Criador de campanhas icônicas da publicidade brasileira, como “Pipoca com Guaraná”, para Antarctica, e “Mamíferos” (Tomou?), para Parmalat, Nizan Guanaes mantém a mente afiada, o discurso inteligente e a originalidade em alta dos tempos de criativo de agência. O assunto, porém, agora é outro. Fala sobre a disrupção de 2020 e os novos cenários que despontam para a sociedade e para o ambiente corporativo.
“Todos nós estamos sendo chamados a rever o nosso modelo de negócios e precisamos optar entre ser viúvos de uma coisa que morreu, ou ser estagiários dessa garotada que está transformando o mundo”, afirma Guanaes que, desde 2018, é CEO da N Ideias, consultoria que atende 6 clientes: Itaú, Febraban, Magalu, Suzano, JHSF e Marfrig.
Guanaes já comandou uma holding de comunicação com duas mil pessoas e dez prédios. O Grupo ABC foi o maior grupo publicitário brasileiro em toda história, até a venda de 100% para o Omnicom, em 2015. “Eu vendi minha companhia porque percebi a minha indústria em transformação. A Publicidade no mundo inteiro é brilhante, mas precisa reestudar o modelo de negócio”, diz.
Aos 62 anos, autodeclarado analfabeto digital, curado da Covid-19 (“fui um dos 60 primeiros casos”), Nizan trouxe diversas provocações durante participação no evento online Experience Lab – O futuro da Sociedade Digital. Como uma máquina de produzir frases de efeito e slogans que grudam na cabeça da audiência, o publicitário apresentou ideias sobre o futuro do mundo corporativo e da sociedade.
Durante o painel, destacou a importância do autogerenciamento, da busca pelo essencial e alertou para problemas graves como o excesso de reuniões, falta de tempo e até a necessidade de oração – “que você pode botar o nome de mindfulness”, diz.
Com frases como “quem tem muito powerpoint não tem power nem point”, “minha sogra é melhor que a (consultoria estratégica) McKinsey” e “o desmatamento da Amazônia deve ser banido como o cigarro”, Guanaes apresentou oito provocações para desengavetar o futuro e uma nova visão sobre o poder da sociedade.
1 – Em muitos lugares faltam cabelos brancos
“Sou um analfabeto digital de 62 anos e, em vez de me aposentar, fui aprender em Harvard. Era o segundo aluno mais velho da turma, o primeiro tinha 67 anos. A meninada me dava um olé, mas ao mesmo tempo eu descobri em quais aspectos eu podia agregar. Em muitos lugares só vejo jovens e acho que o equilíbrio é muito bom, faltam cabelos brancos. A inteligência é mais limitada que a burrice, porque a inteligência tem fim, a burrice não. Um sujeito que olha para o século 21 e acha que uma transformação brutal não está em curso, ele não quer ver”.
2 – Vamos ser noivos das novas possibilidades
“Tem muito modelo de negócio que, por mais que o negócio seja bom, o que acabou foi o modelo de negócio – ou ficou datado. A publicidade no mundo inteiro é brilhante, mas precisa reestudar o modelo de atuação, por exemplo. Lógico que tem um monte de gente jovem que vai trabalhar na reinvenção do setor e vamos ter que decidir se vamos ser viúvos dos modelos de negócio, ou se vamos ser noivos das novas possibilidades. Temos de ser vivedores, não vamos ser morredores”.
3 – A doença do século se chama excesso de reunião
“Uma das coisas que eu mais sinto dentro das organizações é que pessoas estão exaustas e não têm tempo de se reinventar. A força de trabalho fica obsoleta dentro das companhias porque não tem tempo. Os colaboradores estão sempre jogando na retranca e são vítimas da maior doença empresarial do século, que se chama excesso de reunião. Se você quiser saber todas as empresas que têm problema são aquelas em que você liga para o CEO, para o VP, para os altos dirigentes e eles estão sempre em reunião. Esta forma de fazer tem que mudar”.
4 – O mundo precisa regular o que está surgindo
“O mundo precisa regular coisas novas que estão surgindo e vão criar novos problemas. Facebook é maravilhoso, o Google e a Amazon também. Mas todas estas empresas precisam ser reguladas. Eu sou um cara super liberal, mas não é possível tanto poder e o sujeito não ter compromissos. As redes sociais, que são incríveis, hoje são pestilentas. São um palco aberto para ódio, disseminação de ideias horrorosas, destruição de reputações, desvirtuam opiniões. Quanto maior você é, mais responsabilidade. Tem que ser do tamanho do seu poder de fogo. Estas grandes instituições têm que ser reguladas”.
5 – As organizações estão sendo mortas por power point
“Precisamos tirar o futuro da gaveta. Quem disrupta os negócios não é a tecnologia, mas clientes mal atendidos, porque o produto que estamos vendendo ficou datado. Nunca se falou tanto de futuro e se praticou tanto o passado. As organizações estão sendo mortas por power point. Quem tem muito power point geralmente não tem nem power nem point”.
6 – Ouvir mais, falar menos
“Saber se comunicar bem não é falar, mas ouvir. A maior parte do sucesso que tive na vida não veio da língua, mas das minhas orelhas. Não tinha a melhor mente da Publicidade, mas tinha as melhores orelhas. Eu ouvi coisas. As pessoas geralmente não ouvem os outros. O sujeito chega do lado, lhe dá uma super ideia e você não ouve. Por causa disso joga fora as melhores oportunidades, as soluções mais óbvias”.
7 – O desafio te puxa para o século 21
“Eu quero agradecer a todos os jovens que neste momento no mundo estão criando algo que eu não vou entender. Quero agradecer a todos os participantes que me desafiam a acabar a maratona de Nova York, porque quando eu digo ‘não vou aguentar mais’, tem um sujeito correndo do meu lado que não tem perna. Ele corre com as mãos e isso me empurra. É o sujeito que lhe desafia que lhe puxa para o século 21. Agradeça a este cara. O concorrente que faz melhor e lhe tira da zona de conforto, hoje à noite tome um vinho e brinde a ele. Seja vivedor, seja estagiário do século 21, aprenda, erre e construa com suas dúvidas e inseguranças este século maravilhoso”.
8 – Manage yourself
“Eu estou lutando loucamente para rezar meia hora por dia. Rezar é uma coisa muito importante e você pode botar o nome de mindfulness. Tem que dedicar um tempo para isso porque estas coisas centralizam e dão perspectiva do que é essencial. Manage yourself, ou seja, é fundamental saber como gerir você mesmo através do esporte, do sono, da espiritualidade, da prioridade. Tudo isso vai ajudar a ser um CEO melhor ou um dono melhor. Duas coisas são fundamentais: manter a forma física e centrar no essencial, gerenciar menos, não ser obrigado a cuidar de todas as coisas na companhia. Quem tem mais que cinco prioridades não tem prioridades. Não existem 17 prioridades na vida. Nós temos que tirar o excesso que as companhias têm. Um dos pontos deste novo normal é que as companhias que eu vejo que são os grandes players estão focando em menos coisas que vão gerar impacto para elas, para o acionista, para o consumidor. Para mim, menos é o novo normal.”
Texto: Andrea Martins
Imagens: reprodução