Autor: Yuval Noah Harari
Ideias centrais:
1) A revolução provocada pela biotecnologia e pela tecnologia de informação pode impor a autoridade dos algoritmos de Big Data. Esses algoritmos poderão nos aconselhar melhor que os sentimentos?
2) A inteligência artificial (IA) e a robotização estão substituindo multidões de trabalhadores, criando a categoria dos “inúteis”.
3) Os grandes desafios da humanidade não são de ordem cultural, mas de natureza global: mudança climática, meio ambiente, computador superando as pessoas.
4) A maior parte de nossas opiniões é formada por pensamento comunitário e não por racionalidade, por investigação individual. Para aprofundar um assunto, é preciso tempo.
5) Os seres humanos e as máquinas poderão se fundir tão completamente, que os humanos não seriam capazes de sobreviver desligados da rede. Precisamos regular a propriedade dos dados.
6) Quando falamos de imigração, supomos que todas as culturas são inerentemente iguais ou supomos que algumas são superiores às outras? O racismo biológico de ontem é suplantado pelo racismo cultural de hoje.
7) A maior parte das injustiças no mundo contemporâneo resulta de vieses estruturais em grande escala e não de preconceitos individuais.
8) O gênero humano está enfrentando revoluções sem precedentes. Como preparar, então, as futuras gerações, num mundo tão cheio de transformações? As pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, distinguir o que é importante do que não é.
Sobre o autor:
Yuval Noah Harari é um historiador israelense, nascido em 1976, que se especializou em História Medieval e História Militar, antes de completar seu doutorado no Jesus College, da Universidade de Oxford. Mais recentemente, encaminhou-se para a literatura, lançando com sucesso Sapiens: uma breve história do ser humano. Isso o incentivou a escrever mais obras. Ele é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém.
[O resumo de Sapiens já foi publicado pela [EXP] e pode ser lido aqui]
[O resumo de Homo Deus pode ser lido aqui]
Introdução:
Em seu primeiro livro, Sapiens, Harari investigou o passado humano, examinando como um macaco insignificante dominou a Terra. Em seu segundo livro, Homo Deus, o autor explorou o futuro da vida, a longo prazo, contemplando como os humanos se tornarão deuses e qual pode ser o destino final da inteligência e da consciência. Essa obra é definida como uma grande síntese do que está acontecendo no mundo, qual o significado profundo dos eventos.
1) A narrativa liberal
Pessoas e nações têm suas lendas e mitos, suas narrativas. As elites globais do século 20 formularam três grandes narrativas que pretendem explicar todo o passado e predizer o mundo futuro: a fascista, a comunista e a liberal. Prevaleceu a liberal depois de 1980, com o colapso da narrativa comunista. A liberal virou mantra mundial, mas, desde 2008, as pessoas também estão desiludidas com essa narrativa, que trouxe líderes como Donald Trump e o Brexit, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia. As revoluções da tecnologia da informação e da biotecnologia trouxeram novas visões e conceitos, além de um grande desafio: o impacto no mercado de trabalho.
2) O desafio de emprego
O autor coloca o problema do emprego numa data fictícia: 2050. Até lá, haverá bilhões de desempregados. A inteligência artificial (IA) e a robotização estão substituindo multidões de trabalhadores, criando a categoria dos “inúteis”. Impedir a perda de empregos é impensável, mas os governos podem retardar o ritmo de automação para reduzir seu impacto. Um modelo para atenuar o desemprego é o da Renda Básica Universal (RBU), utilizado por vários países, como os escandinavos. Ele consiste num pagamento mensal para prover as necessidades básicas do desempregado. O problema dessa saída é estabelecer o que são as tais necessidades básicas. Há quem pense em adicionar esportes para amparar os beneficiados com valores sociais, além dos básicos.
A inteligência artificial e a robotização
estão substituindo multidões de trabalhadores,
criando a categoria dos “inúteis”.
3) Liberdade e seus limites
A liberdade é um dos valores mais acentuados da narrativa liberal. De modo geral, argumenta-se que nossas liberdades e escolhas, como nas eleições, têm mais a ver com o sentimento do que com o pensamento. Essa lealdade ao coração pode se tornar o calcanhar de aquiles da democracia liberal. A revolução provocada pela biotecnologia e pela tecnologia de informação pode impor a autoridade dos algoritmos de Big Data. Em breve, esses algoritmos poderão nos aconselhar melhor que os sentimentos. O problema é que os algoritmos de Big Data podem dar poder também ao Grande Irmão de George Orwell [autor de 1984]. Nesse caso, ou a democracia se reinventa ou pode ser dominada pelas chamadas “ditaduras digitais”.
