Investimento inicial previsto será de US$ 10 bilhões, feito por duas empresas estrangeiras e uma brasileira. Empresas instaladas em uma ZPE têm acesso a tratamento tributário, cambial e administrativo especiais.
Por Monica Miglio Pedrosa
De olho no interesse internacional em energia verde e situado em um local premiado com sol e vento em abundância, o Estado do Ceará deve acolher o maior Hub de Hidrogênio Verde do país na primeira Zona de Processamento de Exportação (ZPE) brasileira, localizada no Complexo de Pecém, a menos de 60 km da capital, Fortaleza. Prestes a completar uma década de funcionamento em agosto desse ano, a ZPE Ceará já movimentou 73 milhões de toneladas de cargas pelo Porto de Pecém com as indústrias instaladas no Setor 1.
A Zona de Processamento de Exportação (ZPE) é uma área de livre comércio, onde as empresas operam com suspensão de tributos, liberdade cambial – podem manter no exterior, permanentemente, as divisas obtidas nas exportações – e procedimentos administrativos simplificados (acesse aqui a lista completa de benefícios às empresas e leia no destaque abaixo os objetivos para os quais elas foram criadas). As ZPEs podem ser de economia mista ou de investimento privado.
Segundo o World Investment Report 2019, publicado recentemente pela UNCTAD, existem hoje mais de 5.400 zonas econômicas especiais (como são, genericamente, conhecidas as ZPEs), espalhadas por cerca de 150 países, entre os quais a China (tem quase a metade dessas zonas), Filipinas (528), Índia (373), Estados Unidos (262) e Rússia (130).
A legislação das Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) no Brasil é de 1988, porém a pioneira ZPE Ceará só entrou em operação em 2013 – leia no quadro, no final da matéria, uma entrevista com o presidente da Associação Brasileira das Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe), Helson Braga, sobre as demais ZPEs.
No Brasil, após essa primeira fase bem-sucedida, o Hub de Hidrogênio Verde é a grande meta do segundo mandato, iniciado em abril de 2023, do presidente da Companhia Administradora da ZPE do Ceará, Eduardo Neves. Eduardo foi presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará (Adece) de abril de 2018 até fevereiro de 2021, estando na Adece desde sua fundação, em 2007. Entre 2003 e 2006 foi coordenador de desenvolvimento setorial na Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE).
Em entrevista à [EXP], Eduardo revelou que as três primeiras empresas a assinar um acordo para o Hub se comprometeram com um investimento inicial de US$ 10 bilhões.
Qual o objetivo de uma ZPE para o contexto econômico do Brasil?
Eduardo Neves – De uma forma geral, é um instrumento de desenvolvimento econômico. Um exemplo emblemático disso ocorreu com os tigres asiáticos e a China, que usaram a ZPE como grande modelo de desenvolvimento de seus países. É uma área de livre comércio com o exterior, que permite que empresas transformem bens primários em produtos de maior valor agregado para exportação, com incentivos fiscais e liberdade cambial, o que permite que as empresas mantenham no exterior 100% das divisas obtidas nas exportações.
Quais são as empresas atualmente instaladas na ZPE Ceará?
Estamos em atividade há quase uma década, fomos a primeira ZPE a entrar em operação no país. Na região, temos o Porto de Pecém, que facilita a exportação dos produtos. Hoje temos 3 empresas instaladas no Setor 1: a ArcelorMittal, que comprou recentemente a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), a White Martins e a Phoenix, prestadora de serviços para produtores de aço.
O Decreto-Lei que instituiu o regime aduaneiro especial das ZPEs é de 1988, que virou lei em 2007. Porém o Marco Legal das ZPEs, sancionado em julho de 2021 está sendo considerado a grande conquista para o avanço das ZPEs. Por quê?
A lei tinha muitos entraves, um deles era a obrigatoriedade de exportar 80% da produção feita na ZPE. O Marco Legal acaba com isso e permite às empresas flexibilizarem a produção para o mercado interno ou externo, dando maior liberdade e viabilidade aos negócios, de acordo com o contexto econômico do momento. A única questão é que quando ela opta pelo mercado interno ela tem isonomia com a empresa nacional, ou seja, vai pagar os tributos como qualquer empresa que produz no Brasil.
