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“A internet tem que voltar à sua essência: um lugar descentralizado, de independência, e não de cerceamento de liberdade”

Matt Montenegro, fundador da Pingback e defensor da liberdade de expressão na internet, fala sobre o momento atual da cena tech.

Por Denize Bacoccina

Matt Montenegro já fundou e vendeu várias startups, é um dos criadores do San Pedro Valley, cena de startups de Belo Horizonte e, em 2020, fundou a Pingback, uma plataforma de newsletters que oferece liberdade total de conteúdo para os criadores. Para Matt, uma das mais importantes vozes da inovação no Brasil, a ascensão das redes sociais tirou a internet dos trilhos, porque a busca por audiência tornou o conteúdo mais raso e o controle editorial diminuiu a liberdade dos autores.

Com o modelo de newsletter, entregue diretamente no e-mail dos leitores, ao mesmo tempo que o conteúdo é publicado de forma aberta na internet e permite a monetização direta, ele quer colocar o controle de volta nas mãos dos autores. Em quase três anos de existência, ele já tem 15 mil escritores na rede, parte monetizando o conteúdo com os leitores e parte apenas querendo sua voz para o público. A plataforma entrega o que era a promessa da internet antes do domínio das redes sociais.” A internet tem que voltar à sua essência: um lugar descentralizado, de independência, e não de cerceamento de liberdade”, diz ele.

Nesta entrevista ao [EXP], Matt, que participou do Experience Lab, do Experience Club, em novembro, fala também sobre o momento atual do mercado. “2023 vai ser um ano difícil para captação de recursos. Quem está começando tem que fazer mais com menos”, afirma.

Você é fundador da Pingback, que é uma plataforma de envio de conteúdos por e-mail. E também é crítico das redes sociais, diz que a busca por audiências cada vez maiores fez o conteúdo ficar mais raso. Por que o e-mail?

Quando começamos, achamos que o e-mail seria o principal protocolo, porque qualquer pessoa na internet tem um e-mail, é como se fosse um CPF. A gente troca menos de e-mail do que de telefone. Então se a gente consegue entregar o conteúdo direto na caixa de entrada é algo fantástico, conseguimos quebrar um pouco dessa sequência de controle de alcance, controle de audiência, que as redes sociais começaram a imprimir no modelo de negócios. Por isso fomos para o e-mail. Isso foi em 2020. Esse foi o primeiro passo, mas não nos limitamos a isso. A gente foi evoluindo e construindo a Pingback como um canal.

Atualmente, o mesmo conteúdo que é enviado por e-mail está publicado na internet, como se fosse um blog, um canal próprio do criador do conteúdo.

Com o tempo fomos trazendo várias camadas de serviço. O criador pode monetizar o conteúdo, fazer venda de digital goods, vender um PDF, uma mentoria. Sempre com essa pegada de entregar mais liberdade, independência, pra que ele possa retomar essa autoridade que hoje fica na mão das redes sociais.

Para isso o criador precisa ter o seu próprio público, não é?

Ele constrói esse público de diversas formas. A ideia não é que a pessoa pare de usar as redes sociais, mas que use de maneira mais estratégica e inteligente. Como um topo de funil para atrair, jogar ali um conteúdo inicial. E quando o leitor quiser aprofundar no conteúdo tem um lugar independente, onde o criador consegue se comunicar diretamente com essa pessoa. São as estratégias clássicas de construção de base e de autoridade.

Nós não fazemos nenhum controle editorial. Só oferecemos a plataforma. O controle editorial é o da legislação. Por exemplo: no YouTube, se você falar palavrão, seu vídeo é desmonetizado. Isso é um claro controle editorial.

Como não dependemos de anunciantes, não temos que nos preocupar com isso. Além disso, existe uma questão mais filosófica, de manter a independência do criador. Ele tem que ter independência para acertar, errar, e obviamente também responderá pelas consequências, sejam positivas ou negativas.

Essa questão do controle do conteúdo ficou muito em evidência com as eleições, com a tentativa de controlar as informações falsas. Como você vê isso?

