Os millennials são uma geração com menos suporte econômico que a de seus antecessores. Apesar de todas as facilidades e expectativas em torno das novas tecnologias, um estudo recente lançado este ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que, desde meados do século passado, o percentual de pessoas na casa dos 20 anos que se enquadram na classe média nunca foi tão baixo quanto na geração millennial, nascida entre 1983 e 2002. Na média dos países da OCDE, o percentual é de 60%, enquanto na Geração X (1965 a 1982) foi de 64% e, entre os baby boomers (1942 a 1964), de 68%.
Mesmo com a crise de 2008 e os elevados índices de desemprego no mundo, nos anos que se seguiram, a narrativa mais comum é a de que o fracasso é culpa dos próprios millennials, frequentemente classificados como acomodados, desinteressados por carreiras tradicionais e viciados em tecnologia e videogames. De fato, pesquisas mostram que se trata de uma geração sonhadora, que privilegia trabalhos com propósito, demora a sair da casa dos pais e a constituir família. Mas há também quem atribua tal comportamento não à algo inerente a geração em si, mas ao fato de ter sido moldada em um ambiente de crescente desigualdade.
É o caso do americano Michael K. Spencer, consultor em blockchain da Mark Consultant e futurista. Em um artigo recente publicado na plataforma Medium, Spencer levanta a questão. Em defesa da geração millennial, da qual faz parte, cita como justificativas para a má reputação as elevadas dívidas contraídas para estudar competências que têm se tornado rapidamente obsoletas, os custos crescentes de moradia e aquisição de imóveis e os ganhos cada vez menores proporcionados por bicos e empregos de meio período, além do peso de todos esses fatores combinados sobre o moral dos jovens.
“Enquanto algumas pessoas perderam ações, economias de uma vida e fundos de aposentadoria, nós perdemos nossos sonhos, nossa esperança, nossa dignidade e, às vezes, nossa sanidade e identidade”, escreve. Diante de tudo isso, continua, “muitos de nós perdemos também a fé no capitalismo”.
É um drama que não costuma contar pontos nos processos de seleção das empresas. E a julgar pelas demandas atuais do mercado de trabalho, o cenário tende a piorar para os millennials. Segundo Ricardo Basaglia, diretor-executivo da Michael Page, consultoria de recrutamento de executivos, com o avanço da tecnologia e a automatização de processos, as estruturas das empresas estão mais enxutas. Em paralelo, a forma de recrutamento mudou. Antes, era mais baseada no que o profissional colocava no currículo, diz. “Hoje, as empresas estão mais interessadas em avaliar a experiência em termos de resultados, e é preciso se manter atualizado”, afirma.
“Todo profissional é como se fosse um app em constante atualização. Em relação à versão anterior, o que está trazendo de novo? Que bugs corrigiu?”
A tecnologia facilitou a tarefa de se manter em dia com as novidades. Mas, ao mesmo tempo, tornou a distância entre quem tem e quem não tem acesso a ela ainda maior, afirma Basaglia. “A régua ficou mais alta”, avalia o consultor. E, para piorar, muitos millennials estão em descompasso com as demandas atuais das empresas em relação às características interpessoais. Em geral, diz Basaglia, elas têm buscado profissionais mais comprometidos, flexíveis e capazes de alinhar interesses pessoais e profissionais na construção da carreira. Nada que combine muito com a reputação dos millennials.
Texto: Dubes Sônego
Imagem: Unsplash