4) Os donos dos dados
Nos últimos séculos, os ativos mais importantes eram a terra e, em seguida, as máquinas. No século 21, porém, o principal ativo são os dados. E uma das tarefas da política consistirá em controlar o fluxo de dados. Os seres humanos e as máquinas poderão se fundir tão completamente, que os humanos não seriam capazes de sobreviver desligados da rede, dos Googles da vida. Diante desse fato, faríamos bem em chamar os juristas, políticos e filósofos para que resolvam esta charada: como regular a propriedade de dados. Se não formos capazes de responder a essa pergunta, nosso sistema sociopolítico pode desmoronar. Em consequência, os cidadãos do mundo inteiro perderiam a fé na narrativa liberal.
5) Comunidade virtual e comunidade real
Em 2017, o fundador do Facebook Mark Zuckerberg publicou um manifesto que falava de uma sonhada comunidade global online. Para isso, no entanto, há limitações. Para a maioria das pessoas é impossível conhecer bem mais do que 150 pessoas. Sem esses grupos, os humanos se sentem solitários e alienados. As comunidades físicas têm uma profundidade que as comunidades virtuais não são capazes de atingir. Um ponto crucial é que as pessoas têm corpos, não apenas olhos e ouvidos. Separadas de seus corpos, sentidos e entorno físico, elas se sentem desorientadas. Para ter sucesso no online é preciso ter pé no offline.
Embora o gênero humano esteja longe de constituir
uma comunidade harmoniosa, somos todos membros
de uma única civilização global.
6) Civilização global
Para muitos, a União Europeia e os Estados Unidos deveriam renunciar à falácia multicultural. A longo prazo, somente uma cultura seria capaz de sobreviver, conforme a seleção natural. Mas há uma diferença profunda entre grupos humanos e espécies animais. Hoje, as pessoas instruídas no mundo todo acreditam nas mesmas coisas quanto à matéria, energia, tempo e espaço. Embora o gênero humano esteja longe de constituir uma comunidade harmoniosa, somos todos membros de uma única civilização global. Os grandes desafios não são os de ordem cultural, mas os de natureza global: mudança climática, meio ambiente, computadores superando as pessoas, entre outros.
7) Problemas globais pedem respostas globais
Se o gênero humano constitui uma única civilização, por que grupos se voltam para o isolamento nacionalista? A corrente nacionalista teve um freio diante do perigo nuclear, depois de 1945, com a explosão em Hiroshima. Hoje, o desafio é outro: o colapso ecológico. Além da depredação dos recursos naturais, o que mais preocupa é a mudança climática. É preciso cortar dramaticamente os índices de gás carbônico para evitar o efeito devastador do aquecimento global. Para isso, é necessário um esforço global, longe de egoísmos nacionalistas. Outro desafio, o da disrupção tecnológica, causada pela bioengenharia e tecnologia da informação, também exige um arranjo global, porque global é seu efeito.
8) Tradições religiosas e o futuro
Os sacerdotes e profetas eram conselheiros nas doenças, más colheitas e outros problemas. Hoje, os biólogos, químicos e médicos, os cientistas de uma maneira geral, que tentam resolver esses problemas. Com isso, a autoridade religiosa perdeu prestígio. Para uma boa colheita, recorre-se ao técnico agrícola, não ao Pagé. A religião tem se tornado, com frequência, um instrumento do Estado, a exemplo do Estado Xintoísta do Japão. O papel desse estado é desempenhado, em maior ou menor grau, pelos cristãos ortodoxos russos, pelo islamismo xiita do Irã, pelo Estado de Israel e outros. As religiões tradicionais, dessa maneira, seriam criadas do nacionalismo moderno. Acabam sendo um entrave para um debate franco e solução de problemas globais, como a questão nuclear, o desafio ambiental e a disrupção tecnológica.
A disrupção tecnológica
também exige um arranjo global,
porque global é seu efeito.
9) Imigração e o racismo cultural
Hoje, está havendo grande incapacidade de incluir as diferenças culturais entre europeus e imigrantes da África e do Oriente Médio. Três condições básicas devem ser vistas quanto à imigração:
1) O país anfitrião permite a entrada de imigrantes.
2) Em troca, os imigrantes têm de adotar as normas e os valores centrais do país anfitrião.
3) Se os imigrantes se assimilarem em grau considerado suficiente, com o tempo, poderão se tornar cidadãos do país que os adotou.
Subjacente a esses debates está uma questão fundamental: quando falamos de imigração, supomos que todas as culturas são inerentemente iguais ou supomos que algumas são superiores às outras. O racismo biológico de ontem é suplantado pelo racismo cultural de hoje. Eis a questão: “O meu latim é melhor que o seu”.
