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“As ideias liberais estão vindo cada vez mais de baixo para cima”

Hélio Beltrão -Instituto Mises

Hélio Beltrão, presidente do Instituto Ludwig von Mises – Brasil (IMB), acredita que o país está vivendo uma primavera liberal, fruto do que chama de “guerrilha” de ideias de instituições como a que dirige, que promovem o debate sobre políticas públicas mais descentralizadas, com menor intervenção do governo e mais liberdade para a sociedade. É um movimento, segundo ele, de baixo para cima e que está desembocando na política. Por isso, acredita que a onda de eleições no exterior que têm tirado do poder governos mais liberais não deve atingir o Brasil.

O Brasil tem avançado em ideias liberais desde o governo de Michel Temer, mas ainda é preciso aplicar os princípios de vida, liberdade e propriedade, diz Beltrão. Quanto aos empresários, precisam ter menos medo da concorrência, evitarem o “favoristimo” e acreditarem mais no potencial do livre comércio como gerador de competitividade. É isso o que se debate e propaga nos livros, estudos e eventos do Instituto Mises, principal divulgador da escola austríaca de economia no país. O IMB publica a maior parte da produção intelectual de seu mentor, entre elas Liberalismo, obra seminal de Mises que dá forma ao pensamento da Escola Austríaca (Leia o resumo em 15 minutos).  

Nesta entrevista ao Experience Club, Beltrão fala sobre seu trabalho de “guerrilheiro” e de seu novo papel: depois de vários anos no debate de políticas públicas, inclusive no Instituto Millenium, que ajudou a fundar com pessoas como o ministro da Economia Paulo Guedes, está na vida partidária, assessorando Arthur do Val, candidato à perfeita de São Paulo pelo Patriota.

Filho do economista Hélio Marcos Beltrão, ministro do Planejamento, da Previdência e da Desburocratização em sucessivos governos militares, até assumir o comando da Petrobrás já no governo de José Sarney, o presidente do Mises herdou do pai a militância contra a burocracia, que mina a produtividade tanto de empresas quanto de governos, um tema que leva para o debate nessas eleições municipais. Confira:

O propósito do Instituto Mises

O IMB trabalha para disseminar a escola austríaca de economia por meio de ações como estudos, publicações de livros e conferências que discutem políticas públicas. Dos mais de 70 títulos já publicados, Beltrão destaca o que considera ser hoje um dos livros mais influentes sobre políticas públicas no Brasil: “As Seis lições”, de Ludwig von Mises, que já vendeu mais de 300 mil cópias, mesmo com o arquivo digital tendo sido disponibilizado de graça e baixado mais de 1 milhão de vezes -o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a tirar foto com a publicação. Esse interesse pelas ideias do Mises traz uma satisfação “de que a gente (o país) esteja indo na direção de ideias que funcionam, porque a gente já tentou muita coisa que não funciona, de cima para baixo”. E deixa claro: está falando de ideias liberais.

A Escola Austríaca de Economia

A metodologia da escola austríaca é mais lógica-dedutiva e a teoria é empírica. A escola usa, sim, a matemática, porém mais como uma ilustração. “Você verifica o passado e o ilustra. Formula uma teoria e vê sua aderência a uma realidade”. Além disso, os pensamentos têm uma coincidência forte com o liberalismo, ao demonstrar que as intervenções governamentais, “que a gente está muito acostumado no Brasil, tendem a ser prejudiciais às metas das pessoas que as propuseram”. Por metas, ele se refere a pontos como crescimento econômico e melhoria de vida das pessoas mais vulneráveis.

Não existe na escola austríaca o que chama de “massacre de dados” que se vê em outras linhas de pensamento, já que a economia não é uma ciência exata, porque o ser humano também não o é. Ele lembra que como nas ciências sociais não há experimentos controlados em laboratório e repetidos para se comprovar uma tese, isso leva a escolas de pensamentos baseadas em pressupostos distintos. No caso da economia, foram criadas linhas como a marxista, a de Chicago e a austríaca, que tem esse nome porque alguns dos fundadores eram da Áustria. Hoje a escola austríaca, é a mais antiga, “porque fundou a chamada escola neoclássica, em 1871, com a Revolução marginalista, e é a que mais cresce no mundo”.

