A aceleração dos processos de digitalização durante a pandemia, os juros baixos e a maturidade das startups brasileiras deram um forte impulso ao mercado de venture capital brasileiro, em 2020. As movimentações somaram US$ 3,5 bilhões, em 470 rodadas de investimento, um crescimento de 17% em relação ao ano anterior, segundo o Distrito Dataminer. E foi neste cenário positivo que começou a chegar ao Brasil um novo modelo de financiamento de startups, os fundos de venture debt.
O venture debit é uma modalidade de crédito em forma de dívida, com garantias em contrapartida, ideal para as startups que não desejam ceder equity ao serem capitalizadas. Para conseguir este investimento, porém, a startup precisa estar em um estágio de potencial crescimento, além de dispor de garantias como fluxo de recebíveis, ativos intangíveis ou reais.
Segundo a Endeavor, o venture debt pode fazer sentido para a empresa que está entre rodadas de investimento, com o intuito de obter uma avaliação maior na próxima rodada; e concomitante à rodada de investimento, alavancando o total captado com menor diluição para os acionistas.
No Brasil, fundos de venture debt já estão sendo ofertados por gestores como Brasil Venture Debt, Galápagos Capital e Silicon Valley Bank. E também pela Fuse Capital, pioneira em fundos híbridos. Criada por quatro sócios com larga experiência em venture capital e provenientes do mercado financeiro, a gestora investe tanto em equity como em venture debt.
Em entrevista ao Experience Club, Dan Yamamura, ex-tesoureiro da GP Investimentos, que uniu-se ao time da Fuse em julho do ano passado, falou sobre as vantagens deste tipo de investimento, tanto do ponto de vista das empresas como do investidor.
Confira os principais pontos da entrevista:
1 – Ecossistema de empreendedorismo brasileiro em alta
“Estamos em um momento muito interessante no Brasil, com taxas de juro baixas e muita injeção de liquidez. O dinheiro do capital brasileiro está deixando de ser tão conservador e migrando da renda fixa para a variável e desta para a de longo prazo”.
“Processos de transformação tecnológica e digital foram acelerados pela pandemia, não só do ponto de vista das empresas e dos hábitos das pessoas, mas também do governo, que está liberando uma série de regulamentações”.
“Estamos na quarta geração de empreendedores no Brasil. As startups brasileiras já sobreviveram a momentos muito mais desafiadores, com taxas de juros altas que podiam até quebrar negócios. O grau de maturidade do empreendedorismo no Brasil permite o crescimento dos aportes no país.”
2 – Vantagens do debt para os investidores
“Tipicamente, quando há investimento em equity, o retorno desse fundo é de longo prazo, em torno de dez anos. Ele costuma acontecer a partir do sétimo ano, no fim do ciclo. Quando você investe em debt, o retorno vem em parcelas e pode acontecer já no início do ciclo. A ‘J Curve’, que normalmente reflete o retorno em um fundo de equity, não apresenta essa curva acentuada quando há um mix ideal de portfólio, sendo 70% de equity e 30% de debt.”
3 – Startups com perfil para o venture debt
“Em termos de perfil, as startups deverão estar em um maior estágio de maturidade, com um volume de receitas recorrentes relativamente estável, em um crescimento já comprovado”.
“Empresas do segmento de SAAS, ou que têm um serviço de assinatura ou receita recorrente, com baixo churn (taxa de rotatividade), são potencialmente boas candidatas a receber debt, pois podem dispor de garantias mais concretas para os investidores, como fluxo de recebíveis”.
“Para as empresas exponenciais também é muito interessante um empréstimo deste tipo, pois abrir mão do seu equity tem um custo alto para a empresa”.
“Um dos problemas que temos que lidar como investidores é o CapTable (tabela de capitalização, que indica os percentuais de participação de cada investidor e a diluição de capital em cada rodada de investimento). Já desistimos de investir em várias empresas pois elas não suportariam o nosso investimento em rodadas superiores. Estavam com 30% das ações da companhia quando deveriam estar com 70% nesse estágio de desenvolvimento”.
“Nesse cenário em que o fundador tem participação minoritária, há um desalinhamento em relação ao negócio. O venture debt possibilita uma capitalização da startup sem comprometimento de equity.”
4 – A proposta da Fuse Capital
“A Fuse foi lançada no final de 2019. Somos quatro sócios na gestão, com idades que variam de 30 a 50 anos. A indústria de venture capital tem pouca gente oriunda do mercado financeiro e com a nossa mentalidade de investimento”.
“Sempre que avaliamos uma empresa, mesmo para aplicar em debt, também olhamos sobre o aspecto de equity, ou seja, precisamos gostar da empresa como se fossemos investir nela em equity, já que podemos de fato fazer isso em futuras rodadas”.
“Temos uma capacidade crítica mais rigorosa na avaliação das empresas, diferente de outras gestoras de venture capital. Mas assim podemos colaborar de forma mais ativa no negócio mesmo durante o processo de análise”.
“Também somos a única gestora que tem um fundo híbrido no Brasil.”
5 – Desafios do mercado brasileiro para o debt
“Investimos em debt por meio de uma parceria com a A55, fintech que já investiu R$ 200 milhões no Brasil”.
“A modalidade que utilizamos com mais frequência é a MRR (Monthly Recurring Revenue), onde a garantia de empréstimo vem da receita recorrente da empresa. Por meio de uma API que é conectada ao sistema de conta corrente da empresa é possível fazer um scroll do seu faturamento”.
“No México já investimos com a A55 em debt na fintech Vexi. No Brasil, nossos quatro investimentos até o momento foram em venture capital. Como somos um fundo em dólar e precisamos fazer hedge, a conversão para o peso mexicano ainda está mais interessante do que para o Real”.
“Além disso, como o open banking está muito mais avançado no México que no Brasil, a execução de garantias e a segurança jurídica é maior naquele país. No Brasil ainda há pouca jurisprudência no uso do faturamento da empresa como garantia do investimento.”
6 – Cases brasileiros da Fuse
“No Brasil, investimos em quatro empresas. A Fligoo, do Vale do Silício, que tem operação no Brasil, usa inteligência artificial e algoritmos para criar aplicações que permitem que grandes corporações façam cross selling e upsale entre canais de vendas e produtos. A edtech AIO, que reduz testes do Enem em poucas questões e potencializa o treino do estudante nas provas. A Pink, que é uma plataforma de comunicação para pequenas e médias empresas e mais recentemente a WDental, plano odontológico completamente digital”.
“Como gestores de venture capital, temos que pensar no mercado daqui a dez anos. Se não conseguimos adivinhar o futuro, podemos ver claramente o que não vai continuar do jeito que está”.
“O seguro de saúde é um bom exemplo disso. Há um completo desalinhamento entre as três partes desse ecossistema, que são o cliente, a seguradora e o hospital ou prestadora de serviço. Uma empresa como a WDental, que busca alinhar um pouco mais o interesse dessas três partes, merece nosso investimento.”
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Imagens: reprodução