O brasileiro tem uma relação de amor e ódio com o cartão de crédito. Visto como um meio de pagamento seguro e prático para ir às compras, o dinheiro de plástico permanece cobrando taxas estratosféricas de juros, acima de 300% ao ano, mesmo após seguidas quedas da taxa Selic.
Mitigar os riscos de endividamento no cartão, em especial para o público não habituado à educação financeira, e tornar o instrumento um aliado do orçamento doméstico, são as ideias por trás de um aplicativo criado pela fintech CrediGO.
“Independentemente do que acontece no sistema bancário tradicional, o rotativo do cartão cai de 400% para 350% ao ano, o que não ajuda muito. Tentamos ajudar as pessoas a ter controle nas contas a pagar para evitar a inadimplência e o pagamento de juros tão altos”, explica Bruno Chan (à dir.), brasileiro que viveu quase uma década na China e é um dos sócios do negócio. O outro é o chinês Stone Zheng (à esq.), que permanece morando na Ásia, onde fica também o time de desenvolvimento da companhia.
A fintech, cujo objetivo, num futuro bem próximo, é virar um marketplace de produtos e serviços de crédito, nasceu há menos de dois anos e recebeu um aporte de US$ 1,3 milhão do unicórnio chinês PPDAI Group Inc, uma empresa de tecnologia listada na NYSE.
O primeiro passo para oferecer uma ampla prateleira de crédito foi dado exatamente com o app. Gratuita e disponível para qualquer smartphone Android e iOS, a ferramenta já conta com mais de 220 mil usuários. O objetivo é atingir a marca de 1 milhão até o fim deste ano e dobrar de tamanho em 2020.
Ganhar volume e usuários é fundamental dentro do modelo de negócios da CrediGO. O grande salto para frente, entretanto, só deve acontecer quando o Open Banking, um projeto do Banco Central que obriga as instituições financeiras a compartilharem a base de dados de seus clientes, começar a sair do papel. O calendário de implantação começa em 2020 e deve se arrastar pelos próximos anos.
Para ganhar terreno e sair na frente de futuros prováveis concorrentes, a CrediGO tem se posicionado, nas palavras de Chan, como “um Open Banking antes mesmo do Open Banking”.
“Para usar certas funcionalidades da CrediGO você precisa conectar o aplicativo aos dados do seu banco. Com acesso a essa base de informações, no futuro, conseguiremos comparar taxas de cartões, anuidades, mensalidades de contas correntes e oferecer produtos mais indicados ao cliente”, explica Chan.
À medida em que o Open Banking avançar e a desejada competição no concentrado segmento financeiro finalmente acontecer, devem surgir também parcerias com os próprios bancos e varejistas.
“A ideia não é competir com os bancos. É cooperar e encontrar os melhores produtos. Os grandes bancos vão continuar a ser o centro das informações após o Open Banking, mas o mercado e as fintechs trarão mais eficiência e vantagens ao consumidor”. [autor]Bruno Chan, sócio da CrediGo.[/autor]
Também há a expectativa de que o projeto do BC tenha como efeito positivo ampliar o número de fintechs que oferecem empréstimos diretos ao consumidor, pelo celular, sem burocracia e em poucos minutos.
“O brasileiro pessoa física quase não tem acesso a crédito. A China era o que é o Brasil hoje e avançou muito com fintechs, tecnologia, score de crédito e competitividade”, compara.
Mas nem tudo é uma maravilha. Na China, com pouca regulamentação governamental, houve também uma bolha. Surgiu um número giganteco de fintechs ofecerendo crédito pessoal, sem analisar adequadamente o perfil dos clientes. Resultado: a inadimplência disparou e muitas delas quebraram. Chan pondera que o mesmo não deve acontecer no Brasil. Nem de longe.
“Aqui há muita regulamentação, o que se torna até um impeditivo. O custo de capital é caro, o acesso à informação do usuário é dominado pelos bancos, o que dificulta a entrada de uma fintech que queira oferecer empréstimo pessoal.”
Texto: Luciano Feltrin
Imagens: Reprodução e Unsplash