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“Ações decisivas e convicção emocional são imperativos em um mundo com muita informação”, diz Julian Birkinshaw

Especialista em Estratégia e Empreendedorismo, o professor Birkinshaw revela os principais erros de inovação das empresas e um roteiro para colocar em prática a gestão ágil nas organizações

Por Denize Bacoccina

Pilotar e consertar o motor ao mesmo tempo. Olhar para o hoje, o amanhã e o depois de amanhã. Dar a direção e ao mesmo tempo conceder liberdade à equipe, dentro de determinados limites. São essas algumas das tarefas da liderança da empresa, na avaliação do professor Julian Birkinshaw, vice-reitor e Professor de Estratégia e Empreendedorismo e diretor acadêmico do Instituto de Empreendedorismo e Capital Privado da London Business School.

Autor de mais de 15 livros, entre eles Fast/Forward, Becoming a Better Boss e Reiventing Management, Julian Birkinshaw é reconhecido como um grande especialista em inovação, empreendedorismo e renovação em grandes empresas. Ele também é consultor de empresas com clientes em diversos países, e conhece bem o mercado brasileiro. Para ele, o que diferencia as empresas brasileiras é a diversidade étnico-cultural da sociedade brasileira. “Essa é uma enorme vantagem competitiva, porque alguns países só têm uma forma padrão de fazer as coisas, o que se torna uma barreira à mudança”, destacou.

Julian Birkinshaw também aponta os obstáculos para a inovação nas empresas. “Um erro muito comum é focar demais no mainstream, nos negócios de hoje. E quanto mais lucrativos os negócios de hoje, maior a probabilidade de não investirem no futuro”, afirmou.

Nesta entrevista à [EXP], concedida depois de uma masterclass na Confraria de CEOs, evento do Experience Club exclusivo para convidados, no dia 21 de junho, ele também fala sobre os passos que uma empresa deve tomar para colocar em prática a gestão ágil, método disseminado por ele.

[EXP] – Muitos empresários e executivos conhecem a gestão lean, ágil. Mas o mundo muda rápida e continuamente. Como uma empresa pode se manter competitiva nesse cenário? Como se preparar para o ágil?

Julian Birkinshaw Para mim, Agile e Lean representam colocar a tomada de decisão mais próxima da ação. Ter equipes com total responsabilidade por suas tarefas e que trabalhem de forma iterativa com os clientes. Essa é a essência do Agile e para preparar uma empresa para o Agile, você precisa de três coisas. Em primeiro lugar, líderes que estejam preparados para abrir mão de algum poder. Muitos líderes gostam de ter poder total sobre o que fazem, mas o método requer abrir mão de parte desse poder e transferi-lo para pessoas mais próximas da ação. A segunda coisa é garantir que suas equipes tenham as habilidades necessárias para aceitar essa responsabilidade. Elas precisam conhecer o negócio para que realmente se sintam donas da ação, em vez de apenas fazer o que é pedido. O terceiro ponto envolve a cultura da organização como um todo. Criar uma forma de trabalhar que seja tolerante com os erros, com a necessidade de as pessoas aprenderem fazendo.

Quanto tempo costuma durar esse processo de mudança?

A jornada em direção ao Agile bem-sucedido significa, por vezes, dar um passo para trás antes de poder dar um passo para a frente. Preparar as partes interessadas, o conselho de administração, os acionistas, para compreender esse processo de transformação que é bastante difícil e geralmente leva três, quatro ou cinco anos até o sucesso.

E quais são os passos necessários para a transformação?

O primeiro passo é ter muito claro porque você está fazendo isso. Não é para economizar dinheiro, nem para fazer as pessoas se sentirem melhor. Você precisa de um imperativo estratégico para fazê-lo. E os dois imperativos estratégicos são evitar uma catástrofe e ter um senso de futuro, uma ambição para a empresa. É preciso montar uma coalizão de pessoas que entendem o que está sendo feito.

O passo dois é criar prontidão entre os funcionários, com o desenvolvimento de suas habilidades e compreensão do que é necessário. O terceiro passo é tentar isso em pequena escala, fazer um piloto. Essa é uma maneira de colocar o método em prática para que as pessoas entendam que é possível. O passo quatro, caso os anteriores sejam bem-sucedidos, é estender esse piloto para outras frentes.

Como compatibilizar a pressão por resultados trimestrais com o longo prazo?

Todo executivo tem que saber pilotar o avião e também consertar o motor ao mesmo tempo. Em outras palavras, eles precisam entregar os resultados esperados, além de fazer todas as coisas novas. É preciso dar visibilidade sobre como está gastando dinheiro em cada um desses diferentes horizontes de atuação. A maior parte do investimento é na administração do negócio, isso consome 70% do seu tempo. O executivo também precisa mostrar ao conselho e aos investidores como está investindo nas oportunidades num horizonte de dois ou três anos. Isso pode consumir cerca de 20% dos seus recursos. É preciso mostrar o roteiro de como está gerenciando o hoje e o amanhã para depois assumir uma posição sobre onde estará no depois de amanhã.

