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O jogo infinito

O jogo infinito

Ideias centrais:  

1 – Para sermos bem-sucedidos no jogo infinito dos negócios, temos que parar de pensar em quem vence ou em quem é melhor e começar a pensar sobre como montar empresas que sejam fortes e saudáveis para permanecer no jogo por muitas gerações. 

2 – Uma causa justa é o contexto para todos os nossos outros objetivos, grandes ou pequenos, e todas as nossas realizações finitas têm que ajudar a levara adiante a causa justa. 

3 – Foi apenas após o artigo de Milton Friedman em 1970 que executivos e diretores começaram a se ver como responsáveis por seus “donos”, os acionistas, e não como servidores de uma causa maior, mas excessivamente focados nos ganhos em prazos cada vez mais curtos. 

4 – Pessoas que trabalham juntas não formam necessariamente uma equipe de confiança. Confiança é um sentimento. Para desenvolver um sentimento de segurança, primeiro precisamos nos sentir seguros para nos expressar, para mostrar nossas vulnerabilidades. 

5 – A verdadeira coragem para liderar sustenta a companhia e suas lideranças num padrão mais alto do que simplesmente o de agir nos limites da lei. Apenas quando a organização opera um padrão mais elevado do que o das leis federais, estaduais e municipais é que podemos dizer que ela tem integridade. 

Sobre o autor: 

Simon Sinek tornou-se conhecido mundialmente ao popularizar o conceito do porquê em sua primeira TED Talk, com mais de 48 milhões de visualizações. Simon é autor de Juntos somos melhores e Comece pelo porquê, e coautor de Encontre seu porquê

Introdução 

Apesar de todos os seus benefícios, atuar com uma visão infinita, de longo prazo, não é fácil. Exige um esforço real. Como seres humanos, somos naturalmente inclinados a buscar soluções imediatas para problemas incômodos e a priorizar vitórias rápidas para satisfazer nossas ambições. Tendemos a ver o mundo em termos de sucesso ou fracasso, vencedores ou perdedores. Este modelo padrão de perde-ganha talvez até funcione no curto prazo. Mas, como estratégia para gerenciar empresas e organizações, pode ter severas consequências a longo prazo. 

Temos o pleno poder de construir um mundo no qual a ampla maioria de nós possa acordar a cada manhã inspirada, sentir-se segura no trabalho e voltar para casa realizada no final do dia. O tipo de mudança que estou defendendo não é fácil. Mas é possível. Com bons líderes – grandes líderes -, essa visão pode ganhar vida. Grandes líderes são aqueles que pensam além do antagonismo entre “curto prazo” e “longo prazo”. São aqueles que sabem que não se trata do próximo trimestre ou da próxima eleição; trata-se da próxima geração. Grandes líderes preparam suas organizações para terem sucesso, mesmo após sua morte, e, quando fazem isso, os benefícios – para nós, para os negócios e até para os acionistas – são extraordinários.

Capítulo 1 – Jogos finitos e infinitos 

Se existirem pelo menos dois jogadores, existe um jogo. E há dois tipos de jogo: os finitos e os infinitos. Jogos finitos são disputados por jogadores desconhecidos. Eles têm regras fixas e um objetivo de comum acordo que, ao ser alcançado, encerra o jogo. O futebol, por exemplo, é um jogo finito. Todos os jogadores usam uniformes e são facilmente identificados. Há um conjunto de regras, e lá estão os juízes para fazer com que tais regras sejam respeitadas. Todos os jogadores concordam em seguir as mesmas regras e aceitam penalidades, caso as transgridam. Em jogos finitos, há sempre início, meio e fim. 

Já os jogos infinitos têm jogadores conhecidos e desconhecidos. Não existem regras precisas ou acordadas. Embora possa haver convenções ou leis que regulem como os jogadores vão se comportar, dentro desses limites amplos eles podem agir como bem entenderem. E, se decidirem romper com as convenções, sem problema. Cabe totalmente a cada jogador decidir como vai jogar. Além disso, a maneira como o jogo é desenvolvido pode mudar a qualquer momento, por qualquer motivo. 

