Há 15 anos no Brasil, o Google vem acompanhando de perto o processo de transformação e amadurecimento da cultura digital corporativa no país. A forte guinada em direção à computação em nuvem sofrida no mercado nos últimos meses ajudou a acelerar os planos de expansão do Google Cloud, diante de um aumento na demanda sem precedentes.
Na entrevista a seguir para o Experience Club, o head do Google Cloud Brasil, Marco Bravo, explica como a pandemia serviu para validar o modelo de desenvolvimento tecnológico agnóstico, voltado à aplicação em plataformas abertas à colaboração com os clientes e o ecossistema. No mercado de cloud, isso se traduz em um portfólio de soluções para qualquer modelo de nuvem e integração com sistemas legados, do usuário individual a grandes organizações.
Com o avanço acelerado da infraestrutura em nuvem, a companhia abre caminho para dar o próximo salto de mercado: potencializar o mindset digital e o uso intensivo de dados, inteligência artificial e machine learning na tomada de decisão de negócios pelos maiores clientes no país. Confira:
O confinamento global provocou uma grande procura por soluções em nuvem. Como o Google Cloud absorveu essa demanda?
Desde a sua fundação, está no DNA do Google trabalhar muito forte digitalmente. Esse momento acentuou a velocidade como as coisas aconteceram, na vida pessoal e corporativa. Tivemos que refletir sobre o que, de fato, é transformação digital e o que ela significa para os clientes: um meio para fazer as coisas mais rápido. Foi também um momento importante de validação da própria estratégia do Google, que está assentada em alguns pilares fundamentais. Um deles é a colaboração. Na hora em que todo mundo se viu confinado, as pessoas sentiram a necessidade de buscar novas formas de colaborar além dos métodos tradicionais que estavam acostumadas. Nós disponibilizamos todas as ferramentas para os clientes e houve uma resposta imediata. Agora, temos cerca de 3 milhões de novos usuários no Google Meet por dia e atendemos 3 bilhões de minutos de chamadas de vídeo diariamente.
Que outros reflexos foram sentidos na relação com os clientes?
Um aspecto muito interessante foi a procura por soluções de colaboração entre parceiros de negócios. Com isso, toda a política de tecnologias e APIs abertas reafirmou o nosso posicionamento de longa data de ser uma nuvem flexível e que permite a sinergia entre vários players, de acordo com o que for melhor para cada cliente. Isso é um ponto importante para enfrentar um momento como esse. A nossa estratégia se mostra muito preparada para atender ao cliente num cenário de volatilidade e incerteza. Isso ficou muito evidente, da forma que os clientes não podem mais se restringir a estratégias de longo prazo e precisam estar preparados para implementar mudanças e lançar produtos que atendam as necessidades dos seus públicos na velocidade que eles pedem. Os quick wins e os projetos com entregas de curta duração passaram a ser mais críticos do que nunca.
Essa procura por soluções em nuvem também acirrou a concorrência entre os grandes players. Considerando os diferentes formatos e camadas de soluções, como o Google Cloud está se posicionando como ator no mercado de transformação digital?
Transformação digital é o que o Google faz há 20 anos e desde a sua fundação procura ajudar as empresas nesse processo, principalmente nas áreas de sales e marketing. No Brasil, já são 15 anos de experiência com os maiores players e, com isso, conseguimos acompanhar de perto amadurecimento do mercado. O Google Cloud entra nessa equação como provedor de infraestrutura, de plataforma e de soluções em nuvem. O que estamos fazendo é ir além e ajudar a digitalizar outros processos internos da empresa, como logística e RH, oferecendo essa facilidade para que os clientes consigam se transformar de ponta a ponta. A gente acredita que a colaboração está no nosso DNA, ressaltando que a nossa diferenciação sempre foi suportar plataformas abertas, pois vemos que só assim se constrói colaboração de fato. E nesse cenário em que estamos vendo a explosão da nuvem pública de uma maneira geral é que também não existe essa questão de qual é a nuvem certa ou melhor.
Como avaliar o modelo mais adequado, então?
A nuvem certa é aquela que o cliente usa e a gente acredita que o principal objetivo é sempre obter a melhor composição para a necessidade dele naquele momento. É por esse motivo que nós temos investido muito nos últimos 18 meses para suportar nuvens híbridas e soluções para a plataforma do Google que também possam se aplicar em outras plataformas que eles [clientes] continuam usando.
Quais são as áreas principais de produtos e serviços que o Google Cloud dispõe no mercado brasileiro?
