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A organização sem medo

Ideias centrais: 

1 – Pesquisas em neurociência mostram que o medo consome recursos fisiológicos, desviando-os de partes do cérebro que controlam a memória operacional e processam novas informações. Esse é o motivo pelo qual é difícil as pessoas trabalharem melhor quando estão com medo. 

2 – Como a Volkswagen, a falha evitável do Wells Cargo não foi o resultado de uma maçã ruim, mas de um sistema que exigia atingir metas ambiciosas que somente poderiam ser alcançadas pela mentira. Funcionários trabalhavam sob uma cultura de medo que não tolerava dissidentes. 

3 – O cofundador da Pixar, Ed Catmull, credita o sucesso do estúdio, em parte, à franqueza. Sua definição de franqueza como sinceridade ou honestidade e sua visão de que a palavra “franqueza” é associada a contar a verdade e à ausência de reservas respaldam as premissas de segurança psicológica. 

4 – Cynthia Carroll assumiu a mineradora Anglo American, da África do Sul, em 2007. Chocada com o número de fatalidades, 200 em cinco anos, ela refez toda a política de segurança, discutindo diretamente com os trabalhadores, o que redundou num clima de segurança psicológica e de crescimento. 

5 – A segurança psicológica é mais bem pensada como um facilitador que permite a outros fatores de sucesso, como motivação, confiança ou diversidade, ter os efeitos desejados nos resultados do trabalho. 

Sobre a autora: 

Amy C. Edmondson é professora de liderança de gerenciamento na Harvard Business School. Reconhecida pelo ranking bienal Thinkers 50 de pensadores administrativos desde 2011, ensina e escreve sobre liderança, equipes e aprendizado organizacional. É autora do livro Teaming: How Organizations Learn, Innovate and Compete in the Knowledge Economy. 

Introdução 

Minha base de pesquisa de campo foi primeiramente focada em grupos e equipes, porque isso mostra como a maioria dos trabalhos são feitos. Poucos produtos ou serviços hoje são criados por indivíduos agindo sozinhos, poucos indivíduos simplesmente fazem seu trabalho e, então, entregam a produção para que outras pessoas façam a etapa seguinte, de maneira linear, sequencial. Pelo contrário, muitos trabalhos exigem que pessoas falem umas com as outras para resolver interdependências variáveis. Quase tudo que valorizamos na economia moderna é resultado de decisões e ações que são interdependentes e, portanto, consequência de um trabalho eficaz em equipe. 

Ao longo do tempo, acidentalmente tropecei na importância da segurança psicológica. Como explicarei no Capítulo 1, isso me lançou em um novo programa de pesquisa que, por fim, providenciou evidência empírica que valida as ideias desenvolvidas e apresentadas neste livro.

Por agora, vamos apenas dizer que eu não pretendia estudar a segurança psicológica, mas sim estudar a equipe de trabalho e sua relação com os erros. Pensei que o fato de as pessoas trabalharem juntas era um elemento importante que trazia aprendizado às organizações em um mundo de mudanças. A segurança psicológica mostrou inesperadamente – no que mais tarde se descobriu como um flash ofuscante do óbvio – a explicação de alguns resultados surpreendentes em meus dados.

Hoje, estudos sobre a segurança psicológica podem ser encontrados em setores que compreendem de administração e serviços de saúde até formação de ensino fundamental. Nos últimos vinte anos, uma crescente literatura tomou forma sobre as causas e as consequências da segurança psicológica no local de trabalho. Alguns são meus próprios trabalhos, mas grande parte foi feita por outros pesquisadores. Aprendemos muito sobre o que é, como funciona e porque a segurança psicológica importa. 

PARTE I – O poder da segurança psicológica 

Capítulo 1 – O alicerce 

Em outras palavras, ninguém acorda de manhã animado para ir ao trabalho e parecer ignorante, incompetente ou desagradável. Esses são os chamados riscos interpessoais e são o que quase todo mundo procura evitar, nem sempre conscientemente.