O jogo dos negócios se enquadra na definição de um jogo infinito. Não conhecemos todos os jogadores, e novos jogadores podem entrar no jogo a qualquer momento.

Todos os jogadores estabelecem as próprias estratégias e táticas, e não há um conjunto de regras fixas com as quais todos concordaram, a não ser a lei (e mesmo esta pode variar de acordo com o país). Diferentemente de um jogo finito, não há um momento predeterminado para o início, o meio ou o fim dos negócios. 

O jogo finito termina quando o tempo se esgota e os jogadores sobrevivem para jogar outro dia (a menos que seja um duelo, é claro). Num jogo infinito, é o contrário. É o jogo que continua vivo enquanto o tempo acaba para os jogadores, que simplesmente saem de cena quando ficam sem vontade ou sem recursos para continuar. No mundo dos negócios, chamamos isso de falência ou, às vezes, de fusão ou aquisição. Para sermos bem-sucedidos no jogo infinito dos negócios, temos que parar de pensar em quem vence ou em quem é melhor e começar a pensar sobre como montar empresas que sejam fortes e saudáveis para permanecer no jogo por muitas gerações. Os benefícios dessa postura, ironicamente, acabam tornando as empresas mais fortes também no curto prazo.

Durante os tempos de calmaria, a Victorinox acumulou um bom fundo de reserva de caixa, sabendo que em algum momento tempos difíceis chegariam, como o 11 de setembro de 2001. A Victorinox é hoje uma empresa diferente e mais forte do que era antes do 11 de setembro. Canivetes e facas representavam 95% das vendas totais da companhia (só os canivetes suíços respondiam por 80%). Hoje, os canivetes suíços representam apenas 35% da receita total, mas a venda de equipamentos de viagem, relógios e perfumes ajudou a Victorinox a duplicar a sua receita desde o 11 de Setembro. A Victorinox não é uma empresa estável, é uma empresa resiliente. 

Capítulo 2 – Causa justa 

Tendo adquirido uma reputação sólida (e uma coleção de sementes ainda maior), em 1920 Nikolai Vavilov se tornou o chefe do Departamento de Botânica Aplicada da Universidade de Leningrado. Com ajuda financeira do governo, ele conseguiu reunir uma equipe de cientistas para que se juntassem a seu trabalho e o ajudassem a levar adiante sua causa. Quando chegou à instituição, Vavilov escreveu: “Eu gostaria que o departamento fosse uma instituição necessária, útil para todos. Gostaria de reunir a maior coleção de plantas cultiváveis do mundo inteiro, [organizá-la e] transformar o Departamento num tesouro de todas as safras e de outras floras”. E, como bom visionário com mente infinita, ele concluiu: “O resultado é incerto. […] Mas ainda assim quero tentar.”

Em dois anos, no entanto, as coisas mudaram. Josef Stalin tinha chegado ao poder e ninguém estava seguro. Nem mesmo o altamente respeitado Vavilov. Stalin é tido como responsável pela morte de mais de 20 milhões de pessoas de seu próprio povo no curso de seu governo, que foi de 1922 até sua morte, em 1953. E, infelizmente, o cientista que tinha dedicado sua vida a ajudar seu país acabou sendo um dos alvos políticos de Stalin. Preso em 1940, sob a acusação forjada de espionagem, Vavilov foi submetido a mais de quatrocentas sessões de um interrogatório brutal. Em 1943, com apenas 55 anos, o botânico e geneticista visionário que tinha dedicado toda a sua vida ao fim da fome, morreu na prisão, de inanição.

Os cientistas que levaram adiante o trabalho de Vavilov durante o cerco [dos alemães] se sentiam parte de algo maior do que eles mesmos. Essa causa justa, “uma missão em prol de toda a humanidade”, como acreditava Vavilov, deu a seu trabalho e a suas vidas um propósito e um significado que estava além de qualquer indivíduo, ou das lutas muito reais que enfrentaram durante o cerco. Se tivessem se alimentado, ou mesmo alimentado as massas de famintos, isso teria sido uma solução finita para um problema finito.