Eu vejo com preocupação. Eu acredito que, se você encontra uma mentira na internet, você tem que combatê-la com a verdade. E se a gente tem tanta segurança da verdade, não precisa silenciar aquele que está falando alguma besteira, que está desinformado ou que trouxe um assunto equivocado. Quando a gente censura alguém, proíbe alguém de falar alguma coisa, isso diz muito mais sobre quem está proibindo do que sobre a pessoa que está falando. Eu não acho saudável impedir as pessoas de falarem.

Se elas estão cometendo uma injúria, uma difamação, isso já está previsto no nosso Código Penal. A liberdade de expressão é um dos pilares de uma democracia. Você poder questionar, poder perguntar. A Pingback entrega para as pessoas o retorno para aquilo que a internet deveria ter sido e que houve um desvio de curso com as redes sociais.

Na essência, a internet sempre foi um lugar descentralizado, um lugar para criar autoridade, um lugar de independência e nunca de centralização, de dependência de terceiros, de cerceamento de liberdade.

Matt Montenegro no Experience Lab

 

Como você vê as redes sociais? Você acha que elas já estão numa curva de declínio?

Não diria declínio. Mas as redes já chegaram a um lugar onde a maioria das pessoas está inserida. Já está num estágio avançado de adoção. Portanto, é natural que surjam outras tecnologias, sejam incrementais ou mais disruptivas. E que surjam com cada vez mais velocidade.

Estamos agora voltando para a essência, com a comunicação direta pelo e-mail. Nesse sentido, tem um ciclo se encerrando e outras tecnologias vindo. E, no fim do dia, a gente quer voltar àquilo que é a nossa essência. Nós somos seres sociáveis, precisamos da interação humana.

A Pingback captou cerca de R$ 12 milhões de investimentos. Vocês já investiram tudo?

Não. Graças a Deus estamos com caixa pra enfrentar mais esse ano, ano e meio aí de ajustes na indústria de tecnologia.

E como você vê o mercado atualmente? Estamos vendo agora muitas demissões nas big techs, os recursos estão mais escassos.

Sim. No começo do ano já vimos secar o dinheiro para novos investimentos. No início da pandemia, o único setor que continuou funcionando foi o de tecnologia e todo o dinheiro foi para este setor. Quando a pandemia foi diminuindo e outras atividades voltaram a funcionar, os recursos voltaram para seus lugares de origem. Então houve um movimento de diminuição de liquidez do mercado por causa de um excesso inicial.

O que estamos percebendo agora é que a adoção do e-commerce e de tecnologias voltou para o patamar de crescimento previsto antes da pandemia. A pandemia foi um ponto fora da curva. Então muitos ajustes precisam ser feitos porque não corresponde à realidade e isso não se sustenta no longo prazo.

Estamos numa curva de crescimento natural. Só que o ajuste precisa ser feito.

E como você vê o cenário para um empreendedor que pensa em criar sua startup neste momento?

O mercado está muito mais inóspito, mais conservador. Tem que ter uma ideia muito boa ou provar que o negócio vai ter retorno. Quem está empreendendo precisa fazer seu ajuste de tamanho. Quem não tem caixa para aguentar pelo menos seis meses, um ano, tem um problema nesse momento. 2023 vai ser um ano difícil para captar recursos. É melhor esperar. E quem está começando tem que fazer mais com menos. Não é impossível, mas será bem mais difícil do que o normal.

Você é parte de uma cena tech em Belo Horizonte, o San Pedro Valley. Como está essa cena?

As empresas de tecnologia de Belo Horizonte captaram por volta de R$ 3 bilhões no período de uma década. É bastante para uma cidade de 2,5 milhões de habitantes, um cenário interessante.

Essas empresas de tecnologia dessa geração que começou por volta de 2013, 2014, foram bem-sucedidas, entregaram muito valor, e têm trazido uma transformação importante para a cidade.

Agora um ponto importante: o San Pedro Valley é um grupo de amigos que começou a empreender ao mesmo tempo, cada um no seu negócio, foram se ajudando etc. É uma geração de empreendedores. Não é uma política pública. Existem várias outras gerações que vieram depois e que não estão nesse mesmo círculo, mas que também abraçam o nome de São Pedro Valley e estão fazendo coisas incríveis. Eu acredito que BH vai continuar forte nesse sentido, criou um capital intelectual importante.

 

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