Hoje dividimos o nosso portfólio em quatro áreas principais. A primeira é modernização de infraestrutura: como ajudar o cliente a liberar os seus recursos internos – principalmente pessoas – e passar a sua estrutura de tecnologia para a nuvem pública, com todos benefícios de uma segurança reforçada. Além disso, proporcionar o uso sob demanda, com custos mais baixos e de maior granularidade. Ou seja, pagar exatamente por aquilo que você está de fato utilizando. Nessa área a gente trabalha muito forte com os nossos parceiros de negócios. E segurança nisso é fundamental. Nós acabamos de anunciar uma tecnologia chamada Computação Confidencial, com a qual você consegue processar o seu dado criptografado, o que é uma inovação importante, ressaltando que 100% da nuvem do Google já é criptografada. A segunda área importante é a modernização de aplicações, auxiliando o cliente a adaptar todos os processos de negócios a um mundo mais digital. Na primeira parte, quando você está indo para a nuvem, as pessoas já acham que isso é transformação digital, mas quando você começa a olhar para as aplicações, aí sim o seu negócio já começa a pensar no redesenho de processos de verdade. Aqui a gente vai desde a modernização de legados, de mainframes, até o lançamento da primeira solução do mercado que oferece a capacidade de o cliente operar num ambiente com aplicações que rodem em várias nuvens ao mesmo tempo e de maneira integrada ao seu ambiente interno.
Quais são as demais áreas?
A terceira área é a de dados: o Google hoje é reconhecido globalmente como a empresa que mais produz conteúdo e propriedade intelectual em machine learning e inteligência. Os carros-chefes que são muito reconhecidos no mercado são BigQuery, Looker e o Tensor Flow. E agora nós lançamos o BigQuery Omni, mais uma solução na qual você consegue usar a nossa tecnologia de processamento de grandes volumes de informação, mas acessando também dados que estão armazenados em outra nuvem pública. Dessa forma o cliente não precisa migrar toda a sua estrutura para a nuvem do Google e mantém a forma como trabalha hoje, já que forçar essas mudanças não faz parte da nossa filosofia. E a última área é a que todo mundo conhece bem, porque temos mais de 2 bilhões de usuários do Gmail. São as soluções de colaboração que configuramos dentro do G Suite. Essa foi a tecnologia que nós disponibilizamos com muito sucesso para os clientes na pandemia, fazendo conexões com mais de 250 usuários e lives com mais de 100 mil usuários simultâneos. Como eu gosto de brincar, é uma tecnologia que te liberta de uma das coisas mais chatas da relação com a tecnologia que é o botão “salvar”.
O pano de fundo dessa visão de infraestrutura escalável e sob demanda é a transformação digital dos modelos de negócios. Como a companhia enxerga essa agenda num contexto mais amplo? As empresas brasileiras estão preparadas para essa mudança?
As pessoas sempre quiseram e estão preparadas para isso, mas as empresas, eu acho que ainda estão na fase de preparação. Por outro lado, nós temos sentido um interesse muito grande em explorar mais isso e acho que estamos acelerando muito esse processo pelo uso massivo de decisões que estão sendo tomadas com base em dados.
[De acordo com Bravo, após anos investindo em coleta de dados, o mercado está num momento de virada protagonizado pela inteligência artificial e machine learning]:
Quais são os fundamentos da transformação digital na percepção do Google Cloud? Como construir esse processo nas organizações?
É a famosa jornada para a nuvem. Não existe uma receita única, evidentemente. E devemos reconhecer que são empresas, indústrias e realidades muito diferentes que foram postas à prova agora. Como me disse um cliente, as empresas vão sair reconfiguradas dessa pandemia. No cenário atual, a primeira discussão que os clientes vieram ter com a gente foi como reduzir custos. Nós então vamos ao seu portfólio de tecnologia e vemos como ele consegue entregar o que precisa com menor custo e ainda ter efeitos marginais, como mais simplicidade de operação. O segundo passo é olhar os processos de negócios e aí você pode ter ganhos significativos. É possível dar um salto quântico e mesmo reduções de custos da ordem de 50% ou mais. Já as decisões em dados, normalmente a gente tem usado muito no início dessa conversa para fazer um “funding” com cliente. Nós pedimos dois ou três problemas que podem ser resolvidos com dados e eu mostro na prática como eles podem ser resolvidos.
Como essas práticas impactam a gestão do negócio?
Esse é o terceiro ponto, que navega em paralelo: a transformação de mindset da organização para uma cultura mais digital. O G Suite e todo o arcabouço de ferramentas que está ao redor dele faz parte desse processo. A gente procura trabalhar próximo ao RH da empresa para extrair o melhor desse mindset de colaboração. No fim, essa jornada está muito conectada às nossas quatro áreas de negócios: infraestrutura, modernização de aplicações, dados e colaboração pessoa a pessoa. Acho que tem uma última área que a gente merece explorar e que está ficando mais evidente, que é a colaboração business to business. No Brasil, por exemplo, o Banco Central está fazendo um trabalho muito forte com APIs abertas. Isso não está acontecendo só no mercado financeiro, mas também no varejo também. No meio dessa crise, as grandes redes em semanas conseguiram agregar vários parceiros de negócios nos seus marketplaces. Com uma API rápida os pequenos varejistas conseguiram se agregar rápido no marketplace e, do outro lado, aumentaram a oferta dos grandes.