De fato, muitos de nós procuramos parecer inteligentes, capazes ou úteis aos olhos dos outros. Não importa qual seu ramo de trabalho, situação ou gênero. Todos aprendemos como gerenciar riscos interpessoais relativamente cedo na vida.

Em algum ponto durante o ensino fundamental, crianças começam a reconhecer que o que os outros pensam a seu respeito importa e aprendem como diminuir o risco de rejeição ou desprezo. Quando somos adultos, geralmente somos muito bons nisso; tão bons que o fazemos sem pensamento consciente. Não quer parecer ignorante? Não faça perguntas. Não quer parecer incompetente? Não admita erros ou fraqueza. Não quer parecer desagradável? Não faça sugestões. 

O medo inibe o aprendizado. Pesquisas em neurociência mostram que o medo consome recursos fisiológicos, desviando-os de partes do cérebro que controlam a memória operacional e processam novas informações. Isso prejudica o pensamento analítico, a perspicácia criativa e a resolução de problemas.

Esse é o motivo pelo qual é difícil as pessoas trabalharem melhor quando estão com medo. Como resultado, o quão psicologicamente segura uma pessoa se sente molda a predisposição de se empenhar em comportamentos de aprendizado, tais como compartilhar informações, pedir ajuda ou fazer experiências. E também afeta a satisfação do empregado.

A hierarquia (ou, mais especificamente, o medo criado quando não é bem manipulado) reduz a segurança psicológica. Pesquisas mostram que membros de equipes de níveis mais baixos geralmente se sentem menos seguros que membros mais altos. Pesquisas também mostram que estamos constantemente avaliando nossa condição relativa, monitorando como podemos nos colocar contra os outros e, em geral, de maneira inconsciente. Ademais, aqueles em níveis hierárquicos baixos vivenciam estresse na presença daqueles em níveis mais altos. 

A segurança psicológica descreve uma crença de que nem a consequência formal ou informal dos riscos interpessoais, como pedir ajuda ou admitir uma falha, será punitiva. Em ambientes psicologicamente seguros, pessoas acreditam que, se cometerem um erro ou pedirem ajuda, outros não vão reagir de forma negativa.

Ao contrário, a sinceridade é tanto permitida como esperada. Em suma, segurança psicológica descreve um clima no qual as pessoas se sentem seguras o suficiente para correr riscos interpessoais, pronunciando-se e compartilhando preocupações, perguntas ou ideias. Quando as pessoas não se pronunciam, a habilidade da organização de inovar e crescer é ameaçada. 

Capítulo 2 – A Auditoria 

Nas organizações de hoje, segurança psicológica não é algo “bom para se ter”. Não é um benefício do funcionário, como almoço gratuito ou sala de jogos, com que você deve se preocupar para manter as pessoas felizes no trabalho.

Em contrapartida, argumentarei que a segurança psicológica é essencial para desencadear talento e criação de valor. Contratar talento simplesmente não é mais suficiente. As pessoas têm de estar em locais de trabalho onde se sintam capazes e dispostas a usar seu talento.

Em qualquer organização que requer conhecimento – e especialmente, naquela que requer conhecimento integrado de diversas áreas de especialidades -, segurança psicológica é um requisito para o sucesso.

Em resumo, quando empresas confiam no conhecimento e colaboração para inovação e crescimento, investir ou não em construir um clima seguro psicologicamente não é mais uma escolha. 

Epidemia de silêncio. É provável que você tenha vivenciado no trabalho um momento em que não fez uma pergunta que realmente gostaria de ter feito ou em que quis dar uma ideia, mas, em vez disso, ficou quieto. Vários estudos mostram que esses tipos de silêncio são dolorosamente comuns.

Ao coletar e analisar dados de entrevistas com funcionários adultos, estudos têm investigado quando e por que as pessoas se sentem incapazes de se expressar abertamente no local de trabalho. Com esse estudo, aprendemos, antes de mais nada, que as pessoas frequentemente se contêm, mesmo quando acreditam que o que têm a dizer poderia ser importante para a organização, para o cliente e para si mesmas. 