 

“Todo executivo tem que pilotar o avião

e consertar o motor ao mesmo tempo.

Eles precisam entregar os resultados esperados,

além de fazer todas as coisas novas.”

 

Qual é o papel do líder da empresa?

É muito simples: o líder deve ter um ponto de vista claro sobre a trajetória de crescimento. Isso começa com uma declaração de propósito, um ponto de vista sobre o futuro. Mas essa é a parte fácil. A parte difícil é que o líder, tendo definido essa direção, deve permitir que outras pessoas percebam esse futuro. Isso significa que o líder deve ser um pouco esquizofrênico. Ou seja, deve ser articulado sobre o futuro e ter uma visão muito clara dele, mas precisa também recuar e permitir que as pessoas ao seu redor transformem essa visão em realidade. Isso pode significar que ele não se envolva deliberadamente nos detalhes. É preciso dar um passo para trás para que as outra pessoas possam descobrir para onde devem ir.

Dos casos que você vê nas empresas, quais são os principais erros que elas cometem e como evitá-los?

Um erro muito comum é focar demais no mainstream, nos negócios de hoje. E, quanto mais lucrativo o negócio, maior a probabilidade de não investirem no futuro. Você conhece os famosos estudos de caso da Kodak e da Nokia: eles eram tão lucrativos que, embora pudessem ver novas tecnologias chegando – lembre-se que a Kodak inventou a câmera digital – eles nunca investiram em um futuro baseado em câmeras digitais porque se apegaram à velha forma de lucratividade. Eles falharam em abandonar o negócio legado. Esse é o maior erro cometido pelas empresas.

Outro erro que é não ter uma visão clara sobre o futuro e pular de uma ideia para a próxima. Por exemplo, Mark Zuckerberg no Facebook, agora Meta. Ele colocou muita energia nos últimos anos no Metaverso e não está funcionando. Agora ele está indo para outro lugar. O problema é que o líder que coloca muita ênfase em algo ainda não comprovado está cometendo um erro tão grande quanto aquele que está muito preso ao passado. É uma linha muito tênue entre ter uma visão e ficar preso ao passado.

Você nos contou na masterclass o caso da Disney, como ela reagiu ao streaming.

Acho que a Disney foi muito inteligente. Eles podiam ver que o mundo estava mudando, mas também tinham esse trunfo que era fazer bons filmes, e decidiram continua investindo nisso, sem deixar de observar de perto como o streaming iria se comportar. E então, por volta de 2015, eles disseram que já tinham entendido para onde esse negócio estava indo e era o momento de investir.

 

“O líder que coloca muita ênfase

em algo ainda não comprovado erra tanto

quanto aquele que fica preso ao passado”

 

Um desafio para as empresas no momento é o local de trabalho. As empresas querem que os colaboradores voltem ao escritório e eles não querem voltar. Qual é a sua opinião sobre isso?

As pessoas gostaram de trabalhar em casa, estão relutando em voltar. As empresas poderiam simplesmente mandar que eles voltem, mas essa não é uma boa maneira de resolver o dilema, porque eles podem ficar ressentidos. Prefiro tentar incentivá-los a voltar pedindo aos líderes que deixem as equipes se organizar e decidam o que fazer em uma parte do tempo de trabalho, por exemplo 20% do tempo.

Outra maneira é fazer um apelo direto ao funcionário e dizer que, se ele quer aprender e se desenvolver como indivíduo, precisa estar ao lado de outras pessoas. São elas que vão lhe dar as conexões, as relações sociais, o aprendizado que não se pode ter ficando em casa sozinho. E, se você deseja ter uma carreira de longo prazo na empresa, isso definitivamente valerá a pena. Esse argumento é mais difícil, pois só costuma compensar em alguns anos, mas há evidências suficientes de que para construir uma carreira é preciso estar no escritório. Se as pessoas perceberem que colegas estão sendo promovidos porque privilegiaram o escritório, vão ver que isso é bom para elas também.

Então você não acha possível desenvolver uma carreira de forma híbrida ou online?

Não é impossível, é apenas muito mais difícil. Você pode praticamente fazer tudo virtualmente. Pode ter conversas criativas pela internet. Mas é muito mais lento. E eu realmente acredito que muito do aprendizado acontece de outras maneiras. Acontece quando você está perto de colegas e vê o que eles estão fazendo, como estão fazendo e existe um aprendizado. Tudo isso é apenas 10 vezes mais fácil em um local de trabalho físico. Essa é a minha crença. Não podemos provar isso ainda. Mas acho que nos próximos anos vamos começar a ver algumas pesquisas sobre as consequências desse enorme experimento social com trabalho virtual e híbrido.