10) A dimensão do terrorismo
Os terroristas matam pouco, mas conseguem aterrorizar bilhões e sacudir estruturas políticas. O terrorismo é uma estratégia militar que espera mudar a situação política. Em vez de guerra, eles optam por produzir um espetáculo teatral para provocar o inimigo. Assim como os terroristas, os que combatem o terrorismo também deveriam pensar mais como produtores teatrais do que como generais de exército. Um contraterrorismo pode ter três frentes:
1) Governos deveriam concentrar-se em ações clandestinas contra redes de terror.
2) A mídia deveria relativizar as coisas e evitar a histeria.
3) Se liberarmos nossa imaginação e reagirmos de forma equilibrada, o terrorismo fracassará.
O nosso pânico é arma dos terroristas.
11) A estupidez da guerra
Após a crise financeira de 2008, a situação global está se deteriorando, o belicismo está voltando à moda. O problema é que guerra traz prejuízos, destruição, mortes. Uma das últimas aventuras bélicas foi a tomada da Crimeia pela Rússia. Por que uma guerra hoje não é lucrativa? Porque hoje os principais ativos econômicos são o conhecimento técnico e institucional, não os campos de trigo, nem mesmo os poços de petróleo. O conhecimento não se obtém com a guerra. Mesmo que guerras bem-sucedidas sejam difíceis de acontecer, isso não é garantia de paz. Apesar de guerras serem catastróficas para todos, “Deus e nenhuma lei da natureza nos protegem da estupidez humana”. Uma dose de humildade sempre vai bem.
12) Humildade: você é o centro de tudo?
A maioria das pessoas está propensa a acreditar que é o centro do mundo e que sua cultura é a melhor, a fina flor. Os gregos acreditavam que a história começou com Homero e Platão. Os chineses, que ela começou com o Imperador Amarelo. E, assim, cada povo tem o seu mito, a sua história. O autor fala que, como israelense, foi instruído no sentido de pertencer ao povo eleito. Os israelenses se referem ao cristianismo, ao islamismo, ao judaísmo como as “três grandes religiões”. O autor não concorda com esse conceito e narra as grandes contribuições do hinduísmo e do budismo, entre outras. E exalta o valor da humildade. Muitas religiões louvam o valor da humildade. Mas, infelizmente, misturam sua humildade pessoal com grande arrogância coletiva.
13) Não tomar o nome de Deus em vão
Quem é Deus? Invocamos o nome de Deus misterioso para explicar as charadas do universo. Para denominar um legislador de normas morais. Lembremo-nos do terceiro mandamento bíblico: “Não usar o nome de Deus em vão”. Talvez o sentido mais profundo dessa norma seja que não devamos usar o nome de Deus para justificar nossos interesses, nossas ambições. Pessoas têm crença num Deus misericordioso que nos manda oferecer a outra face a quem nos agride. Isso contribui para a paz social. Outras pessoas usam a crença religiosa para justificar sua raiva. Isso é disfuncional. “Não faça aos outros o que não quer que façam a você”: eis uma norma geral, não necessariamente religiosa. O secularismo também ajuda a termos uma vida de moralidade.
14) Secularismo, uma visão do mundo
Para muitos, as pessoas seculares ou secularistas não acreditam em deuses ou anjos e não frequentam igrejas. Mas para os secularistas autoprofessados, o secularismo é uma visão de mundo positiva, com um código de valores coerentes. Muitos dos valores seculares são compartilhados por religiões, como liberdade, compaixão, coragem, responsabilidade. Afinal, qual seria o ideal secular? O compromisso mais importante é com a verdade, que se baseia na observação e na evidência, e não na fé. Pessoas seculares estão ligadas a uma profunda compreensão do sofrimento. Elas cultivam a responsabilidade com o próximo, com a sociedade, sem se reportarem a um poder superior.
O secularismo também nos ajuda a
termos uma vida de moralidade.
15) O perigo da ignorância
O pensamento liberal, habitualmente, tem muita confiança no indivíduo racional. Trata-o como agente racional independente. No fundo, a racionalidade, como a individualidade, é um mito. Humanos raramente pensam por si mesmos. Pensamos mais em grupos. A maior parte de nossas opiniões é formada por pensamento comunitário e não por racionalidade, por investigação individual. Para se aprofundar em qualquer assunto é preciso ter tempo. O poder tem tempo para pensar? Não. Logo, governa sem pensar. Como Sócrates dizia há mais de 2 mil anos, o melhor a fazer é reconhecer nossa própria ignorância. Certeza número 1.