Que outros avanços o Marco Legal trouxe?
O Marco Legal prevê ainda que empresas de serviço possam atuar nas ZPEs. Está na lei, mas ainda carece de regulamentação. Isso abre uma nova gama de possibilidades, como desenvolvimento de software para datacenters, ou equipamentos para a indústria de cinema. A área administrativa das empresas instaladas em ZPEs pode estar fora da planta, em outro lugar do Brasil ou mesmo em outro país. O Marco também permitiu a criação de uma ZPE totalmente privada e a primeira delas será a de Aracruz, no ES.
Após tantos anos da legislação original, o que permitiu a aprovação do Marco Legal?
A brecha aconteceu durante a pandemia, quando a White Martins precisava aumentar a produção de oxigênio para a crise sanitária e a lei não permitia essa flexibilização. Por decreto presidencial conseguimos que 40% da produção fosse direcionada para o mercado interno e aproveitamos essa brecha para transformar isso em lei.
Após o Marco Legal, a ZPE Ceará está criando o Setor 2, onde o foco inicial será o Hub de Hidrogênio Verde. Qual é o objetivo desse Hub?
O interessante das ZPEs é que elas atuam de acordo com a vocação local. Quais são as principais matérias-primas necessárias para o hidrogênio verde e que têm em abundância, o ano todo, no estado do Ceará? Sol e vento. Eles são constantes, sem intermitência na produção. Nossa condição geográfica é uma das melhores do mundo para produzir hidrogênio verde. A cereja do bolo é a própria ZPE, com a proximidade do Porto de Pecém e os benefícios tributários para produção.
Em que estágio estão os investimentos nessa área?
Já assinamos 30 memorandos para o Hub, sendo 3 em estado avançado: uma empresa australiana, outra norte-americana e a brasileira Casa dos Ventos. O objetivo é produzir hidrogênio na forma de amônia, que pode ir direto para exportação, para nosso parceiro que é o Porto de Rotterdam, na Holanda. De lá, ele será comercializado em toda a Europa.
Quanto as empresas investiram no Setor 2 até o momento?
As três empresas que estão mais avançadas têm um compromisso de investimento de mais de US$ 10 bilhões, o dobro do que investimos na criação do Setor 1. Uma delas fez um investimento de US$ 1,8 bilhão e está trazendo um navio fixo de regaseificação para o Porto de Pecém, que tem o potencial de gerar gás natural para abastecer o Estado, e que vai criar ainda uma estrutura de tubulação de gás para a ZPE. Essa estrutura pode ser usada por empresas que querem fazer um processo de transição energética para o hidrogênio verde passando pelo hidrogênio azul (gás natural).
Quais as possibilidades de evolução do Hub de Hidrogênio Verde?
Existem vários derivados para o futuro. Podemos evoluir na construção de um polo de fertilizantes na ZPE. A partir da amônia conseguimos produzir ureia e transformar em fertilizante nitrogenado. O Brasil, que é o país que mais produz alimentos no mundo, importa fertilizantes e pode passar a consumir da ZPE no futuro. Existe um mercado potencial enorme para isso.
Vocês criaram uma estrutura para pequenas e médias empresas no Setor 2. Como funciona?
Um dos diferenciais do Setor 2 é a flexibilização, uma vez que os lotes poderão ser divididos em tamanhos variados, proporcionando condições para instalação não apenas de grandes empreendimentos, como os relacionados aos projetos de Hidrogênio Verde, mas também de pequenos e médios negócios. Para isso, só é necessário que a empresa tenha essa vocação exportadora. Temos 18 hectares de área terraplanada, com câmeras OCR, fibra óptica, toda infraestrutura básica interligada para receber essas empresas de menor porte.
Já existem empresas PME interessadas nessa expansão?
Temos alguns protocolos com empresas de ônibus elétrico, de baterias, de rochas ornamentais, que estão em andamento.