Desde o início deste mês, na final entre Brasil e Peru pela Copa América, o estádio do Maracanã está equipado com um sistema de videovigilância, que utiliza câmeras com tecnologia de reconhecimento facial junto de analytics. Isso significa, por exemplo, que é possível localizar veículos e pessoas com comportamentos suspeitos. A iniciativa faz parte de um projeto de monitoramento urbano bancado pela Oi, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Há planos de expansão do sistema, que deve chegar a outros pontos turísticos do estado em breve, segundo informou o governo do Rio de Janeiro.
Atualmente no Brasil temos sistemas que já utilizam reconhecimento facial em aeroportos e também no metrô de São Paulo, mas ainda há restrições em muitas localidades devido à infraestrutura empregada.
“Já existem diversas câmeras instaladas em muitas cidades brasileiras, mas pela baixa resolução, dada a obsolescência dos dispositivos, não é possível fazer o reconhecimento facial”. [autor]Guilherme Artuso, diretor de Setor Público da Unisys.[/autor]
Ainda que incipiente, é possível constatar uma tendência crescente no uso dessa tecnologia por aqui, especialmente em questões relacionadas à segurança. O Banco Itaú, a gestora de dados de crédito Quod e a 99Taxis são exemplos de empresas que aderiram ao reconhecimento facial.
Nos dois primeiros casos, os clientes terão de enviar fotos para as instituições como parte do cadastro – as empresas já anunciaram que vão usar o reconhecimento facial em seus processos de aprovação de operações. Já na 99, o uso será para identificação dos motoristas, e posterior confirmação de regularidade de informações junto ao Denatran.
O que, a priori, parece uma solução inquestionável para aumentar a segurança, tem suscitado questionamentos e dividido opiniões quando se discute questões relacionadas à privacidade.
Na parceria entre a Oi e a Secretaria de Segurança Pública do Rio, a empresa afirma que todos os dados coletados pelo sistema são armazenados nos servidores locais dos clientes. Essa medida impede que colaboradores da companhia tenham acesso às informações, que ficam restritas aos órgãos contratantes.
Algumas empresas, como é o caso do Banco Itaú, Quod e 99Taxis, já foram notificadas por entidades de proteção dos direitos do consumidor, como é o caso do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). O principal argumento é que o uso das identidades faciais precisa ser expressamente autorizado por clientes, funcionários e usuários.
Recentemente, o IDEC moveu um processo contra a ViaQuatro, empresa que administra a Linha Amarela do Metrô de São Paulo, justamente por uso indevido do reconhecimento facial. A empresa havia instalado painéis publicitários que identificavam os passageiros, mas não havia autorização prévia deles para isso. O processo pede R$ 1 milhão de indenização.
China aplaude; EUA questionam
A China, hoje uma das sociedades mais vigiadas do mundo, é berço de startups que lideram o desenvolvimento das tecnologias mais sofisticadas de reconhecimento facial para a vigilância pública. Para se ter uma ideia, a empresa iniciante MegVii é avaliada em US$ 3,5 bilhões e conta com investimentos de peso de grandes conglomerados como SoftBank e Alibaba. A concorrente SenseTime, por sua vez, tem seu valor de mercado estimado em US$ 1,6 bilhão.
A maior parte da receita dessas empresas vem de contratos com o setor público, como prefeituras, governos provinciais e órgãos de transporte.
Hoje, os 56 maiores aeroportos da China possuem reconhecimento facial. Os cidadãos, em sua ampla maioria, aprovam as diretrizes da política de vigilância, em especial por conta dos bons indicadores que medem os níveis de criminalidade.
O número de homicídios por 100 mil habitantes gira em torno de 0,7 morte, equivalente ao indicador da Suíça, por exemplo. No Brasil, este indicador é de 29,8/100 mil, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA).
Já nos Estados Unidos, a aceitação popular da tecnologia de biometria facial é bem diferente do cenário chinês. Os movimentos contrários à tecnologia fizeram a cidade de San Francisco proibir a polícia de usar aplicativos de reconhecimento facial. Uma das grandes preocupações é exacerbar a injustiça racial.
Pesquisas realizadas nos EUA apontaram que as ferramentas de biometria facial utilizadas pela polícia identificaram a pessoa errada nove vezes em dez tentativas. Por isso, especialistas no assunto consideram fundamental que as empresas que desenvolvem softwares de reconhecimento facial incluam representação de diferentes etnias e gêneros.
Guilherme Artuso, da Unisys, comenta que na China há uma elevada concentração da tomada de decisões sob um governo central, já nos EUA a influência federal respeita decisões locais (estados e municípios), daí a origem da diferença de abordagem e do entendimento desses países quanto ao uso da tecnologia.
No entanto, ele enfatiza que “para questões públicas de segurança a utilização de um modelo manual não é efetivo e prático em uma realidade em que a quantidade de informações disponível é muito grande”. Nos EUA, a Unisys vende a tecnologia de reconhecimento facial para aeroportos, como o John F. Kennedy, em Nova York, além de auxiliar o controle de fronteiras na automação de processos para prevenir atentados terroristas.
Texto: Luana Dalmolin
Imagem: Reprodução Eletronic Frontier Foundation e Amicus.org