Quando jogamos um jogo finito, jogamos para ganhar. Mesmo quando o que se espera é apenas jogar bem e se divertir, ninguém joga para perder. A motivação para jogar um jogo infinito é completamente diferente – o objetivo não é ganhar, mas continuar jogando. É levar adiante algo maior que nós mesmos e nossa empresa. E qualquer líder que deseje liderar no jogo infinito tem que ter uma causa justa bem clara. 

Capítulo 3 – Causa verdadeira ou falsa? 

Se as palavras de uma causa justa forem usadas apenas para incrementar a imagem de uma marca, para atrair funcionários empolgados ou para ajudar a alcançar algum objetivo a curto prazo, como uma compra, um voto ou apoio à empresa, o impacto quase com certeza terá vida curta. Assim que começarmos a trabalhar numa organização ou a interagir com seu pessoal, rapidamente vamos descobrir se estão nos apresentando uma causa justa em que verdadeiramente acreditam ou se consiste em apenas palavras vazias.

À pergunta à qual uma causa justa tem que responder é: qual é a visão infinita e duradoura que um moonshot [empreendimento arriscado, radical] vai ajudar a levar adiante? Uma causa justa é o contexto para todos os nossos outros objetivos, grandes e pequenos, e todas as nossas realizações finitas têm que ajudar a levar adiante a causa justa. De fato, se ficarmos demasiadamente preocupados com um objetivo finito, não importa quão inspirador ele seja, estaremos abertos a tomar decisões que podem ser boas para o finito, mas poderão prejudicar o infinito.

Quando uma declaração de visão ou missão está ancorada ao produto, isso pode ter efeitos adversos na cultura corporativa. Pois, quando empresas colocam seus produtos acima de qualquer outra coisa, o que é bem comum em startups de tecnologia ou engenharia, isso deixa os que não são engenheiros ou designers de produto como (e às vezes tratados como) funcionários de segunda classe em suas empresas.

Uma organização estará melhor servida se fizer cada um, inclusive quem trabalha em contabilidade, apoio ou serviços ao cliente, por exemplo, sentir que não está lá somente para atender às necessidades de engenheiros ou de equipes de desenvolvimento de produto.

Eles também querem sentir que são membros valiosos da equipe, trabalhando juntos para algo maior do que o produto ou eles mesmos. 

Capítulo 4 – Guardião da causa 

As palavras de Mike Duke quando aceitou o cargo [CEO da Walmart], revelam o tipo de mentalidade com a qual ele iria exercer a sua liderança: “Nossa estratégia é robusta e nossa equipe de gerenciamento extremamente capaz. Estou confiante que continuaremos a proporcionar ganhos a nossos acionistas, aumentar a oportunidades para nossos mais de dois milhões de associados e ajudar nossos 180 milhões de clientes em todo o mundo a economizar e viver melhor.”

Notou a ordem? O primeiro pensamento de Duke foi para o crescimento na participação nos mercados e nos retornos. Embora ele fale em ser relevante para os clientes, só parece dar valor a eles no fim da declaração. Essa é uma estranha peculiaridade da natureza humana. A ordem em que uma pessoa apresenta as informações costuma revelar sua verdadeira prioridade e o foco de sua estratégia. Sam Walton começou com os interesses das pessoas. Mike começou com os de Wall Street. 

A ausência de um padrão claro para o papel e as responsabilidades de um CEO nas empresas é um dos motivos pelos quais encontramos demasiados líderes jogando o jogo finito quando deveriam pelo menos estar pensando no jogo infinito. Em muitos casos, o fato é que seu título não os preparou adequadamente para o emprego que têm. A palavra “executivo” não nos diz pelo que um CEO é responsável. 

