Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, revela que seus clientes corporativos recuperam até cinco vezes o valor do investimento feito nos programas de saúde mental.
Por Monica Miglio Pedrosa
Depois de ser alçada à condição de doença ocupacional pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no início de 2022, a Síndrome de Burnout impulsionou a discussão do tema saúde mental nas organizações. Apesar de impactar diretamente a qualidade de vida dos colaboradores e a produtividade da empresa, esse é um tema ainda cercado de tabus no ambiente corporativo.
O cuidado com a saúde mental é o foco de Tatiana Pimenta desde 2016. CEO e fundadora da Vittude, que desenvolve programas de saúde mental para mais de 170 clientes, entre eles empresas como o Grupo Boticário, SAP, L´Oreal e Banco do Brasil, a executiva foi uma das desbravadoras da regulamentação do atendimento terapêutico online pelo Conselho Federal de Psicologia, em 2018. “Mais da metade dos municípios brasileiros não tem um psicólogo. Não liberar o atendimento online significava negligenciar o atendimento de parcela significativa da sociedade”, afirma Tatiana.
A plataforma, que faz a cobertura de mais de 600 mil vidas e contabiliza mais de 30 milhões de minutos de terapia, é apenas um dos tripés do serviço oferecido pela Vittude. “Nas empresas, começamos sempre com uma etapa de diagnóstico, em que usamos escalas psicométricas para mensurar níveis de adoecimento e correlacionar isso com fatores organizacionais. Temos ainda o pilar de Educação, que ajuda a criar a cultura de saúde mental na empresa, por meio de workshops, formação de embaixadores do tema e masterclasses para formação de líderes”, conta.
Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que os transtornos depressivos e de ansiedade custam anualmente US$ 1 trilhão à economia global em perda de produtividade. Além disso, desde 2019 os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço do número total de incapacidades nas Américas, de acordo com relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Nessa entrevista ao [EXP], Tatiana revela que as empresas devem levar o tema saúde mental para o nível estratégico se quiserem continuar a crescer de forma sustentável, retendo os melhores talentos na organização.
Tatiana, por que você decidiu empreender em 2015 e por que uma startup de saúde mental?
Tatiana Pimenta – Foi uma mistura de dois acontecimentos na minha vida. Sou formada em engenharia civil e sempre trabalhei na indústria de construção civil, com uma breve passagem pela indústria florestal. Em 2015 era gestora de uma empresa suíça que estava promovendo uma série de desligamentos no auge da operação Lava Jato. Fui desligada em agosto daquele ano e, no mesmo dia, descobri que meu pai estava com câncer.
Fiquei três meses envolvida com o tratamento de saúde dele, que morava em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, com minha mãe. Ele tinha 77 anos na época e, antes de trazê-lo para uma cidade grande, tentei fazer uma consulta remota, para mostrar os exames, buscar uma primeira orientação do que deveria ser feito. Simplesmente nenhum médico aceitava fazer o atendimento online. Esse foi o primeiro insight. Será que não era possível fazer um primeiro check list de forma remota, alguma coisa que fosse mais prática antes de trazer um casal de idosos a São Paulo? Minha cabeça de engenheira já me dizia que isso podia ser mais simples.
Foi nesse momento que você pensou em abrir um negócio próprio?
O mercado da construção civil estava em uma época complicada. Eu estava com 34 anos e, antes de ser desligada, estava me encaminhando para uma promoção para a diretoria. Retroceder agora para uma posição de analista para voltar ao mercado não era uma possibilidade pra mim. Comecei a pensar em abrir meu negócio próprio. Fui correr uma maratona em Chicago e aproveitei para estudar sobre inovação e startups. Fui a vários eventos também no Brasil até que no Hospitalar, em São Paulo, assisti uma sessão chamada “Five Years from Now”, que apresentava as inovações em saúde para daqui a cinco anos. Um dos painéis falava de telemedicina, outro de uso de dados.
Um dos palestrantes era o Paulo Chapchap, então diretor do Hospital Sírio e Libanês. Abordei ele ao final do evento para contar a minha ideia de empreender na área da saúde, para levar acesso às cidades do interior. Fomos tomar um café e ele me conectou à equipe de inovação do Sírio. No entanto, a ideia não foi pra frente pois ainda era cedo para a telemedicina decolar. Havia muita barreira e o Cremesp era contra. Em uma das conversas, me sugeriram investigar a regulamentação em psicologia. Acabei resgatando outra parte da minha história quando precisei buscar um psicólogo em 2012, para tratar uma depressão e o processo foi difícil, passei por três terapeutas até acertar. Em uma conversa com meu amigo Everton Höpner, cofundador da Vittude, descobri que ele estava desenvolvendo um aplicativo para um trabalho acadêmico que pretendia ser o Trip Advisor da saúde, em que os médicos podiam ser avaliados pelos pacientes. Juntamos as ideias e a Vittude nasceu em 2 de maio de 2016.
Na época não havia restrição do Conselho de Psicologia à telemedicina?
