O impulso para a criação da TODXS veio a partir de uma discriminação sofrida por um casal homossexual, que foi expulso de um bar em Fortaleza. O ano era 2016 e, nessa época, já existia uma lei municipal, não muito conhecida, que proíbe e multa estabelecimentos por este ato. Um amigo do casal, Ítalo Alves, resolveu fazer algo a respeito disso e criou, com outros três cofundadores, a TODXS.
Cinco anos depois, a ONG ampliou muito o escopo de atuação: presta consultorias em diversidade a empresas como Gerdau, Ambev, SalesForce e 99; tem um programa de formação de jovens líderes que já capacitou 120 Embaixadorxs multiplicadores da TODXS em várias regiões do país; acelera projetos de negócio social da comunidade LGBTI+; atua em escolas por meio de palestras para professores do ensino público, com foco no acolhimento dos alunos trans; e promove pesquisas para gerar dados estatísticos dessa população. Mais de 1,8 milhão de pessoas já foram impactadas pelas ações e projetos da ONG, que conta atualmente com 150 voluntários.
Em entrevista ao Experience Club, a diretora executiva da TODXS, Ana Beatriz Santos, conta quais são os três focos principais da ONG em 2021: geração de dados estatísticos para promoção de políticas públicas, entrada no mercado de trabalho e acolhimento à saúde mental das pessoas LGBTI+. “Durante a pandemia, muitas pessoas estão tendo que conviver durante o isolamento social com seus opressores”, afirma.
1 – A TODXS:
“Nasci no interior de Minas, sou formada em engenharia de produção, mas sempre busquei trabalhar com impacto social. Conheci a TODXS em 2017 por indicação de uma amiga que era voluntária na ONG. Passei por várias áreas na organização até chegar à diretoria executiva”.
“Meu trabalho de conclusão de curso na faculdade foi sobre a TODXS, que foi fundada por Ítalo Alves e outros três amigos: o catarinense Willian Mallmann, o mineiro Pedro Souza e a pernambucana Duda Carvalho”.
“Inicialmente a ONG desenvolveu um aplicativo que tinha o objetivo de divulgar as leis e direitos da comunidade LGBTI+ e receber denúncias de violência. Atualmente estamos repensando o aplicativo para que ele seja o maior canal de denúncias contra a LGBTfobia no Brasil.”
2 – Multiplicadores para impulsionar ações locais:
“O Embaixadorxs é um programa de formação de jovens líderes que já nasceu on-line. Nosso objetivo é capacitar agentes de mudança que possam atuar nos problemas específicos de cada município brasileiro”.
“Mais de 120 líderes foram formados pelo programa e o mais importante é que nosso público tem um perfil bastante heterogêneo: 50% dos embaixadores são trans, 70% não-brancos, 30% estão no Nordeste e 23% na região Norte”.
“Logo começamos a perceber que as ideias surgiam, os projetos eram criados, mas eles não sabiam como tirá-los do papel. Foi daí que nasceu o TODXS Impacto”.
“Nós incubamos projetos sociais para a causa LGBTI+ e o objetivo principal é que essa solução seja prototipada, testada e ajustada para que possa ser colocada em ação”.
“Apoiamos os projetos com recursos financeiros e capacitamos os líderes em temas como planejamento financeiro, comunicação, captação de recursos e marketing, por meio de mentorias.”
3 – Projetos da TODXS Impacto:
“Em torno de 20 projetos já passaram pela Impacto. Menciono aqui três deles: o e-commerce Valejo, que comercializa itens produzidos por criativos LGBTI+; o Ateliê Transmoras, que atua na formação e geração de renda por meio da moda, com cursos de corte, costura e produção de moda para o público transgênere; e o Vale PCD, que tem sede em Recife e atua no contexto de inclusão de pessoas com deficiência em espaços LGBTI+. Para investir nestes projetos buscamos o apoio de empresas e lançamos editais.”
4 – Diversidade nas empresas:
“O tema mercado de trabalho é vital para a inclusão de pessoas LGBTI+, pois inicia um ciclo de inclusão para elas. A pandemia trouxe uma evidência muito grande para a desigualdade social. Enquanto as taxas de desemprego nacionais estão na faixa de 13%, este número aumenta para 21% no caso de pessoas LGBTI+”.
“A TODXS Consultoria é a principal forma de capitalização das nossas ações, além das doações. No início trabalhamos com empresas de tecnologia como SalesForce e 99, que eram mais abertas ao tema da diversidade. Desde o ano passado e particularmente em 2021 tem crescido muito o tema Diversidade nas organizações e temos sido procurados por empresas mais tradicionais”.
“No final de 2020 fizemos um projeto com a Gerdau para a construção de um banco de talentos LGBTI+. Decathlon, PepsiCo, Whirlpool e Ambev são outras empresas com as quais trabalhamos.”
5 – Trabalho na base:
“Pesquisa da TODXS revelou que 63% das pessoas não se assumem LGBTI+ no ambiente escolar. A taxa de evasão escolar deste público é altíssima, alguns costumam chamá-las de taxa de ‘expulsão’”.
“Pessoas LGBTI+ sofrem muita violência de colegas e de professores e acabam desistindo de estudar. Quando falamos no recorte do público trans os números são ainda maiores. Dos que conseguiam continuar na escola, foi notório o fato de que um professor ou alguém do corpo administrativo foi o apoio daquele estudante”.
“Criamos então o TODXS Escolas com foco nos professores, iniciamos com docentes da escola pública de SP. Por meio de nosso programa capacitamos estes docentes com ferramentas para que eles possam ser este ponto de referência e de acolhimento à diversidade sexual e de gênero na escola”.
“Se não fizermos este trabalho de base as empresas que buscam a diversidade vão continuar disputando pelas mesmas ‘100 pessoas’ LGBTI+ que conseguiram passar por todas as barreiras para chegar ao mercado de trabalho.”
6 – Saúde mental na pandemia
“Os voluntários da TODXS já trabalhavam de forma remota. Então, esse não foi a princípio um problema para nossa rede de colaboradores durante a pandemia”.
“No entanto, a saúde mental dos nossos voluntários, que são da comunidade LGBTI+, foi muito afetada pelo isolamento social. Muitos convivem dentro de casa com uma família que não os acolhe e ficaram longe da sua rede de apoio. Isso impactou na produtividade e no tempo de dedicação deles à organização”.
“Não só nossos voluntários, mas a comunidade LGBTI+, de uma forma geral, está passando por este período de pandemia de forma muito mais crítica. Muitas vezes, eles convivem com seus opressores.”
7 – Ausência de dados para políticas públicas
“Criamos o braço de Pesquisa da TODXS pois hoje o censo oficial não contabiliza a população LGBTI+. Os poucos dados que existem são de organizações do Terceiro Setor ou de Universidades”.
“Em 2019 fizemos uma pesquisa quantitativa, on-line, com 15 mil respostas válidas, mapeando seis áreas: perfil sociodemográfico, identidade de gênero, mercado de trabalho, saúde, participação política e violência. O primeiro relatório que extraímos deste levantamento sobre identidade e perfil sociodemográfico já está disponível para consulta em nosso site“.
“Mais de 90% da população trans vive hoje da prostituição e, durante a pandemia, eles estão em situação de vulnerabilidade, estão na rua. São necessárias mudanças estruturais que precisam ser promovidas por políticas públicas, para que possam ganhar escala. E, para que sejam criadas estas políticas, são necessários dados estatísticos desta população.”
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Imagens: reprodução