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“As lideranças vão ter de se reinventar para manter a relevância nas organizações”

Carlos Aldan, CEO do Grupo Kronberg, afirma que será necessário jogar fora os antigos manuais de gestão e começar a escrever uma nova cartilha para ser um bom líder

Por Monica Miglio Pedrosa

Estamos diante do maior desafio de liderança empresarial de todos os tempos, com índices de desengajamento dos funcionários da ordem de 85% no Brasil. A análise é de Carlos Aldan, renomado palestrante de Liderança e Inteligência Emocional e CEO do Grupo Kronberg, consultoria de desenvolvimento humano. “A realidade atual do mercado exige novas relações de trabalho e, portanto, uma liderança inspiradora, que cobra resultados e cuida genuinamente dos colaboradores”, afirma.

Apesar de muitas empresas ainda resistirem à responsabilidade pela saúde emocional e mental dos seus funcionários, cada vez mais estudos e pesquisas comprovam a relação entre o engajamento e a produtividade. Uma pesquisa de Harvard com 3.300 líderes e 13 mil avaliadores demonstrou que, enquanto líderes que só cobram resultados têm apenas 20% de engajamento e 14% de quiet quitters  (pessoas que só fazem o estritamente necessário à sua função) em suas equipes, o líder que cobra resultados e cuida dos colaboradores tem 62% de engajamento e apenas 1% de quiet quitters.

Nessa entrevista exclusiva à [EXP], Aldan, que é graduado em Ciências Políticas, Antropologia e Sociologia nos Estados Unidos, com MBA na University of Hull, fala sobre as competências essenciais para a nova liderança, os motivos pelos quais o modelo atual de gestão não atende mais às necessidades de negócio e como mudar esse cenário na prática.

Nos últimos anos, os desafios dos líderes aumentaram. Hoje eles têm de lidar com questões de saúde mental, gestão de equipes multigeracionais e escassez de talentos no mercado. Como as empresas estão se preparando para esse cenário?

Carlos Aldan – Nós estamos enfrentando o maior desafio da liderança empresarial de todos os tempos. Por um lado, é preciso conciliar o poder e autonomia que o colaborador adquiriu sobre onde e como ele quer trabalhar. De outro, estão as necessidades de accountability da organização, que são essencialmente relacionais, visando o team building, a inovação, o crescimento inclusivo e a prosperidade.

O descasamento entre a oferta e a demanda de talentos, em especial no profissional de conhecimento (knowledge worker), da média gerência para cima, fez com que cerca de 52% da força global de trabalho não voltassem para o mercado no último ano e meio. Hoje esse índice está em 40%. A Great Resignation (pedidos de demissão em grande número, que afetou o mercado de trabalho nos Estados Unidos) também atingiu o Brasil: em 2022, quase 7 milhões de profissionais pediram demissão de seus empregos.

Quais são os principais motivos que levaram a esse descontentamento, além da pandemia?

Isso já vinha acontecendo nos últimos anos, só foi exponenciado na pandemia. Claro que a pandemia fez as pessoas começaram a refletir e muitas chegaram à conclusão de que suas vidas são mais importantes do que o trabalho. Elas decidiram pegar a rédea de suas vidas e serem protagonistas das suas decisões, não aceitando mais cargas horárias de 12 horas diárias de trabalho ou ter de lidar com chefes tóxicos. Isso gerou um cenário de escassez de talentos, porque a Geração Z ainda não está pronta para liderar e a atual nem comparece a entrevistas de emprego se o trabalho não for remoto ou, no mínimo, híbrido. Além disso, o fenômeno do quiet quitting, em que as pessoas só fazem o estritamente necessário à sua função, chegou a níveis impressionantes nas empresas.

 

“Quando os líderes de empresas me dizem que sua preocupação está voltada somente para os resultados, digo: Quem você acha que é mais produtivo? Alguém que tem um maior equilíbrio vida/trabalho ou alguém que não tem?

 

Esse também é um fenômeno antigo que se intensificou?

Exatamente. O quiet quitting, ou abandono silencioso, como prefiro chamar, tem que ser olhado com muita atenção, pois pode ser uma tendência para dois caminhos distintos. O primeiro, onde a pessoa segue na direção de um maior equilíbrio vida/trabalho. Por esse aspecto, temos que bater palmas para essa nova geração que está exigindo isso. Quando os líderes me dizem que estão mais preocupados com a produtividade do que com a qualidade de vida dos funcionários, eu argumento: Quem você acha que é mais produtivo? Alguém que tem um melhor equilíbrio vida/trabalho ou alguém que não tem? Aliás, os altíssimos índices de desengajamento nas empresas demonstram esse descontentamento.