Em um primeiro estudo sobre silêncio no local de trabalho, os gerentes de pesquisa da Universidade de Nova York, Frances Miliken, Elizabeth Morrison e Patricia Hewlin, entrevistaram 40 funcionários tralhando em período integral em consultoria de serviços financeiros, meios de comunicação, farmacêuticos e publicidade para entender por que esses funcionários não conseguiam se expressar abertamente no trabalho e quais assuntos não conseguiam abordar com maior frequência. Quando pressionados a explicar por que permaneceram em silêncio, muitas vezes disseram que não queriam ser malvistos. Outra razão comum foi não querer envergonhar ou aborrecer alguém. Ainda outros expressaram um senso de futilidade – algo como “não vai importar de qualquer forma, por que me preocupar?” Poucos mencionaram medo de retaliação. Mas as duas razões mencionadas com mais frequência para permanecer em silêncio foram, em primeiro lugar, o medo de serem vistos ou rotulados negativamente e, em segundo, o medo de prejudicar relacionamentos de trabalho. Esses medos, que são por definição o oposto de segurança psicológica, não têm lugar em uma organização sem medo. 

Uma quantidade crescente de estudos mostra que segurança psicológica pode existir no trabalho e, quando existe, as pessoas de fato falam abertamente, oferecem ideias, reportam erros e exibem muito mais do que podemos categorizar como “comportamento de aprendizado”. 

Por exemplo, num estudo com enfermeiras em quatro hospitais belgas, uma equipe de pesquisadores liderada por Hannes Leroy explorou como as enfermeiras-chefe estimulavam outras enfermeiras a reportarem erros, enquanto também reforçavam altos padrões de segurança. Aqui, o desafio é pedir às pessoas que executem a qualidade mais alta (possivelmente livre de erros) de trabalho e, ainda assim, estejam dispostas a falar sobre erros que podem ocorrer.

Leroy e seus colega entrevistaram as enfermeiras de 54 departamentos, medindo o conjunto de fatores inter-relacionados: segurança psicológica, relatórios de erros, o número de erros cometidos, a opinião das enfermeiras sobre quanto o departamento priorizava a segurança do paciente e sobre se a enfermeira-chefe praticava os protocolos de segurança. 

Leroy descobriu que os grupos com maior segurança psicológica reportavam mais erros para as enfermeiras-chefe. Esse achado era consistente com o que havia visto na faculdade em meu estudo de erros de medicação. Mais curiosamente, eles descobriram que, quando as enfermeiras pensavam que a segurança do paciente tinha prioridade alta no departamento e quando a segurança psicológica era alta, menos erros eram cometidos. Em contrapartida, quando a segurança psicológica era baixa, apesar de acreditar no comprometimento declarado do departamento com a segurança do paciente, os funcionários cometiam mais erros. Em resumo, equipes psicologicamente seguras cometiam menos erros e falavam abertamente sobre eles com maior frequência. 

Felizmente dados mostraram que as equipe com segurança psicológica também tinham alto desempenho – um resultado que se manteve em ambos os tipos de medidas de desempenho. 

Os pesquisadores Markus Baer e Michael Frese levaram essa questão ao próximo nível de análise, mostrando que a segurança psicológica aumentou o desempenho da empresa em uma amostra de 47 firmas alemãs de médio porte, tanto em setores industriais como de serviços.

O desempenho foi medido de duas formas: mudança longitudinal do retorno em ativos (controlando prévio retorno constante dos ativos) e avaliações executivas de realização de objetivos da empresa.

Todas as empresas estavam comprometidas com processos de inovação. Mas os esforços do processo de inovação somente levavam ao alto desempenho quando a organização tinha segurança psicológica.

Em resumo, o processo de inovação pode ser uma boa maneira de estimular o desempenho da empresa, mas um ambiente psicologicamente seguro ajuda a compensar o investimento. 

