Fernando Schüler, professor de ética e ciência do Insper, destaca a crise da democracia e o “fim da empatia” com as redes sociais.
O Brasil – e o mundo – vive uma situação inédita. Em tempos de alta dependência da tecnologia, o que pode ser traduzido em smartphones conectados integralmente na internet, a democracia está em crise. Com doses de irracionalidade e de julgamentos imediatos e impensáveis, como se todos os brasileiros fossem juízes do Supremo Tribunal Federal. “A tecnologia tem impacto disruptivo na democracia”, alerta o professor de ética e ciência do Insper, Fernando Schüler. O acadêmico foi o convidado para a abertura da apresentações do CFO Week, realizado pelo Experience Club, nos dias 17 e 18 de maio no Sofitel Jequitimar Guarujá.
Além de seus estudos e percepções, Schüler fala embasado em dados da Freedom House, organização dedicada à expansão da liberdade e democracia. Hoje, questiona-se pelo mundo afora se a democracia está morrendo. Quando se olha para a China, o que se observa é um estado totalitário que, por meio da tecnologia, tem conseguido impor sua ditadura.
Por trás desse declínio da democracia há questões como a eleição de Donald Trump, o Brexit, a visão cada vez mais clara das desigualdades e também questões crescentes e preocupantes como o aumento da imigração, da xenofobia e do nacionalismo extremo de alguns países. “Estes fenômenos não seriam resultados da democracia? Um sinal de exuberância?”, questiona Schüler. Ou seja: o mundo vive hoje uma espécie de “poluição” desse debate. Ou haveria democracia maior que a realização de um plebiscito? E foi por meio dele que o Brexit se concretizou.
Fake news e a “cracolândia”
Junte-se à visão unilateral a ascensão das fake news. Embora se fale muito sobre a miséria, o que se viu foi uma queda da pobreza nos últimos 30 anos. Com mais renda, as pessoas ficam mais bem informadas, mais críticas e também mais insatisfeitas. É a chamada revolução do “mais”. Hoje cidadão crítico vai para a rua, embora os motivos não necessariamente estão muito claros, conforme ele destaca as grandes manifestações de 2013 no Brasil, sem lideranças claras e uma pauta difusa.
Isso levou, segundo Schüler, ao aumento da chamada “vetocracia”, no qual grupos passam a fazer pressão sobre determinado tema e a ganhar força na sociedade. “Ouvi uma frase de um economista na qual a opinião virou uma grande cracolândia”, diz, para resumir o momento em que vivemos, com a população inundada por informações nem sempre falsas, mas distorcidas.
Prepare-se: a polaridade – as discussões que mais parecem uma briga do bem contra o mal – tomou conta do debate público. Um ambiente que veio para ficar. Esse é o “novo normal”. Causa danos à democracia e gera baixa empatia dado o aumento do ódio e da agressividade. “Se todos continuarem a jogar sujeira, o debate vai virar um grande lixão.”
Texto: Françoise Terzian
Foto: Marcos Mesquita/Experience Club