16) Justiça num mundo complexo
O problema, hoje, não é só de valores, como a justiça. Sejam seculares ou religiosos, os cidadãos do século 21 têm dificuldade em implementar esses valores num contexto global complexo. A maior parte das injustiças no mundo contemporâneo resulta de vieses estruturais em grande escala e não de preconceitos individuais. Dogmas religiosos e ideológicos ainda são atraentes, em nossa era científica, porque são um porto seguro na complexidade global. Hoje temos problemas globais, sem termos uma comunidade global. Conclusão: “Nem o Facebook, nem o nacionalismo ou a religião estão próximos de criar essa comunidade”. É aí que a coisa complica.
17) Poder das fake news
Repete-se que estamos vivendo a assustadora era de “pós-verdade”. Um fato revelaria isso: em fevereiro de 2014, unidades especiais russas, sem insígnias militares, tomaram a Crimeia. O fato foi negado por Putin, presidente da Rússia. Os humanos sempre viveram na era da pós-verdade. Na prática, não existe uma divisão clara entre “saber que algo é apenas uma convenção humana” e “crer que algo é inerentemente valioso”. Isso não quer dizer que as fake news não sejam um problema sério. Também seria errado concluir que tudo é fake news. Que não existe diferença entre jornalismo sério e propaganda. Todo o nosso apoio para os jornalistas autênticos.
Hoje temos problemas globais,
sem termos uma comunidade global.
18) O futuro é ficção científica?
No início do século 21, talvez o gênero artístico mais saliente seja a ficção científica. Pouca gente leu artigos sobre engenharia genética, mas viu os filmes da série Matrix. A ficção precisa ser mais responsável. Está mais preocupada com uma possível guerra entre robôs e humanos. O fato a temer, no entanto, é um conflito entre pequena elite de super-humanos apoiados em algoritmos e uma vasta subclasse de Homo sapiens. Porém, há algo de positivo em 1984, livro de George Orwell. John, o Selvagem, questiona as ideias da ordem mundial e acusa o Governo Mundial de que, na busca da felicidade, ele eliminou não só a verdade e a beleza, mas também o que há de nobre e heroico. John venceu? Com a palavra, a humanidade.
19) O sentido da educação
O gênero humano está enfrentando revoluções sem precedentes. Antigas narrativas estão ruindo e não há novas para substituí-las. Como preparar, então, as futuras gerações, num mundo tão cheio de transformações? A informação jorra por todos os lados. Em vez de informação, as pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, distinguir o que é importante do que não é. Há milhares de anos, Sócrates criou o axioma “conhece-te a ti mesmo”. Hoje, você tem concorrência. Se os algoritmos da inteligência artificial compreenderem você melhor que você mesmo, há um risco. O de sua própria autoridade passar para eles.
20) Existe um sentido da vida?
Quem sou eu? O que devo fazer na vida? São perguntas que sempre vêm à tona. Quando buscamos o sentido da vida, queremos uma narrativa que explique o que quer dizer realidade e qual o meu papel nesse drama cósmico. Há narrativas cíclicas, outras lineares. Uma história pode ser pura ficção e ainda assim prover-me de uma identidade e indicar-me que a vida tem sentido. Nenhum dos milhares de narrativas de culturas, religiões e tribos, ao longo da História, é verdadeiro. As narrativas que nos proveem de sentido e identidade seriam todas ficcionais, mas os humanos precisam acreditar nelas. Se você quer saber a verdade sobre o universo, sobre sua identidade, tente compreender o sofrimento real.
A informação jorra por todos os lados.
As pessoas precisam de capacidade para
distinguir o que é importante do que não é.
21) Conhecer pela meditação
Após criticar narrativas, religiões e ideologias, o autor coloca seus matizes nas lentes com que observa o mundo. A técnica de Vipassana (introspecção), meditação de tradição hindu, utiliza a percepção da respiração e firma o conceito de que o fluxo mental é intimamente interligado com as sensações do corpo, como frio, calor etc. A meditação é uma ferramenta para analisar a nossa mente diretamente. Observar-se a si mesmo nunca foi fácil. Os humanos criaram narrativas religiosas, ideológicas e elas interferem numa análise mais acurada de nós mesmos. Cautela: em lugar das narrativas, poderão vir os algoritmos para dizer o que você é, o que deve fazer.
Ficha técnica:
Título: 21 lições para o século 21
Título original: 21 Lessons for the 21st Century
Autor: Yuval Noah Harari
Primeira edição: Companhia das Letras
Resumo: Rogério H. Jönck
Edição: Monica Miglio Pedrosa