Parecia que não havia resposta para a pergunta sobre por que algumas equipes prosperam e outras falham. Então, como Duhiggs escreveu, “quando Rozovsky e seus colegas do Google encontraram o conceito de segurança psicológica em documentos acadêmicos, foi como se tudo de repente tivesse se encaixado. O que eles descobriram foi que mesmo os funcionários extremamente inteligentes e de alta capacidade do Google precisavam de um ambiente de trabalho seguro psicologicamente para contribuir com as habilidades que tinham a oferecer.

A equipe também encontrou outros quatro fatores que ajudaram a explicar o desempenho da equipe – objetivos claros, colegas confiáveis, trabalho individualmente relevante e uma crença em que o trabalho tem impacto.

Como Rozovsky colocou, porém, reiterando a citação do começo do Capítulo 1, “segurança psicológica era de longe a mais importante… era o alicerce das outras quatro.” 

PARTE II – Segurança psicológica no trabalho 

Capitulo 3 – Falha evitável 

Como diz o ditado, o orgulho vem antes da derrocada. Apenas um ano antes, a Volkswagen (VW), a maior empresa automotiva do mundo, estava enfrentando um escândalo inimaginável. Os motores diesel limpo que ancoraram as impressionantes vendas nos EUA foram descobertos como – essencialmente – uma farsa. Agentes alemães invadiram a sede da empresa, em Wolfsburg, procurando por evidências incriminatórias. Investigações criminais foram abertas pelos Estados Unidos e pela União Europeia para descobrir quem sabia o quê, quando e como. A empresa interrompeu as vendas, reportou a primeira perda trimestral em 15 anos e testemunhou um terço de seu valor desaparecer. O CEO Martin Winterkorn se demitiu em setembro de 2015. 

Escrevendo logo após a queda da VW, Bob Lutz, da Chrysler, especulou que Piech era “ “muito provavelmente a causa-raiz do escândalo das emissões de diesel da VW”, porque instigava “um reino de terror e uma cultura na qual o desempenho era guiado por medo e intimidação.” Embora talvez em um caso extremo, o fato é que muitos gerentes são simpáticos ao uso do poder para exigir que as pessoas alcancem certos objetivos. 

Em 8 de dezembro de 2016, estava tudo acabado. A bomba-relógio havia explodido por dentro, estilhaçando a ilusória rainha das vendas casadas de uma única loja. Após ter sido condenada por extensas práticas de vendas impróprias na divisão de bancos, a Wells Cargo anunciou um acordo de US$ 185 milhões com o Consumer Financial Protection Bureau e duas outras agências reguladoras. O CEO John Stumpf se demitiu no mês seguinte. 

No início dos anos 2000, a Wells Cargo adotou uma campanha de vendas casadas, chamada de “Pegando os oito”, com a intenção de motivar os bancos a venderem, em média, uma quantidade inédita de oito produtos por cliente. Os funcionários do banco que não conseguissem atingir as metas de venda eram treinados para aumentar seus números, incluindo treino de “manipular a objeção”, para coagir as pessoas a comprarem mais produtos. Se ainda assim não conseguissem atingir seus números, eles seriam demitidos da empresa. Os funcionários da divisão de bancos, a fim de levantar a estimativa de vendas, abriram dois milhões de contas não autorizadas. 

Como a Volkswagen, a falha evitável da Wells Cargo não foi o resultado de uma maçã ruim, mas de um sistema que exigia atingir metas tão ambiciosas que somente poderiam ser alcançadas pela mentira. Funcionários trabalhavam sob uma cultura de medo que não tolerava dissidentes. 

Capítulo 4 – Silêncio perigoso 

Para que falar abertamente se torne uma rotina, a segurança psicológica – e as expectativas sobre falar abertamente – deve se tornar institucionalizada e sistematizada. Depois de Tenerife [colisão fatal de um avião da KLM com um da Pan Am], o treino de cabine mudou, dando lugar à mais ênfase na tomada de decisão da tripulação, encorajando os pilotos a defenderem sua opinião quando acreditassem que algo estivesse errado e ajudando os capitães a ouvirem as preocupações de copilotos e tripulações. Essas medidas foram um precursor para o treinamento de gestão dos recursos da tripulação oficial (GRTO), a que todos os pilotos devem se submeter. 