A teoria deu certo?

Em todos os lugares e em todos os tempos. “Eu citei que não há experimentos controlados em laboratório, mas vejo duas exceções de experimentos controlados na história para ciências socias: as Coreias e as Alemanhas”. E argumenta que passadas décadas, povos que partiram do mesmo ponto e seguiram sistemas de gestão diferentes em questões como centralidade do poder e intervenção do governo chegaram a resultados diferentes. Na Coreia, as diferenças não foram apenas econômicas, mas até mesmo em questões como altura e longevidade. Os Estados Unidos (EUA), desde a sua fundação, foram pela linha liberal e mais descentralizada do que seu colonizador, a Grã-Bretanha, e em pouco tempo tiveram um salto grande de prosperidade e renda per capital.

“O liberalismo que estou dizendo é a filosofia que diz que você deveria poder fazer o que deseja, desde que você não esteja agredindo fisicamente, fraudando outra pessoa. É a defesa de vida, liberdade e propriedade.”

“Agora estou falando de liberalismo e não de escola austríaca”, completa. A violação da propriedade, afirma, tende a levar a menos prosperidade, menos investimento e menos emprego. Para ele, há exemplos que mostram que isso não funciona, porque o que dá resultados positivos é perseguir ideais de autorrealização. São lições que existem há muito tempo, foram reforçadas por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, mas que o país ainda não aprendeu.

O exemplo dos nórdicos

Países nórdicos, onde o estado provê bastante a seus cidadãos e cobram altos impostos, não seriam um contraponto à escola austríaca de que o estado “faz bem”? Ao contrário, diz ele. Essas economias têm posições de liderança em rankings que mostram a facilidade de se fazer negócios e de liberdade econômica, posições essas muitas dezenas acima das que o Brasil. Esse desempenho dos nórdicos reforça a linha da escola austríaca sobre seu impacto positivo na geração de renda para os cidadãos. “Impostos mais altos e fazer, em boa medida, um estado de bem-estar social para ajudar os vulneráveis, é uma variável, mas entre inúmeras que os colocam entre os países mais livres do mundo”, defende Beltrão. Quando se olha o tamanho do imposto na Suécia, por exemplo, “que aliás, não é muito diferente ao do Brasil”, chega-se a uma conclusão errada sobre em que time o país está jogando, completa.

O que falta no brasil

No Brasil, é preciso aplicar os princípios de vida, liberdade e propriedade, com menor ingerência do estado na sociedade, porque é isso que permite às pessoas buscarem a felicidade e crescerem, diz Beltrão. É necessário também resolver problemas fundamentais, como o alto nível dos gastos da folha de pagamentos e da previdência, que juntos tomam uma parte enorme do orçamento, deixando pouco dinheiro livre para áreas como educação, segurança e saúde.

Mas essas mudanças não acontecem num passe de mágica. “Não adianta mandar um cara para Brasília que tenha a caneta de ministro ou de presidente, que isso não vai acontecer só porque ele quer. Como todo país, tem inúmeras forças políticas”.

Beltrão quer ver as ideias da escola austríaca propagadas e defendidas na sociedade, que uma vez convencida delas, votará nos políticos que as seguirem. E essas políticas deverão se manter fieis a tais ideias, porque visam a reeleição e a permanência no campo político.

Demos uma freada

A freada no liberalismo do governo do presidente Jair Bolsonaro era esperada porque todo governo começa com uma energia que vai diminuindo ao logo do tempo, diz Beltrão. “Ao mesmo tempo, a gente sabe que o presidente Bolsonaro e o Congresso atual ainda não são bastiões de liberdade, liberais. Eles não pensam assim. Há um enclave dentro do governo, que é o ministério da Economia, que tem pegada liberal”. Além disso, há forças políticas que não querem abrir mão de gastos como o da folha de pagamentos e da previdência, que tomam 85% da arrecadação federal, porque “quem recebe isso, não quer abrir mão.” Uma forma de avançar é a mediação entre diferenças forças, acredita ele.

