Para o Jaques Haber, head de impacto da EqualWeb Brasil, as empresas perdem oportunidade de atender a um mercado potencial de 45 milhões de pessoas no país. Menos de 1% dos sites brasileiros são adaptados para pessoas com necessidades especiais
Em plena pandemia, o acesso à Internet permitiu que milhões de pessoas continuassem a trabalhar, estudar e comprar produtos e serviços online. No entanto, essa aparente facilidade não leva em conta as cerca de 45 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência no Brasil. De acordo com um levantamento da Web para Todos, menos de 1% dos sites brasileiros são adaptados para pessoas com deficiência.
O tema de inclusão por meio da acessibilidade digital é a bandeira de Jaques Haber, head de impacto da EqualWeb Brasil. “Quando você oferece o mesmo nível de informação para uma pessoa com deficiência você está equiparando oportunidades. Não se pode falar de meritocracia ou de uma sociedade mais inclusiva se não há equidade”, explica.
Jaques é defensor da causa pois sentiu na pele como pessoas com deficiência passam a ser invisíveis para a sociedade. O executivo é casado com a cadeirante Andrea Schwarz, CEO da iiGual e ativista de diversidade e inclusão – seus perfis nas redes sociais somam mais de 200 mil seguidores no LinkedIn e 80 mil no Instagram.
Coca-Cola e McDonald’s estão entre os clientes mundiais da EqualWeb, startup israelense que chegou ao país há poucos meses. No Brasil Dasa, Motorola, Espaçolaser e FGV já adquiriram a solução – uma ferramenta que usa inteligência artificial para integrar até 31 funcionalidades de acessibilidade ao site. As empresas estão em fase de testes e avaliação da ferramenta que, por usar machine learning, passa por ajustes e aprendizados ao ser incluída em um novo site.
Veja a seguir, os principais trechos da entrevista:
1 – Experiência pessoal motiva causa
“Andrea (Schwarz) era minha namorada desde a faculdade e ela ficou na cadeira de rodas aos 20 anos. Éramos jovens e nunca havíamos passado por uma dificuldade muito grande na vida. Mesmo sem andar, a Andrea continuava a ser a mesma pessoa pela qual eu era apaixonado, mas a sociedade começou a enxergar ela de uma maneira completamente diferente. As pessoas só viam sua deficiência e eu era visto como seu cuidador. Isso obviamente nos incomodava, pois começou a trazer menos oportunidades para ela no mercado de trabalho.”
“Um ano após o ocorrido, queríamos voltar a frequentar restaurantes e outros lugares a que íamos antes. Foi quando percebemos que não existia informação disponível sobre os ambientes acessíveis em nossa cidade. Em 1999, resolvemos fazer o Guia São Paulo Adaptado, que foi a primeira publicação a colocar os deficientes no papel de protagonistas e a reconhecê-los como consumidores. A Andrea se tornara invisível como consumidora para a sociedade, mas eu, seus pais, nossos filhos, todos escolhemos lugares acessíveis para frequentar por causa dela. Hoje, ela é CEO da consultoria iiGual, que trabalha a inclusão de deficientes no mercado de trabalho. Após mais de 20 anos, já atendemos mais de mil empresas e 20 mil pessoas deficientes.”
2 – Transformação digital acentuou exclusão
“Andrea começou a trabalhar nas redes sociais para não depender só da mídia para falar sobre sua visão de mundo. Ela queria espaço para combater o capacitismo, que subestima a capacidade e aptidão das pessoas com deficiência. Por meio deste trabalho nós nos aproximamos da EqualWeb. Conhecemos a startup após o Ricardo Hetchman, nosso diretor de inovação, fazer uma missão com executivos para Israel e conhecer a solução de acessibilidade da empresa. Em parceria com Marcelo Herskovits e Edmundo Fornasari, os demais sócios da empresa no Brasil, eles resolveram trazer a solução para o país e me convidaram para integrar a equipe como Head de Impacto. Hoje, menos de 1% dos sites brasileiros podem ser considerados acessíveis. Durante a pandemia, quando estar conectado à internet tornou-se uma necessidade ainda maior, a falta de acessibilidade aumentou a exclusão das pessoas com deficiência.”
3 – Equiparar oportunidades
“Ao falar de acessibilidade digital não estamos só incluindo pessoas com deficiência. Recentemente passei a precisar de óculos para ver de perto, descobri isso ao pegar a bula de um remédio e ver que não conseguia enxergar as letras pequenas. Na ocasião, bati uma foto com o celular e ampliei a imagem para poder ler o que estava escrito. O que eu fiz foi usar um recurso de acessibilidade digital para acessar aquela informação”.
“Pessoas idosas, ou as com 50+, que têm subvisão, também podem se beneficiar de um recurso de acessibilidade que aumenta as letras do site. Pessoas daltônicas precisam usar recursos que permitem que elas mudem as cores das letras de um site para conseguir ler melhor. No Brasil, temos quase 10 milhões de pessoas daltônicas”.