Cassandra, um dos mais trágicos personagens da clássica mitologia grega recebeu o dom da profecia junto com a maldição de que nunca se acreditaria nela. Baixos níveis de segurança psicológica podem criar uma cultura de silêncio. Eles podem criar uma cultura de Cassandra – um ambiente no qual falar abertamente é menosprezado e avisos são ignorados. Sobretudo quando falar abertamente implica chamar atenção para resultados desagradáveis. Como foi o caso de Cassandra em sua profecia de guerra, não é fácil para os outros ouvirem ou acreditarem. Portanto, a cultura do silêncio não é somente a que inibe falar abertamente, mas aquela em que pessoas falham em ouvir com cuidado os que falam abertamente – especialmente quando estão trazendo notícias desagradáveis. 

Considere a explosão do ônibus espacial Challenger em 1986. Ao contrário do silêncio de Rodney Rocha em um momento crucial no trabalho, Roger Boisjoly, um engenheiro da empreiteira Morton-Thiokol na NASA, falou abertamente. Na noite anterior ao lançamento desastroso, Boisjoly manifestou sua preocupação com o fato de que temperaturas extremamente frias poderiam causar mau funcionamento dos anéis de vedação que conectam os segmentos do ônibus. Seus dados eram incompletos e seu argmento vago, mas o grupo reunido poderia ter resolvido prontamente a indefinição com algumas análises simples e experimentos se o tivessem ouvido com profundidade e respeito. Em resumo, para a voz ser eficaz, é necessária uma cultura de ouvir. 

Capítulo 5 – O local de trabalho sem medo

O cofundador da Pixar, Ed Catmull, credita o sucesso do estúdio, em parte, à franqueza. Sua definição de franqueza como sinceridade ou honestidade e sua visão de que associamos a palavra “franqueza” a contar a verdade e à ausência de reservas respalda as premissas de segurança psicológica.

Quando a franqueza é parte da cultura do local de trabalho, as pessoas não se sentem silenciadas. Elas não guardam para si o que pensam. Elas dizem o que lhes vem à mente e compartilham ideias, opiniões e críticas. De preferência, riem juntas e conversam de maneira efusiva. 

Catmull estimula a franqueza procurando por maneiras de institucionalizá-las na organização – mais especificamente, no que a Pixar chama de “braintrust [confiança no cérebro, em tradução livre]”.

O braintrust foi lançado em 1999, quando a Pixar estava correndo risco para salvar Toy Story 2, que havia saído dos trilhos. A receita do braintrust é bastante simples: um grupo de diretores e contadores de histórias assiste à primeira sessão do filme juntos, almoça junto e, então, dá o retorno para o diretor sobre o que eles acham que funcionou e que não funcionou. Mas o ingrediente principal é a franqueza. 

Em 1975 , Ray Dalio, um homem na casa dos 20 anos, fundou a Bridgewater Associates em seu apartamento de dois quartos na cidade de nova York. Desde então, a empresa cresceu para mais de mil e quinhentos funcionários, obteve altos retornos consistentemente (mesmo durante a crise financeira de 2008-2009), e tem sido premiada por dúzias de prêmios de mercado. Dalio esteve entre os 400 da lista na revista Forbes e, na revista TIME, entre as 100 pessoas mais influentes. Ele atribui o sucesso da Bridgewater à sua cultura de “valorizar trabalho e relacionamentos significativos”, a qual tem alcançado através de “verdade radical e transparência”. Dalio criou um documento intitulado Princípios, para gravar ideias testadas e aprovadas, métodos e processos que ele teria desenvolvido. 

A grande recessão de 2007-2009 apresentou uma oportunidade drástica para a Barry-Wehmiller honrar sua promessa de cuidar das pessoas como família. Quando novos pedidos de equipamentos caíram consideravelmente e demissões pareciam inevitáveis, Chapman iniciou, em vez disso, um programa de sacrifício compartilhado.