Existia uma regulamentação que permitia a orientação psicológica online. Nos dois primeiros anos recebíamos notificação do Conselho toda semana. Essa foi uma época em que a Vittude investiu muito em advocacy. Nós argumentávamos que nossa luta era sobre negligenciar ou não o acesso da população a tratamentos psicológicos, afinal vivemos em um país onde metade dos municípios não tem psicólogos. A cidade dos meus pais, com 100 mil habitantes, não tem psicólogos e não fazia o menor sentido eles se deslocarem 400 km toda semana para fazer uma consulta com um terapeuta na idade deles. Lidamos com muitos conselhos regionais, federais e isso é um legado da Vittude. A aprovação da regulamentação do setor pelo Conselho Federal de Psicologia aconteceu em 2018, dois anos antes da pandemia. É interessante notar que modelos mais disruptivos de negócio ajudam a alavancar algumas mudanças na legislação.
“Os dois primeiros anos da Vittude foram de advocacy.
A regulamentação do atendimento psicológico
online aconteceu dois anos antes da pandemia.”
Hoje a telemedicina já está regulamentada e o tema saúde mental nunca esteve tão em pauta nas organizações. O que a Vittude oferece para as empresas?
Desenvolvemos programas corporativos de saúde mental e eles estão amparados em três pilares. O primeiro pilar é o de diagnóstico, em que usamos escalas psicométricas para mensurar níveis de adoecimento e correlacionar isso com fatores organizacionais. Uma das escalas, por exemplo, mensura o nível de stress e outra a segurança psicológica. Ao cruzar essas duas escalas, consigo dar visibilidade para o fato de a organização estar contribuindo ou não para o adoecimento.
O fato hoje é que as pessoas estão doentes, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, o segundo mais estressado e o quinto mais depressivo. Houve uma importante mudança na legislação em 2022, quando o burn out passou a ser equiparado a um acidente de trabalho pela OMS, o que cria um nexo causal entre o ambiente e a atividade laboral. Para as empresas, um dos impactos é o aumento de custos. Uma pessoa que volta de um afastamento após um burn out tem 12 meses de estabilidade. Independente da questão financeira, as empresas têm o papel social de inibir esse adoecimento e para isso uma série de ações devem ser feitas.
Existe uma barreira cultural sobre o tema saúde mental nas organizações.
Exato, e aí entra nosso segundo pilar de atuação, o da Educação. Esse é um tema cercado por muita desinformação. Precisamos capacitar as altas lideranças, muitas delas ainda não ouviram falar do tema. Quando você olha a grade curricular de formações executivas em instituições de ensino – mesmo os tradicionais e renomados – não se fala em saúde mental. Temos então o papel de levar essa pauta para as universidades corporativas. Como o líder identifica a doença nas pessoas da sua equipe e como ele deve acolher esses casos? Principalmente, como ele cuida de si mesmo?
A Vittude oferece um programa amplo de bem-estar para os colaboradores, que inclui o atendimento online, via psicoterapia, que é o nosso terceiro pilar. Ela deve servir principalmente como uma ferramenta preventiva, desenvolvendo habilidades socioemocionais e ajudando o colaborador a se cuidar antes de chegar ao ponto de burn out.
As organizações percebem valor nessa contratação preventiva?
Algumas organizações questionam, pois dizem já oferecer plano de saúde que, com prescrição médica, pode oferecer atendimento terapêutico pelo plano. Mas o plano de saúde é um plano de doença, ou seja, quando a indicação chega já há um CID associado, a doença mental já está instalada. Quando você atua preventivamente, trabalha para ter equipes saudáveis e produtivas e isso gera retorno financeiro para as empresas. Tenho clientes que já conseguem ROI de quatro a cinco vezes o valor investido na Vittude.
Como você mede esse retorno?
Começamos a acompanhar os indicadores, como por exemplo o FAPI (Fundo de Aposentadoria Programa Individual). Em algumas organizações esse indicador cresce anualmente e nosso trabalho é voltado a interromper esse crescimento e diminuir as incidências. Outro indicador que avaliamos é a curva de afastamento dos colaboradores. Quantos dias perdidos de trabalho e qual o custo disso? Quantos pedidos de demissão estão sendo feitos e por que motivos? Esses casos estão concentrados em uma gestão, ou uma área? Percebemos que muitas organizações de grande porte não têm ideia desses números. Se eu não sei o que está acontecendo, não consigo tomar uma ação.
Além disso existe o presenteísmo, que é quando os colaboradores estão presentes fisicamente, mas não conseguem produzir, não entregam valor para a empresa, porque estão lidando com questões pessoais graves. Hoje existe uma exacerbada falta de produtividade porque as pessoas não estão bem.
“A formação executiva deverá ser totalmente repensada.
Desenvolver pessoas passa pelo cuidado com a saúde mental,
mas também pelo desenvolvimento das habilidades socioemocionais,
como comunicação assertiva e comunicação não-violenta.”
A saúde mental é um desafio também para as lideranças, que devem não só gerenciar suas equipes como a própria saúde mental.