Líderes no jogo infinito estarão melhor equipados para cumprir com suas responsabilidades se compreenderem que estão atuando no papel de um executivo-chefe de visão, ou CVO (Chief Vision Officer). Essa é a principal função de quem está na linha de frente. É o defensor, comunicador e protetor da visão. Sua tarefa é assegurar que todos compreendam claramente qual é a causa justa e que todos os outros executivos dirijam seus esforços no sentido de fazer essa causa avançar dentro da organização. Não é que um líder de mentalidade infinita esteja totalmente despreocupado em relação aos interesses finitos da empresa. Na verdade, como guardião da causa, assume a responsabilidade por decidir quando os custos finitos de curto prazo são aceitáveis para fazer avançar a visão infinita. 

Capítulo 5 – A responsabilidade nos negócios (revista) 

Se a história ou a linguagem peculiar dos filósofos do século XVIII não forem a sua praia, é só ver como o capitalismo mudou depois que a ideia da supremacia do acionista prevaleceu – o que só aconteceu nas últimas décadas do século XX. E antes da introdução da teoria da primazia do acionista, a maneira como os negócios operavam nos Estados Unidos parecia muito diferente. “Em meados do século XX”, disse Lynn Stout, professora de direito corporativo em Cornell, na série documental Explained, “a corporação pública [entende-se empresa de capital aberto] americana estava demonstrando ser uma das mais eficazes e poderosas organizações benéficas no mundo”. Empresas daquela época permitiam a americanos de classe média, não apenas aos mais abastados, participar em oportunidades de investimento e usufruir de bons resultados. 

Foi apenas após o artigo de Milton Friedman em 1970 que executivos e diretores começaram a se ver como responsáveis por seus “donos”, os acionistas, e não servidores de uma causa maior. Quanto mais essa ideia se arraigava nas décadas de 1980 e 1990, mais as estruturas de incentivo em companhias de capital aberto e nos bancos tornavam-se excessivamente focadas em ganhos em prazos cada vez mais curtos, beneficiando cada vez menos pessoas. 

Quando condicionamos pacotes de remuneração ao preço das ações, isso promove práticas como fechamento de fábricas, salários baixos, implementar corte de custos extremado e realizar ciclos anuais de demissões em massa – táticas que podem impulsionar os preços das ações no curto prazo, mas frequentemente prejudicam a capacidade de uma empresa de prosperar no jogo infinito. Recompras de ações são outra prática legítima que tem sido abusada por executivos de empresas que buscam forçar o preço das ações para cima. Ao recomprar as próprias ações, com base na lei da oferta e da procura, eles aumentam temporariamente a demanda, o que temporariamente eleva o preço (e temporariamente faz os executivos parecerem bons no seu trabalho). 

Não vou desperdiçar nosso tempo trazendo um já desgastado argumento sobre o impacto a longo prazo do que aconteceu nos Estados Unidos e na economia global quando executivos se curvaram a essas pressões. Basta chamar a atenção para a crise econômica de 2008, o estresse e a insegurança cada vez maiores que muitos de nós sentimos no trabalho, e uma sensação dilacerante de que um grande número de nossos líderes se preocupa mais com eles mesmos do que com a gente. Essa é a grande ironia. Os defensores do capitalismo de mentalidade finita agem de um modo que na verdade põe em perigo a sobrevivência das mesmas empresas das quais querem obter lucro. É como se tivessem decidido que a melhor estratégia para colher mais cerejas é derrubar a cerejeira. 

Capítulo 6 – Vontade e recursos 

Em qualquer jogo, sempre são necessárias duas moedas para se jogar: vontade e recursos. Recursos são tangíveis e facilmente mensuráveis. Quando falamos de recursos, normalmente queremos dizer dinheiro. Dependendo das preferências de uma organização ou dos padrões vigentes no dia, esses recursos podem ser contados de várias maneiras – receitas, lucro, EBITDA, EPS, fluxo de caixa, capital de risco, capital privado, preço da ações, etc. 