Segundo seu princípio de que em uma família afetuosa “todos os membros da família absorveriam alguma dor para que nenhum familiar tivesse de experimentar uma perda drástica”, não haveria demissões. Em troca, todos os funcionários, não importando sua posição, tirariam uma licença não remunerada de quatro semanas à sua escolha.

O corte de custos na forma de sacrifício compartilhado se manifestou também de outras formas. Chapman reduziu seu salário para US$ 10,5 mil, suspendeu o bônus dos executivos, reduziu despesas com viagens. Em outras palavras, por continuar fazendo seus membros de equipe se sentirem seguros e cuidados durante uma crise, a empresa gerou uma situação de ganho mútuo para todos. 

Capítulo 6 – São e salvo 

A experiente tripulação do voo 1549 [janeiro de 2000, pouso no Rio Hudson] era bem treinada em protocolos e procedimentos padrão de equipamentos de aviação. Igualmente importante, eles foram treinados em Gestão de Ameaça e Erro (GAE) e GRT (também chamada, algumas vezes, de Gestão de Recursos de Tripulação). Ambos os programas ensinam maneiras  de pensar e tomar decisões.

O GRT – um programa que, entre outras técnicas, instrui as tripulações de aviação a falarem abertamente com seus capitães quando sentem que algo está errado e, da mesma forma, instrui os capitães a ouvirem as preocupações da tripulação é especialmente bem ajustado para criar ambientes de segurança psicológica.

O treinamento GRT, agora obrigatório para todos os pilotos, começou pela primeira vez em resposta a Tenerife e outros acidentes trágicos similares, tal como o pouso fatal do Air Florida em 1982 em Potomac, em que o copiloto não conseguiu insistir que o capitão voltasse por causa da chuva gelada e do degelo incompleto, e o acidente da Asiana Airlines em 2013, no aeroporto de San Francisco, quando o copiloto estava com medo de avisar a seu capitão sobre um pouso de baixa velocidade. 

Kent Thiry refere-se a si mesmo como o “prefeito” da “cidade” DaVita Treinamento Renal e enfatiza que “construir uma empresa de sucesso é um meio para o fim de construir uma comunidade saudável”.

Também em apoio a uma comunidade saudável, o fundo DaVita Village Network existe para ajudar colegas de equipe que possam vir a deparar com despesas médicas inesperadas ou ter outras dificuldades financeiras Isso é parte da filosofia “todos por um”.

A empresa iguala as doações dos colegas de equipe no fundo. Embora a maioria dos colegas tenha pouca qualificação, trabalhadores horistas, a DaVita oferece benefícios que abrangem saúde e previdência, incluindo provisões para assistência médica, aposentadoria, reembolso de mensalidades e, mais surpreendentemente, opções de compra de ações e participação nos lucros. 

Os pacientes que se sentem confortáveis e confiantes – psicologicamente seguros – com a equipe clínica são mais propensos a obedecer a um plano de tratamento rigoroso. Para estimular esses sentimentos positivos, os centros da DaVita estão frequentemente decorados com fotografias do paciente e seus familiares e, também, com desenhos feitos por eles, seus filhos e netos. 

Durante o lekgotla (círculo de conversa) da Anglo American (maior mineradora da África do Sul), os gerentes reformularam a pergunta inicial. Em vez de pedir aos trabalhadores para dar suas opiniões diretamente sobre problemas de segurança, eles perguntaram: “O que precisamos fazer para criar um ambiente de trabalho de cuidado e respeito?” 

Foi então que os trabalhadores começaram a se sentir seguros o suficiente para falar abertamente sobre preocupações específicas. Um grupo disse que gostaria de água quente no local de trabalho para limpeza e para fazer chá (a gerência cumpriu essa solicitação). O diálogo continuou até que cada gruo tivesse desenvolvido um contrato indicando quais ações específicas seriam necessárias para maximizar a segurança. 

Quando Judy Ndlovu, uma executiva da Anglo American disse sobre esse processo, “a mudança real era ouvir os trabalhadores … Cynthia Carroll desafiou a gerência a compreender o que os funcionários estavam pensando, o que eles sentiam quando iam para a mina todo dia”. 

