Categories

Most Viewed

“Inovação é sobre criar futuros e novas realidades”

“Inovação disruptiva é conectar a inovação corporativa a problemas reais ambientais e sociais, que podem gerar novas oportunidades de negócio”, diz Tulio Notini, diretor de inovação corporativa da Yunus Brasil. É dessa forma, conta, que busca instigar uma reflexão mais profunda nas empresas, para que pensem em ir além das práticas ESG.

Com clientes como AMBEV, Reckitt-Benckiser, Danone e NeoQuímica, a consultoria tem como parceiros estratégicos o Fórum Econômico Mundial e a Universidade Singularity.  

Criada há dez anos pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006, Muhammad Yunus – o pai do microcrédito e criador do Banco Grameen –, a Yunus Negócios Sociais chegou ao Brasil em 2013. Em 2016 a consultoria começou a trabalhar com corporações e, em parceria com a Ambev, criou o primeiro negócio social corporativo: a água AMA, novo produto no portifólio da empresa, intrinsecamente ligado a bebidas, ao negócio principal da organização.  

“Hoje, 70% dos produtos da Ambev dependem de água. Faz todo o sentido para a empresa criar um negócio que reverte 100% do lucro para levar água potável a quem não tem acesso. Atualmente, 230 mil pessoas se beneficiam desse projeto”, conta. 

Nesta entrevista, Tulio revela os quatro principais desafios da discussão de impacto na estratégia das organizações e fala sobre o dever das empresas em retornar algo concreto para a sociedade, não só zerar o impacto social e ambiental que causam. 

1 – ESG está no grau um de impacto 

“A Yunus está no Brasil desde 2013 e começou a trabalhar com corporações em 2016. No início, nossa entrada nas empresas era por meio das áreas de sustentabilidade, que entendiam nossa entrega. De uma forma geral, as empresas ainda não estavam conectadas ao nosso discurso”. 

“Nesse período, o ESG veio crescendo como movimento, se consolidando nos últimos anos e começando a ser transversal ao negócio, e não de uma área específica. Em 2019, a Yunus já se conectava com as áreas de inovação e marketing das empresas”.

“Essa tendência vem amadurecendo até por conta do Pacto Global da ONU e de outros movimentos importantes que têm potencializado a discussão.”  

“Quando você olha a barra do ESG ela não é tão alta. Pensando no S de Social, que é onde a Yunus atua, normalmente fala-se de diversidade nas organizações, mas não se fala de problemas muito simbólicos e estruturantes do Brasil como a desigualdade social e o racismo. Como as empresas podem pensar seu próprio negócio para criar a inovação que vai mudar o sistema da empresa para gerar impacto social?” 

“A Yunus vai além do ESG, que é uma discussão que traz mobilizações importantes, mas é uma discussão de grau 1 a meu ver.” 

2 – Aprofundando a discussão 

“Para que possamos realmente transformar a economia e endereçar os principais desafios que temos como humanidade precisamos subir mais três, quatro degraus”.

“Isso deve ser pensado mais profundamente por todos os stakeholders (partes interessadas) com o objetivo de criar impacto, resolver problemas da sociedade e gerar valor para o próprio negócio. É preciso olhar de que forma o ESG pode estar em toda a cadeia, na capacidade de inovar criando produtos e serviços e de se conectar com problemas reais”.

“Quando a empresa se engaja em questões da sociedade, encontra espaços para gerar impacto e conectar seu negócio a públicos com os quais ela não se relacionava antes.” 

“ESG não é um projeto de trimestre (quarter)” 

3 – Primeiro case de venture building no Brasil  

“Sempre trabalhamos com empresas identificando as arenas de problemas nas quais o negócio principal (core business) dela é acionável para resolver”. 

“Trabalhamos com a Ambev desde 2016 e identificamos que o acesso à água é uma questão primordial para eles, porque 70% de seus produtos dependem deste recurso.

“A Ambev tem uma fortaleza muito grande para criar marcas fortes e o primeiro projeto com a Yunus foi o da Água AMA, em que 100% do lucro do negócio é revertido para levar água potável a quem não tinha acesso antes – 230 mil pessoas hoje se beneficiam disso. É o primeiro negócio social corporativo do Brasil e faz sentido para todos os stakeholders, para os colaboradores, investidores, C-Level.” 

“Hoje a Ambev tem um head de impacto social que olha para projetos de impacto conectados ao negócio. Eles desenvolveram uma cerveja que é produzida com pequenos produtores de mandioca”. 

“Durante a pandemia de Covid, a cultura da empresa já estava contaminada positivamente por essa mentalidade de impacto, então rapidamente as fábricas foram redirecionadas para produzir protetores faciais e álcool gel; o modelo de gestão foi usado para a construção de um hospital na periferia de São Paulo, que foi doado à rede pública municipal de saúde”. 

“Recentemente a Ambev recebeu prêmios de inovação e sustentabilidade pela Fast Company, reconhecimento que a empresa nem pensava em alcançar há alguns anos.” 

3 – Conexão com o negócio principal (core business) 

“Essa conexão com o negócio principal (core business) é muito importante, principalmente por estar ligado a um pilar do negócio”.