Qual é esse índice de desengajamento?

Está entre 70% nos Estados Unidos e 85% no Brasil. Na Kronberg, estamos há 20 anos tentando convencer nossos clientes de que a métrica de engajamento deve ser uma métrica de performance de liderança, infelizmente com pouco sucesso. A maioria não se preocupa com isso, no entanto, quais são os custos de desengajamento para as empresas? Um colaborador engajado é 32% mais produtivo do que um desengajado. Imagine ter 32% a mais de produtividade nos resultados da sua empresa no final de 2022? Que diferença isso não faria? A Gallup estima que o custo global do desengajamento seja de US$ 7 trilhões.

 

“No Brasil, 85% dos funcionários estão desengajados, o que gera retrabalho, queda de produtividade, perda da qualidade percebida pelo cliente, alto turn over e um custo de 7-9 salários para substituição do profissional que sai.”

 

Por que só agora esse modelo se tornou insustentável?

Precisamos de três habilidades humanas para manter um negócio. Obediência, para cumprir as regras de compliance; diligência, que é começar e terminar um trabalho com o mínimo de qualidade; e expertise, que é o capital intelectual para sustentar um negócio. Essas três dimensões funcionavam como uma luva no capitalismo industrial e exigiam pouco de quem estava em posição de liderança. Com um diploma e um estilo de gestão “comando e controle” o modelo funcionava bem. Minha geração foi criada para obedecer a autoridade e respeitar a hierarquia. Isso não funciona mais hoje, mas a maior parte das organizações ainda tem um modelo mental de uma era que já se foi.

 

A pressão sobre os líderes é enorme e nunca a saúde mental esteve tão em evidência.

As pessoas não têm necessariamente a estrutura emocional para coexistir com essa realidade que estamos vivenciando. Nosso cérebro pensa de forma local, incremental, e estamos vivendo uma realidade exponencial e global. Nosso sistema nervoso foi arquitetado em um ambiente social muito distinto do que a gente vive hoje. Nossa realidade é disruptiva, volátil, incerta e ambígua. Se eu não desenvolver a tolerância a incertezas e ambiguidades vou entrar para as estatísticas de transtornos mentais.

 

“O C-Level não quer admitir o transtorno mental pois vive naquele modelo mental da velha liderança, de que tem de saber tudo e demonstrar que é forte. A neurociência mostra justamente o inverso: se mostrar vulnerável e ser autêntico conquista a confiança das pessoas.”

 

Quais são as habilidades essenciais para ser uma liderança inspiradora?

A liderança deve ser conquistada pela influência. E para ser influente, é preciso criar relacionamentos autênticos duradouros. Preciso primeiro ter a capacidade de gerenciar minhas emoções enquanto líder, porque se eu sou um chefe ciclotímico, como as pessoas vão confiar em mim? Então eu tenho que ter autoconsciência, ser autorregulado e ter empatia, que é um conceito que tem três dimensões: a cognitiva, que é o fato de eu entender como está o pensamento do meu liderado; a emocional, em que eu me conecto emocionalmente com ele; e a da validação, que é a mais importante das três. Porque se eu entendo que um liderado precisa de algo, me conecto com suas emoções, mas não faço nada a respeito disso, de nada adianta. A empatia permite que o líder diferencie similaridades e diferenças nos comportamentos e necessidades dos colaboradores. Como você vai influenciar uma pessoa se você a trata como todos as outras?

 

“99% dos líderes de empresas com quem eu conversei nos últimos anos me disseram que não tinham um propósito individual, porque nunca pensaram que podiam ter um.”

 

Como a Kronberg ajuda a desenvolver essas competências emocionais?

Temos três ciências que nos ajudam a coexistir com essa realidade que é a neurociência, a ciência da inteligência emocional e a psicologia positiva. Desenvolvemos as habilidades da liderança inspiradora e também da liderança adaptativa, transformacional e liderança coach. Essa última é importantíssima porque a Geração Z precisa de feedback constante, ela entrou no trabalho em plena pandemia, sem nenhuma experiência corporativa, trabalhando pelo Zoom. Outros marcadores de sucesso são o autocuidado e o apoio emocional.