Cynthia Carroll assumiu a mineradora Anglo American, em 2007 e ficou chocada com o número de fatalidades ocorrendo na empresa: cerca de 200 nos cinco anos anteriores à sua chegada. Refez toda a política de segurança, mas em diálogo com todos os trabalhadores, paralisando temporariamente a atividade mineradora e criando um ambiente de segurança psicológica.   

PARTE III – Criando uma organização sem medo   

Capítulo 7 – Fazendo acontecer 

Quando Julie Morath chegou como chefe de operações no Children’s Hospital and Clinics em Minneapolis, Minnesotta, seu objetivo era simples: 100% de segurança do paciente para as crianças hospitalizadas sob seus cuidados. O objetivo pode ter sido simples. Com alcançá-lo não era. Isso foi no início de 1999 e poucas pessoas estavam falando sobre a segurança dos pacientes. 

Mas quando Morath começou a dar palestras que elucidaram o atendimento hospitalar como um sistema complexo e sujeito a erros, o que ela estava fazendo era enquadrar o trabalho – ou, mais precisamente, reformulá-lo. Seu objetivo era ajudar as pessoas a abandonarem a crença em que a incompetência (em vez da complexidade) era a culpada. Essa mudança de perspectiva se mostraria essencial para ajudar as pessoas a se sentirem seguras em falar abertamente sobre os problemas, erros e perigos que observassem. 

Morath reforçou seu convite para colaborar com várias intervenções estruturais. Primeiro, ela criou uma equipe principal chamada Comitê de Orientação do Paciente (COSP) para liderar a iniciativa de mudança.

O COSP foi desenvolvido como um grupo multidisciplinar e multinível para garantir que as vozes de todo o hospital seriam ouvidas. Cada membro foi convidado com uma declaração pessoal sobre por que sua perspectiva foi solicitada.

Segundo, Morath e o COSP apresentaram uma nova política chamada “relato isento de culpa” – um sistema convocando relatórios confidenciais sobre riscos e falhas que as pessoas observaram.

Terceiro, como as pessoas começaram a se sentir seguras o suficiente para falar abertamente, Morath liderou mais de 18 grupos de discussão para facilitar aos funcionários em todas as partes da organização que compartilhassem suas preocupações e experiências. 

A falha é uma fonte valiosa de dados, mas os lideres devem entender e comunicar que o aprendizado somente acontece quando há segurança psicológica suficiente para investigar com cuidado os ensinamentos da falha.

Em seu livro The Game-Changer, publicado enquanto ele ainda era CEO da Proctor and Gamble, A. G. Lafley celebra suas onze falhas de produto mais caras, descrevendo por que cada uma foi valiosa e o que a empresa aprendeu com cada uma. Relembre, também, a confiança de Ed Catmull passada para os animadores da Pixar, cujos filmes sempre começavam ruins, para ajudá-los a “separar medo e falha”. 

O reenquadramento mostra que os líderes têm de estabelecer e cultivar a segurança psicológica para ter êxito na maioria dos ambientes de trabalho hoje em dia. O líder é obrigado a estabelecer a direção do trabalho, pedir colaborações relevantes para esclarecer e melhorar a direção geral que foi estabelecida e criar condições para o aprendizado contínuo, pata alcançar a excelência.

Cynthia Carroll reenquadrou o trabalho na Anglo American por ativamente pedir colaboração dos mineiros para elaborar novas práticas de segurança física. Naohiro Masuda, o superintendente de usina em Fukushima Daini, reenquadrou o trabalho quando preparou uma lousa para liderar eficazmente sua equipe durante um ataque violento de tsunami. Ele deu à sua equipe tanta informação contínua quanto ele tinha disponível em um ambiente rapidamente variável. 

Capítulo 8 – O que vem depois? 

Liderança é a força de tornar possível às pessoas e organizações superar as barreiras inerentes à voz e ao comprometimento, assim como ganhar recompensas emocionais e concretas de participar completamente em uma inspiradora missão compartilhada.