Vontade, no entanto, é intangível e mais difícil de ser mensurada. A vontade são os sentimentos que as pessoas têm quando vão para o trabalho. Vontade abrange moral, motivação, inspiração, comprometimento, desejo de se engajar e de oferecer um esforço incondicional, e assim por diante. Ela geralmente vem de fontes internas, como a qualidade de liderança e a clareza e a força da causa justa. A vontade representa a soma de todos os elementos humanos que contribuem para a saúde de uma organização. 

Lideres de mentalidade infinita, em comparação, trabalham para enxergar além das pressões financeiras dos dias de hoje e para priorizar as pessoas em vez do lucro sempre que possível.

Em tempos difíceis, é menos provável que vejam seu pessoal apenas como mais uma despesa a ser cortada e estarão mais dispostos a explorar outras maneiras de economizar dinheiro, mesmo se os resultados demorarem mais a chegar. O líder de mentalidade infinita prefere dar férias coletivas em vez de usar demissões como meio de gerenciar recursos; por exemplo, solicitando que cada funcionário tire duas ou três semanas de licença não remunerada. Embora se esteja pedindo às pessoas que sacrifiquem uma parcela de seu salário, todos manterão seu emprego. 

A The Container Store sempre se orgulhou de ser uma empresa de primeira classe para seus funcionários. Assim quando veio a recessão, recusou-se a adotar a estratégia mais comum de demitir seus funcionários. Mas tinham que fazer alguma coisa. Quando apresentou o plano de congelar os salários e o custeio do plano de aposentadoria por tempo indeterminado, a liderança tinha certeza de qual seria a resposta. Eles esperavam que seu pessoal fosse compreensivo e concordasse que seria melhor que todos compartilhassem as dificuldades do que pedir a poucos que sofressem o ônus. O que efetivamente aconteceu os surpreendeu e satisfez acima de suas expectativas: as pessoas não só aceitaram o congelamento da remuneração como assumiram elas mesmas a tarefa de buscar maneiras adicionais de economizar dinheiro, como, por exemplo, baixando o nível dos hotéis em que se hospedavam.  

Capítulo 7 – Equipes de confiança 

A Shell URSA teria uma altura equivalente a 48 andares e seria capaz de perfurar mais fundo do que qualquer outra plataforma no mundo, mais de mil metros abaixo da superfície do oceano. Na época, 1997, custou US$ 1,45 bilhão para ser construída (equivalente a US$ 5,35 bilhões hoje em dia). Considerando que sua operação seria massiva e dispendiosa, ela apresentava um tipo de desafio e perigo, por isso a Shell queria que tudo fosse feito corretamente. Foi por essa razão que escolheu Rick Fox para liderar a equipe. 

Fox era um cara durão. De pulso firme e confiante. Não suportava fraqueza. E achava que tinha todo o direito de ser assim. Aquele era um dos trabalhos mais perigosos do mundo. A segurança era sua preocupação número um… isso e assegurar que a URSA operasse na capacidade máxima, extraindo do oceano a maior quantidade de barris de petróleo de que fosse capaz. Em Nova Orleans, morava uma mulher clamada Claire Nuer. Sobrevivente do Holocausto, Nuer ofereceu consultoria de liderança a Rick Fox. Nuer, depois de ouvir de Fox toda a complexidade da operação da plataforma, fez uma proposta bastante incomum. Se Fox realmente queria que sua equipe tivesse segurança e fosse bem-sucedida diante dos novos desafios, todos teriam que aprender a expressar seus sentimentos. Fox tinha problemas com o filho e, indo ambos a Califórnia, aceitou um espaço seguro para se expressarem um em relação ao outro. Isso resultou numa sensível melhora de sentimentos mútuos. Satisfeito com a experiência, Fox contratou a californiana para testar suas teorias com a calejada tripulação de perfuradores de petróleo da Louisiana. Dia após dia, durante horas, membros da tripulação da URSA sentavam-se em círculos e falavam de suas infâncias e seus relacionamentos. Suas memórias felizes e não felizes…  Ao longo de um ano, Rick Fox, com a orientação de Claire Nuer, montou para a Shell URSA uma equipe cujos membros se sentiam psicologicamente seguros em relação uns aos outros. 