 

“Parafraseando e complementando Peter Ducker: a responsabilidade de um líder é gerenciar sua energia, suas emoções e sua saúde mental e emocional. Depois, ele deve orquestrar a energia, as emoções, a saúde mental e emocional das pessoas à sua volta.”

 

As empresas hoje estão abertas a esse cuidado com o colaborador?

Muitas falam que precisam cuidar da experiência do colaborador e eu digo que isso já não é mais suficiente. Você tem que cuidar da vida do colaborador, porque nós invadimos a vida dele nos últimos três anos, entramos em sua casa, ouvimos seus cachorros latindo e seus filhos chorando. Uma pesquisa que fizemos com 20 mil executivos no Brasil nos últimos três anos revelou que 92% esperam apoio emocional de suas organizações. Hoje, quem não tiver essa competência, não vai ser um líder, vai continuar a ser um chefe, com equipes desengajadas, perdendo talentos. Existe uma pesquisa de Harvard que corrobora o que dizemos.

O que diz a pesquisa de Harvard?

Harvard conduziu um estudo que analisou mais de 3.300 líderes, que foram avaliados 360 graus por 13 mil pessoas. Foram isolados dois fatores: o líder que só cobra resultados e aquele que cobra resultados e demonstra que o colaborador tem importância para ele e para a organização.  O primeiro tem apenas 20% de engajamento e 14% de quiet quitters na equipe. O líder que faz as duas coisas tem 62% de engajamento e menos de 1% de quiet quitters. Outro projeto do Google, chamado Aristóteles, pesquisou mais de 150 equipes de trabalho da empresa. Sabe qual foi o principal fator das equipes mais coesas e vencedoras? A confiança, que gera a segurança psicológica das pessoas poderem falar o que pensam sem serem criticadas, diminuídas ou punidas.

 

“A tecnologia exponencial e a pandemia rasgaram nossos manuais de como fazer gestão. Estamos diante de uma oportunidade histórica, nos igualamos aos países centrais e estamos no mesmo ponto de partida para construir uma nova cartilha.”

 

Como a Kronberg desenvolve as competências necessárias à liderança nas organizações?

Tudo começa com um assessment, um diagnóstico, onde usamos ferramentas validadas cientificamente para medir os 5 fatores de clima organizacional, que são: confiança, adaptabilidade à mudança, motivação intrínseca, execução ágil e o verdadeiro trabalho em equipe. Mapeamos o nível de engajamento dos times e entendemos onde estão os principais pontos a melhorar. Temos um case fantástico com a Siemens Healthineers, que já foi inclusive divulgado pela Harvard Business Review e que mostra resultados expressivos após uma intervenção nossa.

Qual era o principal desafio da Siemens Healthineers e como vocês atuaram no problema?

Levei um ano para convencer o CEO de que a inteligência emocional era um conjunto de competências indispensável para lidar com os desafios da empresa em 2015. A Siemens Healthineers estava enfrentando uma redução de 40% no mercado de diagnósticos por imagem devido à crise econômica. Na ocasião, fizemos o assessment e encontramos uma equipe com um índice de 52% de desengajamento e apenas 22% de profissionais engajados. Nosso programa inicial, com 7 meses de duração, incluiu um debriefing dos resultados com os líderes, sessões de coaching, educação colaborativa, sessões presenciais de treinamento e um off-site. Após esse período, uma nova pesquisa mostrou uma reversão total dessa tendência, com 52% de colaboradores engajados.

 

Aumento do engajamento na Siemens Healthineers após 7 meses de programa.

 

Estamos começando então um processo de mudança estrutural da forma como lideramos as empresas hoje?

A tecnologia exponencial transformou drasticamente os últimos três anos. Em novembro de 2022 a inteligência artificial saiu de 1,5 bilhão de parâmetro de machine learning para 100 trilhões em 2023, após o GPT. Isso é mais do que a inteligência humana é capaz de processar. Além disso, a pandemia trouxe a necessidade de humanização do trabalho. Rasgaram nossos manuais de como fazer gestão, temos que escrever uma nova cartilha para navegar nesse terreno tão complexo, incerto e ambíguo. Mas acredito que estamos diante de uma oportunidade histórica, em que nos igualamos aos países centrais e estamos todos saindo do mesmo ponto de partida.

 

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