Marcelo Ramos, CEO no Brasil do unicórnio francês Swile, afirma que a meta é aumentar de 100 mil para 500 mil o número de usuários dos serviços da empresa no país, até o final de 2022
A francesa Swille, de benefício, desembarcou no mercado brasileiro apenas em fevereiro deste ano, com a aquisição da brasileira Vee. Mas com o aporte de US$ 200 milhões do Softbank, em outubro, a empresa estabeleceu metas agressivas de crescimento e pretende dobrar o número de usuários, para 1 milhão de colaboradores, até o final de 2022 — metade deles no mercado brasileiro. “No Brasil fomos pioneiros na oferta de benefícios flexíveis e outros players surgiram depois com oferta semelhante. Vamos mudar o mercado em 2022 e consolidar esse novo modelo em 2023”, afirma Marcelo Ramos, CEO da Swile Brasil.
Na avaliação do executivo, o crescimento rápido será possível porque o modelo de negócios da Swile oferece vantagens para todos os stakeholders (partes interessadas) do processo: empresas, usuários e estabelecimentos. Para os usuários, foco na experiência de uso, com oferta de benefícios personalizados e individualizados para a livre escolha em oito categorias. Para os estabelecimentos comerciais, taxas de 2%, ao invés dos 5 a 9% cobrados pelos competidores tradicionais, além da possibilidade de recebimento instantâneo do valor em carteira digital. No mercado tradicional, o resgate é em 35 dias. Para as empresas, diz Ramos, é um produto que permite uma oferta mais atraente para a retenção de talentos, com capilaridade nacional, por meio dos 4 milhões de estabelecimentos que aceitam o cartão Swile com bandeira Mastercard.
“Hoje o mercado é dominado por três grandes players, que detêm 90% do market share, e por isso mesmo não têm o impulso de inovar ou transformar seu modelo de negócios”, afirma Ramos. A briga pela transformação do setor, compara, é similar a das fintechs em relação aos bancos tradicionais e deve ocasionar importantes mudanças nos próximos anos. O mercado de benefícios movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano, segundo estimativas da própria indústria.
O avanço no mercado mexicano, o terceiro maior do mundo, também está nos planos, diz Ramos.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
1 – Vee nasce de uma dor do fundador
“A Vee foi pioneira ao trazer o conceito de benefícios flexíveis ao Brasil. A empresa nasceu de uma dor que vivenciei como investidor em um restaurante, em 2015. O negócio não estava dando o resultado esperado e um dos motivos eram as altas taxas que deviam ser pagas pelos vouchers de alimentação e refeição. Por outro lado, como dono de uma empresa de comunicação, eu pagava de forma antecipada o voucher para meus colaboradores, mas o restaurante só recebia esse valor 35 dias depois de prestar o serviço, com um desconto de 7% e taxas adicionais para antecipação de recebíveis. Essa lógica não fazia sentido para mim. O estabelecimento, que é quem efetivamente provê a alimentação, é o mais prejudicado na cadeia. Foi quando vi que havia uma oportunidade para fazer diferente.”
2 – Novo modelo de negócios
“Nosso modelo de negócios elimina o rebate dos players tradicionais e reduz as taxas sobre os estabelecimentos. Conseguimos fazer isso pois criamos a empresa do zero. Os três grandes players, que detêm 90% do mercado (Sodexo, Alelo, Ticket), não conseguem mudar de imediato sua oferta financeira. Outro ponto importante foi nossa decisão de estar alinhado com as regras do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) e oferecer flexibilidade de benefícios dentro da legislação e regulamentação do setor.”
3 – Rede de estabelecimentos
“Em 2018, após a aprovação do nosso produto no PAT, ainda tínhamos um desafio que era a capilaridade da rede, pois dependíamos do crescimento orgânico para expandir. Foi quando decidimos plugar uma bandeira [Mastercard] ao nosso cartão e imediatamente passamos a ter uma rede nacional com mais de 4 milhões de estabelecimentos, se considerarmos as oito categorias de benefícios que oferecemos. Ter uma bandeira é um diferencial para empresas nacionais que têm presença em cidades com menos de 1 milhão de habitantes. Nesses locais, os players tradicionais precisam contratar parceiros locais para atender seus clientes e nós já oferecemos uma rede local pronta para as empresas.”
