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O parquinho da diversidade

Diante de clientes mais conservadores, até onde uma empresa está disposta a ir em prol da inclusão? Trata-se de uma pergunta genuína que devemos responder para qualificar as ações e discutir a construção de novos patamares civilizatórios

Por Gustavo Glasser

No Brasil, investir em programas de inclusão profissional de pessoas pertencentes a grupos minorizados se tornou fator estratégico para companhias de diferentes portes, sobretudo as maiores empresas. Certamente, parte desse comportamento corporativo vem da demanda do público consumidor das marcas e dos produtos – basicamente, do que podemos chamar de poder e influência do cliente. Mas, até onde uma empresa está disposta a ir em prol da inclusão? Essa questão é mais do que uma provocação; antes, trata-se de uma pergunta genuína que devemos responder para qualificar as ações e discutir a construção de novos patamares civilizatórios. Imagine um banco que contrata como gerente uma mulher trans e, ao se deparar com a nova profissional, um cliente mais conservador se recusa a ser atendido por ela e ameaça a instituição de levar o seu rico dinheirinho para um concorrente. Nesse cenário, qual será a postura da instituição: defender o próprio programa de diversidade e a profissional contratada ou contentar o correntista?

Esse tipo de situação é menos hipotética do que parece. Posso afirmar categoricamente que na Carambola, diariamente, temos relatos de momentos como esses. Com medo dessa encruzilhada, algumas empresas fazem uma espécie de “adequação” indecente de seus programas. Ou seja, querem contratar uma negra para a linha de frente do atendimento ao cliente, mas ela não pode ter cabelo afro ou se vestir de maneira chamativa; querem um gay, mas não pode ser afeminado; querem um homem trans, mas tem que parecer bem masculino – a ideia é que ninguém note ou se sinta agredido pela presença do “diferente” na empresa. Oras, que tipo de comprometimento é esse com programas e práticas de inclusão e diversidade? No melhor dos casos, posso dizer que não há comprometimento, correto? Mas, vou além: não há verdade!

E, o que vem a ser comprometimento? É sair de cima do muro, parar de lançar cortina de fumaça em formato de programas pífios, usar o dinheiro do comercial bonito e com gente diversa para criar essa realidade dentro da empresa. É ser para valer e arcar com o ônus dessa decisão; se responsabilizar. Aí, no caso do cliente conservador, o conflito sobre quem deve ser atendido em sua demanda simplesmente não existe! Esse consumidor não será bem-vindo, enquanto persistir nessa postura. E, em um mundo ideal, o correto é que ele não tenha nenhum lugar para investir; que tenha de guardar o dinheiro no colchão. Temos que ir da escassez para a abundância de comportamentos éticos e socialmente inclusivos. Esse é o ponto crucial.

Aqui, podemos dar um passo adiante nessa elaboração sobre a real inclusão, que é a criação de ações afirmativas. Essa expressão tem sido utilizada de maneira bastante vaga e imprecisa. Pela ótica das empresas, desenvolver ações afirmativas está associada à criação de grupos LGBTQIA+ dentro da companhia, que acabam por se tornarem verdadeiros guetos que evitam que as questões se misturem e pontuem todo o ambiente corporativo. É como se criassem um parquinho e falassem: “coloca eles ali para brincarem de diversidade, enquanto a gente se ocupa do que é sério”. E, como resultado, não vemos o ponteiro da inclusão mexer. Os programas de formação – voltados a alimentar a inclusão – são ineficientes e não estão levando esses profissionais diversos a ascender ao topo da pirâmide corporativa. Na prática, poucas mulheres pretas estão liderando as grandes empresas, apenas para citar um exemplo.

No próximo artigo, pretendo aprofundar a minha visão sobre as ações afirmativas. De qualquer forma, pontuo que elas não estão sendo efetivas, porque ainda atuam na lógica da segregação, criando clusters de minorizados dentro das empresas. Parece-me que a inclusão é uma onda que está sendo surfada, momentaneamente. E aqui está o perigo. Vamos deixar que o ESG (Environmental, Social and Corporate governance) seja uma moda passageira? Vamos permitir que a inclusão de pessoas de grupos minorizados seja uma breve movimentação e que não as leve às instâncias de poder? E, vale ressaltar que a responsabilidade de criarmos ambientes corporativos mais diversos não é apenas da área de Recursos Humanos. Esse, aliás, é um outro comportamento equivocado. Sejamos mais profundos!

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