“Quando se oferece o mesmo nível de informação que existe na internet para uma pessoa com deficiência você está equiparando oportunidades. Não se pode falar de meritocracia ou de uma sociedade mais inclusiva se não há equidade. Queremos ir além da visão assistencialista aos deficientes e dar as oportunidades para que eles se desenvolvam e possam ser protagonistas da sua vida.”
4 – Oceano azul para as empresas
“Se você não tem uma liderança diversa, como vai se conectar e enxergar as dores do seu público? Como uma liderança majoritariamente composta por homens, brancos, heterossexuais e sem deficiência conseguem entender a necessidade específica da Andrea? E ela é uma superconsumidora, tem sua própria empresa, gerencia as compras da casa, da família. Em que local ela irá consumir esses produtos e serviços? Em empresas que percebem sua necessidade específica”.
“Quando falamos de comunicação pela internet, quem oferece recursos de acessibilidade em seu site vai sair na frente como negócio. Hoje, estima-se que 25% da população brasileira, cerca de 45 milhões de pessoas, tenham algum tipo de deficiência. E a deficiência é transversal, está em todo o espectro da pirâmide populacional, atinge do mais rico ao mais pobre, brancos e negros, enfim, não existe restrições. Para as empresas, atuar com este público pode representar um oceano azul de oportunidades.”
5 – Facilidade de implementação
“A solução da EqualWeb usa uma inteligência artificial de ponta que foi construída seguindo os parâmetros internacionais de acessibilidade (WCAG). Quem contrata nossa solução recebe uma simples linha de código em Java Scprit, que deve ser adicionada ao site. Nosso widget tem um menu com até 31 funcionalidades de acessibilidade digital que atendem as mais diversas necessidades específicas dos usuários”.
“Um daltônico pode ajustar a cor do texto ou a cor do fundo e ler o que está escrito no site. Uma pessoa tetraplégica pode usar o comando de voz para navegar. Um leitor que tem subvisão ou um cego usa o recurso de leitura de tela por voz. Uma pessoa que sofre de epilepsia usa o recurso de bloqueio de intermitência de brilho, para que elementos móveis não causem um surto de epilepsia. Uma vez configurado, o recurso já fica ativo na próxima visita ao site.”
6 – Clientes
“Mundialmente temos clientes como Coca-Cola, McDonald´s e Motorola. No Brasil já estamos com 60 clientes, entre eles a rede Dasa, Espaçolaser, FGV, Basf, entre outros”.
“O tema acessibilidade digital não é tratado nas organizações, pois a alta liderança ainda não percebe que o problema existe. Por isso a conscientização é importante”.
“Em poucos meses de operação, tornamos acessíveis a mais de 100 mil páginas no Brasil. Como head de impacto da EqualWeb, Brasil essa métrica é a mais importante. Quanto mais empresas se preocuparem com isso, maior será a conscientização do mercado. Para o próximo ano nossa, meta é quadruplicar de tamanho.”
“Acessibilidade digital é parte da estratégia de inclusão”
Segundo Paulo Morais, CEO da Espaçolaser, usuária da EqualWeb, empresa teve mais de 10 mil acessos online utilizando os recursos de inclusão da empresa.
1 – Programa Espaçolaser Abraça
“O tema da inclusão é, para mim, uma realidade há 29 anos, idade do meu primeiro filho, que tem deficiência mental. Olhando os desafios do João Paulo, e pensando como poderíamos sensibilizar mais pessoas que não conhecem essa realidade no dia a dia, criamos o Espaçolaser Abraço, um programa que capacita jovens com deficiências intelectuais que querem trabalhar em nossas lojas”.
“Os candidatos inscritos passam por três meses de formação e capacitação. Após este período, são convidados a trabalhar conosco”.
“Estamos abrindo as inscrições para a terceira turma do programa, que terá 70 vagas para qualquer tipo de deficiência”.
“Contratamos 11 jovens da primeira turma e estamos em processo de admissão de mais 19 profissionais da segunda turma. Convidamos todos os participantes, mas muitos ainda não se sentem confortáveis de trabalhar com o público presencialmente, por conta da pandemia”.
“Nosso sonho é ter ao menos uma pessoa com deficiência em cada unidade – são 653 em todo o Brasil.”
2 – Solução de acessibilidade
“Desde que implementamos a solução da EqualWeb tivemos mais de 10 mil acessos à funcionalidade. Temos notícias de clientes deficientes que contrataram nossos serviços porque conseguiram as informações que precisavam ao navegar pelo site usando os recursos de acessibilidade”.
“O mais importante para mim é que as pessoas se beneficiem do uso da ferramenta, independente se vão contratar ou não nosso serviço. Para a Espaçolaser é importante atender os critérios de governança de site acessível da legislação – Lei Brasileira de Inclusão – e manter nosso propósito de ser uma empresa mais inclusiva para a sociedade.”
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Imagens: reprodução