processos pré-formatados, que ajudam bastante essas empresas a incorporar as melhores práticas do mercado.
Com a evolução para a nuvem, qual é o futuro do ERP? Que transformações na gestão das empresas também impactam no desenvolvimento dessas soluções?
Elia Chatah – O futuro do ERP em nuvem é incorporar cada vez mais tecnologias inteligentes. Tecnologias exponenciais, como Machine Learning, Inteligência Artificial, Internet das Coisas. A computação em nuvem é essencial para apoiar o crescimento dessas empresas. E também garantir a segurança de dados, que é essencial, e a adequação à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Além dessas tecnologias que você mencionou, também temos, no caso do varejo, o shopstreaming. De que maneira essas tecnologias podem transformar a relação entre os varejistas e os clientes?
Elia Chatah – O shopstreaming foi bastante disseminado na China, onde o consumidor está assistindo a vídeos em canais digitais como Facebook, YouTube, Twitter e interagindo com a marca no momento em que alguém está mostrando um produto, seja num filme ou numa novela. Vamos ver cada vez mais isso. Eu vejo o shopstreaming como uma repaginação do televendas.
Não é novo para o consumidor fazer compra online. Temos isso desde a década de 1970. O grande desafio é a linguagem. Entender o que o consumidor quer integrando o conteúdo e o entretenimento na venda. Temos cada vez mais influenciadores digitais dando dicas, ofertas. Eu vejo que as marcas estão se movendo, e tem que se mover, para onde o consumidor está. Não é mais o consumidor que vai até a loja, é a loja que vai até o consumidor. E a tecnologia ajuda com essa aproximação. Nesse novo modelo de negócio, é necessário construir novas campanhas, campanhas diferentes para consumidores diferentes. Não existe mais aquela massificação de ofertas. O que esse novo consumidor espera, cada vez mais, é personalização. E a tecnologia ajuda com isso. Utilizar uma massa de dados para entender o comportamento, a jornada de compras desse consumidor, para fazer ofertas de produtos e serviços personalizados.
Essa transformação digital também chegou ao consumidor. No ano passado muitas pessoas fizeram sua primeira compra online e muitos mudaram de vez sua forma de consumir. O que as empresas do varejo precisam fazer para se preparar para este novo consumidor? De que forma as soluções na nuvem podem apoiar esse processo?
Elia Chatah – O processo de decisão de compra do consumidor é bastante complexo e pode levar algum tempo. É importante contar com a maior quantidade de dados possível, com a melhor organização de informações e relatórios possível. Temos aí o conceito de data lake. No passado o varejo usava muitos dados transacionais, quantidade de vendas, tíquete médio, mas hoje é fundamental também entender o que ele está falando nas redes sociais. São dados estruturados, junto com dados não estruturados, que são fotos, filmes, likes, para uma maior acuracidade nessa previsão da jornada do consumidor. E a omnicanalidade no varejo entra como uma estratégia de vendas fundamental. O consumidor não se relaciona mais com canais de venda. Ele se relaciona principalmente com marcas. E aí entra um fator fundamental que é o propósito da marca. Esse novo consumidor, pós-pandemia, vai ser cada vez mais exigente. Seja no trato e limpeza da loja, seja no relacionamento que você cria quando promete a entrega do produto numa determinada data e tem que cumprir, ou no relacionamento da empresa com o ecossistema, com energia renovável, devolução e descarte de resíduo e embalagem. Cada vez mais esse consumidor pós-pandemia vai analisar tudo isso para definir a sua compra.
Quais transformações provocadas pela pandemia devem ser incorporadas definitivamente pelas empresas, especialmente em relação ao uso das novas tecnologias. O que deve ficar?
Elia Chatah – A tecnologia tem que ser transparente e simples para o consumidor. E ela tem que fazer parte do DNA do varejo. É isso que vai ficar. A própria computação em nuvem, o CRM que vai entender melhor o consumidor e se relacionar com ele, a tecnologia para fazer a rastreabilidade não somente de produto, mas de toda a cadeia, a Inteligência Artificial que vai ajudar a entender esse consumidor. O varejo pós-pandemia vai ser cada vez mais tecnológico, mas ao mesmo tempo precisará ter cada vez mais humanidade. A tecnologia tem que ser aplicada para entender melhor os consumidores e principalmente para aproximar o varejo dos seus clientes. A tecnologia é um meio, e não um fim. Sem as pessoas a gente não muda nada.
O que o novo consumidor busca numa loja física:
O uso da tecnologia permite ampliar o contato humano?
Elia Chatah – Exato. A tecnologia ajuda a tirar tudo o que é repetitivo e a liberar o humano para fazer coisas que realmente vão trazer valor para o negócio e fazer a aproximação entre o consumidor e o negócio de maneira que esse propósito seja percebido por ele.
E olhando para este período de pandemia, pensando em todos os desafios enfrentados até aqui, quais os maiores aprendizados para o setor do varejo?
Elia Chatah – Uma das mais importante lições ou aprendizados da pandemia é que existem alternativas. O varejo, antes da pandemia, às vezes só enxergava um canal de vendas. Surgiram outros, como o WhatsApp. Outra coisa foi o trabalho remoto, que além de evitar a contaminação traz produtividade e aumento do resultado. Também vimos muitas empresas assumindo trabalho voluntário, programas de auxílio social. E tudo tem que estar conectado com o propósito. O varejo precisa ter um propósito. A tecnologia ajuda. Mas é um meio, não é um fim. O cliente, quando vai buscar um produto, ele não quer um produto, mas uma solução para um problema. Se ele não encontrar essa solução combinada com o propósito da marca, ele vai escolher outra marca.
Texto: Denize Bacoccina