De que forma a nuvem pode apoiar também processos mais ágeis de inovação, teste e validação de produtos e serviços? O Google Cloud tem ferramentas específicas para isso?
Todos os clientes têm buscado a gente, perguntando como o Google funciona por dentro, o que é muito natural para a gente, porque sempre tivemos uma visão de padrão aberto. Se você olhar o Kubernete – que talvez seja o padrão dominante para quem quer usar a nuvem de maneira granular -, ele foi desenvolvido dentro do Google e publicado abertamente, tanto que todos os provedores hoje usam. De fato, o verdadeiro salto quântico ocorreu quando o Google conseguiu trazer para o dia a dia dos datacenters o Site Reliability Engineering (SRE). Esse modelo permite trazer para dentro da empresa o máximo das tecnologias de devops, que basicamente fazem a conexão da área de desenvolvimento com a de operações. Hoje, com o SRE, você faz isso de maneira planejada. Esse talvez seja o maior diferencial que nós temos conseguido passar para os nossos clientes, que muitas vezes usam outras nuvens públicas e que vêm até a gente para pedir a implementação de projetos SRE com qualidade. Evidentemente que as nossas tecnologias já trazem todos esses conceitos, a aplicação do SRE já é bem difundida, há vários livros publicados, e está disponível para o todo o mercado.
A base dessas mudanças está na cultura de dados para a tomada de decisões estratégicas. As organizações estão preparadas para isso? Como mudar mindset, sobretudo das lideranças?
A gente tem refletido muito a respeito dessa mudança de mindset na liderança e nesse choque que a pandemia trouxe para a gente. A primeira questão é como você faz a gestão de recursos remotos, sem estar com o olho no olho do seu funcionário no dia a dia. Para nós, esse é um momento de aprendizado também. Uma das coisas que é natural num ambiente de gestão remota é a liderança de pessoas com base em objetivos. Outra verdade é que a pandemia desbloqueou uma série de coisas que a gente já poderia fazer há muito tempo, mas havia empecilhos até de ordem psicológica para seguir adiante.
[Rapidamente, de acordo com Bravo, houve um nivelamento de expectativas que abriu a cabeça dos líderes para novas oportunidades e também contribuiu para reduzir o choque de gerações dentro do ambiente corporativo]:
De que forma o uso de machine learning e AI vai acelerar essa cultura de data analytics e que soluções o Google Cloud está oferecendo para o mercado?
As empresas estão começando a contratar mais serviços e estão extremamente curiosas. A máquina vai fazer e ajudar naquilo que o homem não é tão bom. É mais uma evolução, mas parece até um salto quântico, porque antes a AI era capaz de substituir atividades transacionais e agora ela consegue analisar grandes volumes de dados. Esse trabalho, para ser feito pelo homem, demandaria muita gente ou demoraria muito tempo. Mas eu gosto de reforçar: não há nada melhor do que um humano para certas tarefas, e nada melhor que uma máquina para outras. E os dois juntos sempre são a melhor combinação. Então, não adianta você ter a melhor solução de machine learning se não tiver a inteligência para extrair os dados da melhor maneira possível. Onde colocar os sensores, quais são as melhores fontes ou a frequência ideal para capturar a informação, isso a máquina não vai te dar. Isso é o gestor que tem que fazer.
As lideranças de TI estão conseguindo se adaptar a esse novo contexto e às tendências do mercado tecnologia?
Esse mindset do gestor em identificar quais são as oportunidades para solucionar um determinado problema, com inteligência e processamento massivo de dados, é algo que passa a ser um skill super importante no mundo dos negócios. E a gente tem mantido conversas muito interessantes em todos os segmentos de clientes nesse sentido. Existem tecnologias como o 5G, que vão prover no futuro próximo um volume de dados enorme para as empresas – e o Brasil estará embarcando nessa onda nos próximos dois anos. Será a verdadeira habilitação da internet das coisas e com isso você vai ter mais oportunidade para resolver problemas com dados. Essa mudança envolve também outra questão importante: todos os dados não estarão necessariamente na nuvem. Parte ficará em equipamentos, nos dispositivos móveis do cliente, no sistema bancário, em outros datacenters e parte na nuvem. É por isso que precisamos pensar a nuvem com a visão do ambiente completo do cliente. Esses são movimentos que estão só começando.
Texto: Arnaldo Comin
Imagens: Reprodução