Existe uma diferença entre um grupo de pessoas que trabalham juntas e um grupo de pessoas que confiam umas nas outras.

Num grupo de pessoas que simplesmente trabalham juntas, os relacionamentos são na maioria das vezes transacionais, com base na vontade mútua de fazer o que for necessário. Isso não nos impede de gostar das pessoas com as quais trabalhamos ou até mesmo de gostar do nosso trabalho. Mas não se traduz em uma equipe de confiança. Confiança é um sentimento. Para desenvolver um sentimento de segurança, primeiro precisamos nos sentir seguros para nos expressar. Temos que nos sentir seguros ao nos mostrarmos vulneráveis. Quando trabalhamos numa equipe de confiança, sentimo-nos seguros para expressar nossa vulnerabilidade. 

A Shell URSA obteve um dos maiores recordes de segurança na indústria. E, quando as técnicas de construção de confiança de Nuer se disseminaram pela companhia, isso contribuiu para um declínio de 84% nos acidente em toda a empresa. 

Capítulo 8 – O declínio ético 

Desde meados de 2011 até meados de 2016, funcionários do banco Wells Fargo abriram mais de 3,5 milhões de contas bancárias falsas. Como relatou o The New York Times em 2016: “Alguns clientes notaram o engodo quando receberam cobranças de taxas indevidas, cartões de crédito ou débito que não tinham solicitado ou começaram a ser cobrados por dívidas em contas que não sabiam que existiam. Mas a maioria das contas passava despercebida, pois os funcionários rotineiramente as fechavam, pouco depois de abri-las”. 

Apesar de lapsos éticos poderem ocorrer em qualquer lugar, organizações conduzidas com uma mentalidade finita são especialmente suscetíveis ao declínio ético. Como já mencionei em capítulos anteriores, culturas com foco excessivo em alcançar metas financeiras trimestrais ou anuais podem exercer pressão intensa para que as pessoas tomem atalhos, burlem regras e tomem outras decisões questionáveis para poder atingir os objetivos que foram estabelecidos para elas. Infelizmente, os que se comportam de forma dúbia, mas alcançam os seus objetivos são recompensados, o que envia uma mensagem clara quanto às prioridades da organização. 

O declínio ético não é um evento. Não é algo que chega de repente, como se acionado por um interruptor. É mais como uma infecção, que piora com o tempo. As investigações sobre o escândalo do Wells Fargo descobriram um relatório interno de uma década antes da irrupção do escândalo, revelando que as condições tóxicas da organização e provas de comportamento antiético já tinham sido identificadas. O relatório original concluiu que havia um “incentivo ao ato de ludibriar baseado no medo de perder o emprego”. Apesar de as conclusões do relatório terem sido enviadas ao auditor-chefe do banco e aos representantes do RH, entre outros, a liderança manteve-se omissa. 

“Se não gostam do produto”, diz o conceito, “não são obrigados a comprá-lo”. Essa é a resposta invocada por executivos quando questionados quanto à sua responsabilidade pelos efeitos negativos de seus produtos. Embora a escolha do consumidor seja realmente um fator, isso não pode remover, e de fato não remove, completamente uma organização da cadeia da causação. Sim, o fumante é responsável pelo dano que o ato de fumar traz à sua saúde, mas os fabricantes de cigarro ainda fazem parte dessa corrente. 

Capítulo 9 – Rivais dignos 

Para qualquer pessoa que tenha passado algum tempo assistindo ou praticando esportes, é familiar a noção de uma competição finita, na qual um jogador vence o outro ou conquista um título ou um prêmio. De fato, para a maioria de nós, isso está tão entranhado em nossa maneira de pensar que automaticamente adotamos uma atitude de “nós” contra “eles” sempre que há outros jogadores em campo, independentemente da natureza do jogo. No entanto, se somos jogadores num jogo infinito, temos que parar de pensar nos outros jogadores como competidores a serem derrotados e começar a encará-los como rivais dignos que podem ajudar a nos tornarmos jogadores melhores. 