Como observado na Capitulo 7, liderança não é limitada ao topo da organização, mas certamente pode ser exercida em todos os níveis. Em essência, liderança deve aproveitar os esforços de outros para realizar algo que ninguém pode realizar sozinho. É ajudar as pessoas a irem tão longe quanto podem com o talento e habilidades que têm. 

Esperando que este livro convença, substituir o silêncio pela franqueza e o medo por comprometimento são responsabilidades essenciais para os líderes hoje em dia. 

Na década seguinte da missão espacial do ônibus espacial Columbia, usei um poderoso estudo de caso multimídia que meus colegas e eu desenvolvemos através de fontes públicas para ensinar em programas de liderança na Harvard Business School e ao redor do mundo.

Um dia, em 2012, o telefone de meu escritório tocou. Para minha surpresa, o autor da chamada anunciou que era da NASA. “Nós sabemos o que está fazendo”, disse ele. Enquanto eu engolia, ele continuou “e achamos excelente”. O interlocutor era Ed Rogers, ele foi o diretor de conhecimento do Centro Goddard de Voo Espacial da NASA. 

Rogers enfatizou, em nossas conversas pessoais, que “a comunicação é a chave para nosso sucesso” e que uma “cultura de ouvir” era tão importante quanto uma cultura do falar abertamente, conectando a nossa discussão no Capitulo 4 sobre os esforços mal-sucedidos de Roger Boisjoly em falar abertamente. “Comunicação envolve transmitir e receber”, explicou ele.

Roger chamou Christopher Scolese, o então novo diretor do Centro Goddard de Voo Espacial da NASA, de “o melhor líder para quem já trabalhei”. Quando perguntei por que, ele explicou que era porque “ele se preocupa com as pessoas. Ele tem uma perspectiva estratégica e se preocupa com o espaço e a NASA” (como um todo, em vez de favorecer determinada instituição). Ele continuou falando sobre o quanto Scolese demonstrava respeito e interesse pelas contribuições dos outros. 

Útil facilitador. Eu não vejo a segurança psicológica como uma panaceia. Longe disso. Segurança psicológica é somente um dos vários fatores necessários para o sucesso na economia moderna. Como discutido na Capítulo 2, a segurança psicológica é mais bem pensada como um facilitador que permite a outros fatores, como motivação, confiança ou diversidade, ter os efeitos desejados nos resultados do trabalho. A segurança psicológica torna possível que outros condutores de sucesso (talento, humildade, diversidade de pensamentos) sejam expressos de maneira que influenciem como o trabalho é feito.   

É possível criar segurança psicológica em qualquer país? 

Sem dúvida, não é fácil criar uma cultura como a da Toyota – uma abordagem para melhoria contínua e execução perfeita que depende de todos os funcionários, acima e abaixo na hierarquia, para apontarem os erros de maneira contínua, enérgica e voluntária. Mas vale a pena. Isso é típico da cultura japonesa? Não. Está profundamente incorporado na cultura da Toyota? Sim. Em outras palavras, pode ser feito. 

Diferenças culturais em distância de poder significam que o trabalho de criar segurança psicológica é mais difícil em alguns países do que em outros. Mesmo assim, isso não o torna menos necessário.

Se o trabalho que uma organização faz envolver incerteza, interdependência ou altos interesses, o sucesso depende de criar alguns degraus de segurança psicológica. Sem disposição para contestar uma decisão, organizações estão em perigo de falhas evitáveis, tanto grandes quanto pequenas. Então, arregace as mangas, você tem trabalho a fazer.

Pode envolver nadar contra forças culturais, mas pode ser feito. As boas notícias são que, quando benfeitos, seus esforços podem criar uma fonte poderosa de vantagem competitiva num campo em que a média de segurança psicológica é baixa.  

Resenha: Rogério H. Jönck

Imagens: Reprodução e Unsplash

Ficha técnica

Título: A Organização sem Medo – Criando Segurança Psicológica no Local de Trabalho para Aprendizado, Inovação e Crescimento 

Título original: The Fearless Organization 

Autora: Amy C. Edmondson 

Primeira edição: Alta Books 

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