4 – Diferenciais para a rede
“No nosso modelo, o estabelecimento passa a ser regido pelas regras de negociação da bandeira e da adquirente. A negociação de crédito tem taxas de 2%, muito mais agressivas do que qualquer negociação de um dos três grandes players tradicionais do segmento de benefícios, que hoje negociam taxas que variam entre 5 a 9%. Também temos uma operação própria de pagamento digitalizado usando QRCode, em que os 3,5 mil estabelecimentos credenciados recebem pagamento instantâneo, com uma taxa de apenas 2%.”
5 – Early adopters
“No início tivemos adesão de empresas pequenas, com até 100 vidas, startups de tecnologia que fazem questão de aderir a uma oferta nova e diferenciada para seus colaboradores. Essas empresas early adopters são as que têm um mindset (mentalidade) de Great Place to Work (melhores lugares para se trabalhar), onde manter os talentos na empresa é prioritário. Quando plugamos o cartão à bandeira Mastercard e ampliamos nossa rede de estabelecimentos, começamos a entrar de fato em grandes empresas. A primeira delas foi a varejista Amaro. Depois vieram Whirlpool, Ambev, PetLove e Bayer.”
6 – Alternativa à taxa de rebate
“Muitas vezes as grandes empresas não sabem como o modelo de negócios tradicional é injusto para o estabelecimento na ponta e é provavelmente de lá que elas tiram o resultado financeiro que é dado ao RH das empresas, em forma de rebate. Também é nosso papel mostrar ao RH que é muito provável que esse dinheiro seja usado para promover outros benefícios para seus colaboradores, e a nossa solução já apresenta parceiros e serviços agregados em um só produto. Hoje, temos parcerias exclusivas com a plataforma ChefsClub, que oferece descontos de 15% a 50% em mais de 2,5 mil restaurantes no Brasil; com as startups Zenklub e Vittude, para oferta de saúde mental; com a TotalPass, que oferece um plano fixo de academia a R$ 59,90 por mês; e com a NewValue, plataforma de benefícios e descontos em serviços de viagem, cultura e lazer, entre outros.”
7 – Flexibilidade de benefícios
“Nosso produto abarca todos os tipos de empresas. Atende as que são regidas por uma convenção coletiva, que impõe a divisão do saldo entre benefícios de alimentação, refeição e mobilidade. E também abarca empresas menores, mais abertas e modernas, que querem oferecer um saldo mais flexível entre as categorias. Hoje, trabalhamos oito categorias de benefícios: alimentação, refeição, saúde, home office, educação, saúde, cultura e mobilidade.”
8 – Na busca de um Series A veio a Swile
“Crescemos muito na pandemia pois houve uma procura muito grande das empresas por uma solução que atendesse os colaboradores que estavam em home office. A Whirlpool entrou nessa época, com 2 mil vidas. Começamos então a buscar uma captação Série A para permitir a expansão do negócio. O curioso é que, em nosso pitch, mapeávamos a francesa Swile como um possível concorrente, que se preparava para entrar no mercado brasileiro. Fizemos o primeiro contato com eles no final de 2020 e logo ficou claro que tínhamos uma sinergia muito grande, tanto na visão do negócio, como do produto e da operação.”
9 – Planos futuros
“A fusão estratégica com a Swile ampliou nossa atuação de forma global. No acordo, ficamos com a operação Brasil e vamos capitanear a expansão na América Latina, iniciando pelo México. Já temos dois colaboradores naquele país e estamos mapeando possíveis oportunidades de entrada. O México tem o terceiro maior mercado de benefícios do mundo. Nosso foco principal continua sendo o Brasil, principalmente nos próximos dois anos. A operação global da Swile tem 15 mil empresas e 500 mil usuários. O Brasil representa 20% desse total. Até o final de 2022, queremos atender 1 milhão de usuários no mundo, sendo 50% no país. Nossa operação tem hoje 200 colaboradores e vamos dobrar de tamanho em 2022. O mercado de benefícios flexíveis vai explodir no próximo ano e se consolidar em 2023. Veremos uma transformação muito grande no setor, nos próximos dois anos.”
10 – De HRTech a WorkTech
“Em termos de plataforma, vamos trazer um produto de engajamento da Swile francesa no próximo ano, que vai trabalhar a comunicação interna, o entendimento da base de usuários, pesquisas de satisfação e NPS. Acreditamos que a palavra benefício é ampla e pode ser utilizada para um leque de ofertas muito maior do que hoje. Nos posicionamos não mais como uma HRTech, mas como uma WorkTech. Não queremos focar somente na relação entre o RH e o colaborador, mas ampliar e entender suas necessidades individuais mesmo fora do ambiente de trabalho, oferecendo novas soluções personalizadas para ele.”
Texto: Monica Miglio Pedrosa
Foto: divulgação