Em seu argumento a favor da Adhocracia, você diz que estamos na era da pós-informação e que a informação hoje em dia não é mais escassa. O que é escasso agora?

Em um mundo onde a informação é onipresente, está em toda parte, o recurso escasso é a nossa atenção. A nossa capacidade, como líderes, de focar nas coisas certas, de tomar ações decisivas em vez de obter informações adicionais. A capacidade de nos movermos rapidamente. Outra coisa um pouco escassa em um mundo regido por computadores é o que chamo de convicção emocional. É a capacidade de se relacionar com as pessoas ao redor em um nível pessoal e construir algum tipo de lealdade, um tipo de cultura na qual as pessoas queiram trabalhar em um projeto porque é interessante. Portanto, ação decisiva e convicção emocional são os principais imperativos em um mundo com muita informação.

Como equilibrar a intuição com a necessidade de acertar?

A intuição é extremamente valiosa, mas ela também pode nos colocar em dificuldades. A coisa mais difícil, como executivo, é entender que já reunimos informações suficientes para tomar uma decisão inteligente dentro do prazo necessário. E é claro que é preciso saber quando confiar nesse julgamento e quando é preciso buscar mais informações antes de decidir.

Em seu livro Becoming a Better Boss, você diz que a gestão centrada nas pessoas traz mais produtividade e bem-estar, mas as empresas hesitam em fazer isso porque não veem os resultados imediatamente. Como é possível convencer as empresas?

Como líder ou gestor, é preciso tentar ver o mundo por meio dos olhos de seus funcionários. Da mesma forma que, se você estiver em vendas, deve ver o mundo por meio dos olhos de seus clientes. Isso não significa fazer tudo o que eles pedem, mas é preciso entender suas necessidades, motivações, medos e aspirações. A partir daí, é preciso desenvolver projetos que energizem a equipe, para que eles deem o seu melhor. Dessa forma, eles serão muito mais produtivos do que se você simplesmente lhes disser o que fazer.

Portanto, o argumento é baseado na produtividade, no engajamento e em níveis mais baixos de rotatividade, que são, em última análise, argumentos comerciais. Se a empresa estiver preparada para investir em pessoas, em um período de tempo bastante curto obterá um retorno sobre esse investimento.

Você conhece muitas empresas brasileiras. Em que o mercado brasileiro difere de outros lugares?

Trabalho muito com empresas brasileiras. Algumas operam no Brasil, outras são multinacionais. O grande diferencial das empresas brasileiras é que elas estão em um país muito diverso, que recebeu gente do mundo todo. Essa é uma enorme vantagem competitiva, porque alguns países só têm uma forma padrão de fazer as coisas, o que se torna uma barreira à mudança. No Brasil, vejo uma fome enorme de aprender com os outros, de trazer as melhores práticas, de experimentar novas formas de trabalhar.

O Brasil sempre foi um país bastante sofisticado tecnologicamente e acho que isso realmente ajuda. E, sendo um país tão grande, tem a vantagem de poder construir negócios de sucesso no mercado doméstico. A AB InBev, que saiu do Brasil e é a maior cervejaria do mundo, é uma empresa global que continua sendo comandada por brasileiros.

Você tem mais de 15 livros publicados e dezenas de artigos. Qual é o seu próximo tema? Em que você está trabalhando agora?

Tenho algumas ideias em mente. O que está mais próximo é sobre transformação digital, estou escrevendo um livro sobre isso. Estamos falando nisso há 20 anos, mas agora temos ChatGPT. Ou seja, a próxima onda de transformação digital está chegando.

Depois desse, quero escrever um livro sobre como as sociedades progridem. Temos grandes empresas e outras iniciantes que estão tentando mudar as regras. Governos e instituições têm um papel cada vez mais importante em definir os termos de troca, para se preparar para um mundo que está mudando.

Estou falando de sustentabilidade, da necessidade de regulamentar as novas tecnologias, das desigualdades sociais no mundo. Quero sair dos negócios para a sociedade, para realmente tentar ajudar as empresas a desempenhar um papel muito mais profundo e ajudar as sociedades a seguir adiante.

 

Leia também:

Como adaptar sua empresa para o futuro? – Masterclass com Julian Birkinshaw

 

Resumos de livros de Julian Birkinshaw publicados na [EXP]:

Becoming a Better Boss – Why Good Management is so Difficult

– Fast/Forward – Make Your Company Fit for the Future

– Reinventing Management  – Smarter Choices for Getting Work Done

– Liderança Empática

 

 

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