Quanto mais alto o cargo, maior a tendência de adoecimento, pois aumenta o nível de cobrança e com isso o stress. Imagine a posição de um CEO, que é a pessoa responsável por todas as famílias dos colaboradores sob sua gestão. É alguém que responde criminalmente caso algo dê errado, que deve responder ao conselho da organização, à sociedade. O grau de autocobrança e de responsabilização aumenta quanto maior a função. Estabelecer uma rotina e principalmente definir seus limites é essencial para equilibrar a vida pessoal com a profissional. Quadros de burn out são muito mais comuns em cargos de gestão.
Quais são os principais aspectos que uma empresa que começa a se preocupar com a saúde mental de seus colaboradores deve priorizar?
A primeira coisa é saber que a saúde mental é um tema complexo, que demanda soluções complexas. Não adianta promover uma roda de conversas no Setembro Amarelo, ou bater um papo com a CIPA e dizer que está cuidando da saúde mental dos colaboradores. Isso só “cumpre tabela”. A saúde mental deve ter um olhar estratégico, deve fazer parte do plano de desenvolvimento da organização. Se eu quero garantir que vou ter talentos saudáveis crescendo com a empresa, preciso ter uma estratégia de longo prazo para cuidar disso.
Estava conversando recentemente com um grande varejista, que tem uma estratégia de crescimento que passa pela abertura de novas lojas. Qual é o desafio? Eles não têm talentos. Não têm pipeline de sucessão. Se você não olha isso de forma estratégica, impede o crescimento do negócio. Por isso defendo que a saúde mental dos colaboradores tem relação direta com performance, atingimento de metas e crescimento do negócio. O Grupo Boticário, um de nossos clientes, descobriu que era importante colocar a saúde mental no ciclo de performance, porque às vésperas do ciclo as pessoas ficavam mais ansiosas, passavam mal, faltavam.
Além de levar a saúde mental para a estratégia da organização, que outros aspectos são essenciais?
A sensibilização para o tema é importante e eles devem ser definidos de acordo com as demandas da organização e do seu grupo de colaboradores. Rodas de conversa com líderes vão tratar de aspectos como liderança humanizada ou comunicação não-violenta. Se eu falo com o chão de fábrica, a conversa é outra.
Outro aspecto essencial é o envolvimento da alta gestão. Nossos maiores cases de sucesso vêm quando o CEO é o patrocinador máximo do projeto. É a liderança pelo exemplo. É importante ainda constituir um time dedicado à saúde mental, para que eles acompanhem os indicadores e priorizem a pauta na empresa. É ótimo ter alguém que vai ser responsável pelo tema e vai ser cobrado pelas métricas relacionada ao bem-estar daquela organização.
Em uma postagem recente no seu perfil do LinkedIn, você fala sobre a desconexão como uma necessidade de saúde mental e a próxima tendência para o tema em 2023.
Esse é na verdade um grande desejo, porque a hiperconexão interfere diretamente na produtividade e pode levar ao adoecimento. Imagine que em 2004 as pessoas chegavam ao escritório, se atualizavam lendo jornais em papel e depois se sentavam e trabalhavam. Hoje eu abro minha caixa de e-mails e aparecem 300 mensagens. Preciso conferir as mensagens de trabalho que chegam por WhatsApp. Ou as atualizações das redes sociais. Quando a gente olha historicamente as curvas de adoecimento, o primeiro pico de crescimento aparece em 2008, que é quando os smartphones começaram a ser vendidos.
Nos últimos meses, temos recebido aqui na Vittude um volume absurdo de notificações de suicídio na população de dependentes, jovens entre 14 e 16 anos. É a geração que já nasceu totalmente conectada. É preciso olhar esses indicadores com mais atenção, há vários estudos que mostram o impacto que a conexão em excesso está causando, até na formação do cérebro das crianças. Isso sem falar dos padrões inalcançáveis que as redes sociais criam e que são artificiais, quase impossíveis de alcançar, o que cria uma pressão emocional absurda. Se quisermos ser uma sociedade mais saudável no futuro vamos ter de estabelecer formas de controlar o uso das redes e esse alerta da hiperconexão eu faço em especial para os pais em minhas palestras.
Como a Vittude cuida do colaborador da Vittude?
Ótima pergunta. Temos um programa interno que se chama “Eu me Cuido”, que coloca em prática a máxima da máscara de oxigênio em casos de despressurização dos aviões. Primeiro você deve colocar a máscara em você para depois cuidar do outro. Uma das coisas que trazemos muito forte é a autorresponsabilidade. Por mais que a empresa dê todas as ferramentas de apoio, que 100% das sessões de terapia sejam subsidiadas, cada pessoa é responsável por cuidar de si, saber seus limites.
Incentivamos também a atividade física; concedemos folga nas emenda de feriados; os horários de almoço e após às 18h são sagrados e bloqueados para reuniões. Investimos em palestras de sensibilização durante todo o ano e iniciamos um programa de saúde financeira. Percebemos que há uma deficiência na educação financeira das pessoas, o que pode levar ao endividamento e impactar a saúde mental. Também estamos olhando com cuidado os resultados do estudo preliminar em Londres sobre a semana de trabalho de quatro dias e o impacto positivo na produtividade das equipes. É algo que podemos avaliar para o futuro.