“Fizemos uma pesquisa com o Fórum Econômico Mundial avaliando 50 casos globais de empresas que geram impacto como estratégia de negócios e verificamos que isso contamina o próprio processo de inovação da empresa, a imagem da marca, o engajamento do funcionário e a retenção de talentos. Esses são indicadores de impacto que não são necessariamente financeiros, mas que têm um valor indiscutível”.

“O mais importante é que estar ligado ao negócio permite que esse investimento se sustente no médio e longo prazos. Isso transforma o próprio jeito da empresa de fazer negócios.” 

4 – Diversificação de portifólio 

“As áreas de inovação das empresas geralmente olham somente para a criação de um novo produto ou serviço e para a conquista de mercados. Eu acredito que inovação disruptiva é conectar a inovação a problemas reais ambientais e sociais que podem gerar novas oportunidades de negócio”. 

“Alguns exemplos são o mercado de carbono ou as empresas de saúde que atendem a base da pirâmide. Estes são lugares que estão sendo ocupados com uma perspectiva de resolver um problema real e criar uma nova linha de negócios. A maximização do retorno não vai ser um imperativo, mas há outros indicadores de impacto”.

“Além disso a empresa começa a se conectar a públicos com os quais não se relacionava anteriormente. Esses novos produtos podem ser uma estratégia de diversificação de portifólio, que usa o potencial da empresa para entregar também impacto social. Assim a organização tem um portifólio muito mais resiliente, com uma rede de públicos de interesse (stakeholders) mais diversa”.

“Inovação é sobre criar futuros e novas realidades.”

5 – Grau de maturidade 

“As empresas estão em estágios diferentes de entendimento da inovação de impacto, por isso nosso lema é sempre acolher, entender o grau de maturidade e começar algo concreto e prático”. 

“Conversamos com empresas mais maduras, que já entendem a inovação de impacto e onde a discussão da sustentabilidade é transversal ao negócio. Com elas, criamos projetos de venture building, hubs de inovação interna ou projetos de social procurement, que conecta negócios de impacto à sua cadeia de fornecedores”. 

“Em outras organizações, temos de iniciar a discussão, expandir o conceito para o C-level. Nesses casos costumamos fazer um workshop de mapeamento de futuro, que olha o mercado, o core do negócio, onde estão os competidores e os problemas com os quais a empresa pode se conectar. Temos a humildade de entender o momento da empresa e os níveis de serviço que ela está preparada para receber e eventualmente convidamos outro parceiro para trabalhar com eles, pois ainda não é o momento de a Yunus estar atuando no negócio.”  

6 – Perspectivas 2021 / 2022 

“Em novembro de 2021, a Yunus completa dez anos de atuação a nível global. Aqui no Brasil, nesses cinco anos de atuação direta com corporações, testamos novas abordagens, serviços e projetos, acompanhando a maturidade do mercado e das empresas”.

“Estamos avaliando como podemos transpor isso para a discussão ambiental, econômica e de negócios circulares. Vamos divulgar até o fim do ano os resultados de duas pesquisas, a primeira delas sobre social procurement. Analisamos a área de procurement de várias empresas no mundo, especialmente as que já se conectam com negócios de impacto”. 

“A outra pesquisa é resultado de entrevistas que fizemos com CEOs de diversos países para entender como eles se conectam com a pauta da inovação de impacto e qual a importância deles para fazer isso descer nas organizações”.

“Nós acreditamos que a Yunus deve ter esse papel de provocar as empresas para atuar na economia regeneradora. Não dá mais para somente neutralizar os impactos sociais e ambientais, é preciso devolver para a sociedade e ir além do ESG.”

7 – Quatro desafios corporativos para se ter um negócio de impacto 

  • Velocidade – “Esse é um dos principais desafios, pois tem a ver com a mudança de mentalidade de como as empresas funcionam hoje. As empresas pensam muito no curto prazo, nos resultados do trimestre. E ter uma estratégia consistente de ESG é algo que é construído no longo prazo.”
  • Fazer primeiro, falar depois – “É natural que as áreas de marketing e comunicação das empresas entendam que as ações de impacto são uma oportunidade de divulgação. Mas é importante primeiro construir, ter consistência, para depois falar sobre isso.”
  • Paradigma do retorno – “Se estou falando de construir um negócio novo, de impacto social, não é algo para gerar retorno financeiro de curto prazo. Existem novos indicadores de impacto que devem ser mensurados e principalmente priorizados.” 
  •   Paradigma da exclusividade – “É importante mencionar que as empresas não vão conseguir ocupar um espaço e falar que esse problema é só delas. Não dá para ter o discurso ‘Sou a empresa que está resolvendo o problema de saúde no Brasil’. As questões são tão amplas que precisa de outras organizações e empresas atuando, inclusive as concorrentes do negócio. Emmanuel Faber, ex-CEO da Danone diz que ‘quando a gente coloca impacto no centro e a vontade de criar e resolver problemas sociais a área é desmilitarizada’. As empresas têm que entender que esse tipo de inovação não pode criar barreiras.” 

Texto: Monica Miglio Pedrosa

Imagens:  reprodução e unsplash

    Leave Your Comment

    Your email address will not be published.*

    Header Ad