O impacto dessa sutil mudança de mentalidade pode ser profundo no modo como tomamos decisões e priorizamos recursos. Uma competição tradicional nos obriga a assumir uma atitude que busca a vitória. Um rival digno nos inspira a assumir uma atitude de aprimoramento. No primeiro caso, a atenção é focada no resultado; no segundo, no processo. Essa simples mudança de perspectiva altera imediatamente o modo como vemos nossos negócios. É o foco no processo e no aprimoramento constante que ajuda a revelar novas aptidões e a aumentar a resiliência. Um foco excessivo em vencer a competição não só acaba se exaurindo com o tempo como pode atrapalhar a inovação.

Como Alan Mulally [Ford] considerava os outros fabricantes rivais dignos, ele na verdade endossou o financiamento [pelo governo americano]. Sabia que a permanência deles no mercado só ajudaria a fazer da Ford uma empresa melhor. Sabia também que os rivais da Ford eram parte de um ecossistema maior. Se fossem à falência, muitos de seus fornecedores também iriam, o que poderia destruir a Ford. Assim, Mulally criou planos para ajudar muitos dos fornecedores a enfrentar a crise econômica. Infelizmente, os líderes das falidas GM e Chrysler, ainda operando com mentalidade finita, rejeitaram a proposta da Ford de trabalharem juntas para o bem da indústria. No entanto, Honda, Toyota e Nissan trabalharam com a Ford para ajudar a manter na ativa os principais fornecedores, aqueles nos quais podia confiar. Os jogadores com mentalidade infinita compreenderam que a melhor opção para sua própria sobrevivência, e na verdade o objetivo principal de um líder infinito, é continuar no jogo.

Capítulo 10 – Flexibilidade existencial 

Insatisfeito com realizar apenas curtas-metragens destinados a fazer a plateia sorrir, Walt Disney se propôs a fazer filmes animados que fossem um substituto crível da realidade, que pudessem suscitar toda a gama das emoções humanas. E, em 1937, ele lançou o primeiríssimo longa-metragem animado: Branca de Neve e os sete anões. O filme não se parecia com nada que o mundo tivesse visto antes. Essa evolução do trabalho de Disney não resultou de uma experimentação só pela experimentação. Tampouco foi movida pelo desejo de ficar rico ou famoso. A cada passo, Disney estava levando adiante sua causa justa, convidando seu público a deixar para trás o estresse e as dificuldades da vida e a entrar no mundo mais idílico de sua criação. 

Felizmente, antes, na fazenda, Disney tinha descoberto o desenho, um hobby que lhe propiciou uma escapatória perfeita daquilo que ele percebia como as durezas da vida real. A partir daí, e pelo resto da vida, Disney usaria a sua arte e sua imaginação para oferecer aos outros a possibilidade de também escapar de suas circunstâncias atuais, de levá-los a um lugar no qual poderiam experimentar o tipo de alegria que ele lembrava ter vivido na infância, na pequena cidade de Marceline.  

A Walt Disney Productions tornou-se mais finita e menos visionária, e Disney convenceu-se de que o negócio não mais poderia servir como mecanismo para levar adiante sua causa justa. Apesar das frustrações, decidiu-se pela flexibilização existencial. Assim, ele deixou a empresa. Quinze anos após o lançamento original de Branca de Neve, Walt Disney foi embora para fazer algo novo, a Disneylândia, o lugar mais feliz da Terra. 

Flexibilidade existencial é a capacidade de instaurar uma ruptura extrema num modelo de negócio ou num percurso estratégico para fazer uma causa justa avançar com mais eficácia. 

É uma avaliação do imprevisível realizada por um jogador de mentalidade infinita que lhe permite fazer esse tipo de mudança. Enquanto um jogador de mentalidade finita tem medo das coisas que são novas ou disruptivas, o jogador de mentalidade infinita se rigozija com elas. 