Por isso, o presidente do IMB diz que quando a sociedade, e isso inclui setores influenciadores, como o da cultura e imprensa, defenderem as ideias da escola austríaca, o país terá um governo menos interventor e vai avançar, porque será um desejo que virá de baixo para cima. “Em tentativas de fazer algo de cima para baixo, eu não acredito, não funcionam.”

Papel do empresário brasileiro

Beltrão suspeita que o empresário brasileiro tenha uma grande crise de autoconfiança e isso leva a pedidos de protecionismo, ou melhor, do que ele chama de favoritismo. Para ele, da porta da fábrica para dentro, a indústria nacional é eficiente e capaz de competir. O problema surge em situações como a importação de insumos, como um computador, ou no valor da conta de energia. É aí que a indústria brasileira paga muito mais do que a chinesa e perde vantagem. Daí vem o medo e a demanda por proteção. O melhor seria defender o livre comércio e conviver com redução de tarifas que poderia diminuir os valores dos insumos e lhe dar ainda mais competitividade internacional, inclusive contra os produtos chineses. “A gente sempre viveu a realidade de que a China era mão-de-obra barata”, lembra ele. Mas, afirma, a situação mudou porque o país asiático ficou mais rico.

Movimentos que pedem proteção vão, inclusive, contra o destino dos empresários que é o de competir e mostrar que faz melhor do que o concorrente. E a conta desse ‘favoritismo’ é paga pelo cidadão brasileiro, que desembola mais pelos produtos importados e fica mais pobre.

“Temos de nos abrir para o mundo”, reforça Beltrão.

Vida na política

Beltrão está assessorando o candidato a prefeito de São Paulo pelo Patriota, Arthur do Val, que disse que o nomeará “super secretário de Economia” se for eleito. O presidente do IMB diz que está no debate de políticas públicas há muito tempo – com o Instituto são 13 anos. A diferença é que agora tem uma atuação partidária e numa eleição na cidade onde vive há 28 anos. Quando recebeu o convite do candidato, aceitou rapidamente, porque acredita que se Val for eleito, terá “a chance de implementar políticas que efetivamente podem fazer diferença para o cidadão de São Paulo”.

Primavera liberal no Brasil

As ideias liberais são muito novas no Brasil, mas estão sendo propagadas e em algum momento chegam na política. O fato de o ministro da Economia, Paulo Guedes, estar no governo, é fruto do avanço das ideias liberais, “que nunca passaram pelo Brasil, fora, talvez, o Roberto Campos (ex-ministro), que teve alguma atuação”. Há cerca de 15 anos, Guedes e Beltrão fizeram parte da fundação do Instituto Millenium, que também debate ideias liberais. Para ele, parece estar havendo uma “primavera liberal”, pois há de 20 a 25 deputados federais liberais no Congresso e seu cálculo é de que que algo perto de 100 vereadores liberais serão eleitos no Brasil nas próximas eleições municipais. “Não há dúvida de que haverá um avanço novamente das ideias liberais, que estão vindo de baixo para cima”.

Brasil fora do movimento mundial

O Brasil está indo num caminho diferente do restante do mundo, que vê um aumento das ideias mais centralizadoras, socializantes e paternalistas, diz Beltrão. Esse movimento brasileiro é fruto da guerrilha de ideias liberalizantes que está acontecendo há algum tempo. Não existe uma primavera liberal nos outros países e o que acontece no Brasil “se deve ao trabalho educativo que o Instituto Mises e outros institutos liberais pregam, de mostrar o que funciona e o que não funciona. E acho que é por isso que a gente está indo numa direção e o mundo está indo, infelizmente, numa outra direção”. Há o risco de o país ser influenciado por ondas externas, mas afirma que com base no que vê aqui, acredita que esse risco não vai vingar.

Texto: Claudia Mancini

Imagens: Reprodução | Experience Cub

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