Sem uma causa justa para guiá-los, os executivos da Kodak não tinham a visão ou a coragem para saber o que fazer para o sucesso de sua empresa no longo prazo. O máximo que podiam fazer era reagir ao mundo que os cercava. George Eastman inventou o mercado da fotografia popular. As pessoas que trabalhavam na Kodak foram pioneiras em quase todos os aspectos da indústria. Foi apenas sua mentalidade finita que fez com que a outrora grande companhia fosse derrubada pela tecnologia visionária que ela mesma inventou.

Capítulo 11 – A coragem para liderar 

Em fevereiro de 2014, a CVS Caremark anunciou que ia deixar de vender qualquer produto relacionado a cigarros em todas as suas 2.800 lojas. Era uma decisão que custaria à companhia US$ 2 bilhões por ano em receitas perdidas. Uma decisão que tinham optado por tomar, mesmo não havendo pressão competitiva para fazer isso. Não havia pressão popular. Não havia escândalo. Não havia uma campanha online que os forçasse a tomar essa decisão. Apenas e tão somente, houve quem internamente contestasse a venda de cigarros por uma companhia que tinha como causa justa: “Ajudar as pessoas em seu caminho para uma vida mais saudável”. 

A notícia foi bem recebida com esmagador apoio do público em geral. Mas Wall Street e seus gurus não ficaram nada satisfeitos. Comentaristas viram na decisão uma oportunidade para os concorrentes da CVS. Um consultor em vendas e marketing de Illinois ressaltou que a decisão se traduzia em setecentos maços por semana vendidos por outros varejistas. 

Quanto à receita perdida, outras empresas guiadas por um propósito, que anteriormente se recusavam a fazer negócios com a CVS, tiveram seu interesse despertado. Companhias como a Irwin Naturals e a New Hapter, fabricantes de vitaminas e suplementos cujos produtos estão disponíveis na Whole Foods e outras lojas de produtos naturais, finalmente concordaram que a CVS vendesse seus produtos em suas lojas.  

Antes de conhecer Mary [comissária da America West], evitar o colapso era uma questão gerencial para Doug Parker: conceber números que mantivessem a empresa. Tratava-se apenas de gerenciar recursos. Depois de conhecer Mary, que sempre lutara heroicamente pela sobrevivência da empresa, tornou-se uma missão de caráter pessoal, e também uma questão de vontade. “Esse comprometimento com um propósito maior que nós mesmos nos levou a realizar coisas que provavelmente não seríamos capazes de fazer se simplesmente trabalhássemos para nós mesmos”, explicou Parker. Com essa recém-descoberta paixão, o novo CEO e sua equipe lutaram para receber, e receberam, o empréstimo governamental que em seu voo para casa parecia impossível de obter. Buscando fortalecer mais a companhia e ter uma rede de rotas competitiva, Parker levou a America West a uma fusão com a Airways em 2005 e com a American Airlines em 2013. 

A coragem de ver o jogo infinito – ver o propósito do negócio como algo mais heroico do que simplesmente ganhar dinheiro, mesmo se isso for impopular entre os jogadores finitos que nos cercam é difícil. A verdadeira coragem para liderar sustenta a companhia e suas lideranças num padrão muito mais alto do que simplesmente o de agir dentro dos limites da lei. Apenas quando a organização opera num nível mais elevado do que o das leis federais, estaduais e municipais podemos dizer que ela tem integridade: firme adesão a um código de valores especialmente morais ou artísticos – incorruptibilidade. De fato, a perseguição de uma causa justa é um caminho de integridade. Significa que palavras e ações têm que estar alinhadas. 

Resenha: Rogério H. Jönck

Imagens: Reprodução e Unspash

Ficha técnica

Título: O jogo infinito 

Título original: The Infinite Game 

Autor: Simon Sinek 

Primeira edição: Sextante 

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